Em 2016, as mulheres representaram 12,9% do total de candidaturas ao cargo de prefeito, totalizando 2149 candidatas. Destas, 641 foram eleitas. Isso significa que 88,4% dos municípios elegeram homens como prefeitos, mantendo a larga maioria masculina que tem caracterizado a política no Brasil, sobretudo no caso do poder Executivo.
A literatura internacional tem chamado a atenção para o fato de que é na política local que as mulheres teriam melhores condições de participar. Mas também é nela que é possível observar processos que podem ter efeitos negativos para a construção de suas carreiras políticas. Faltam dados nacionais consolidados, mas sabemos que as mulheres são minoria também entre as pessoas indicadas para cargos de secretaria nas prefeituras. A roda gira de forma que as oportunidades que permitem somar visibilidade, redes de contato e experiência estão mais disponíveis para os homens do que para elas.
Os partidos políticos são atores fundamentais nas democracias. Têm responsabilidade, em especial, na consolidação de candidaturas, no apoio que permite que tenham sucesso eleitoral – e na definição do perfil de quem se candidata e, recebendo esse apoio, terá maiores chances de eleger-se. Mas o suporte não se limita ao calendário eleitoral. Demos o exemplo da nomeação para as secretarias municipais. Mas há outros, fundamentais, que precisamos levar em conta. Um deles é a formação de quadros. Isso se dá entre as eleições. Pode ser algo menos visível, mas é uma chave para a renovação dos processos de representação política.
Decisões e resoluções no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconhecem que, para que as eleições não sejam um processo que exclui sistematicamente alguns grupos, é preciso garantir condições mais igualitárias de disputa. A partir de 2018, a lei exige que os partidos políticos dediquem no mínimo 5% do Fundo Partidário à promoção da participação das mulheres. No mesmo ano, passou também a exigir que no mínimo 30% dos recursos do Fundo Eleitoral fossem dedicados às candidaturas de um dos sexos (na prática, às candidaturas das mulheres).
Apesar disso, os dados já disponíveis para as eleições de 2020 mostram que o financiamento das campanhas é bastante desigual. E entre as eleições, os partidos não têm necessariamente cumprido a lei. O ponto fundamental é que a vida partidária e as eleições não são mundos distintos. E o apoio às mulheres, assim como a recusa a ele e o descumprimento da lei, têm efeitos importantes para a democracia.
Como as mulheres que se elegeram prefeitas em 2016 avaliam o contexto em que disputam cargos com uma maioria masculina? E como avaliam as medidas que exigem dos partidos maior equilíbrio no tratamento às candidaturas das mulheres?
O Instituto Alziras lança hoje (6) um relatório inédito com o resultado de entrevistas realizadas com as prefeitas brasileiras para identificar a percepção dessas governantes acerca das práticas adotadas por seus partidos para ampliar a participação feminina na política. O estudo revela que há um trabalho importante a ser feito, para além do período eleitoral, para que as desigualdades de gênero e raça existentes na sociedade não se expressem de forma contundente no interior das estruturas partidárias e nas práticas que embasam o recrutamento, a seleção e o suporte às candidaturas. É algo que diz respeito às eleições em curso no Brasil, mas que funciona também como um alerta: esse processo vai além do calendário eleitoral.
Merece destaque que 86% das prefeitas do país consideram importante a decisão que obrigou os partidos a destinarem pelo menos 30% dos recursos de campanha para as mulheres. Em pesquisa anterior, realizada em 2018, cerca de metade das prefeitas brasileiras (48%) já tinha mencionado a falta de recursos de campanha como a principal dificuldade enfrentada em suas carreiras políticas pelo fato de serem mulheres.
Ao serem questionadas sobre a representatividade feminina no topo da hierarquia partidária, 70% das prefeitas consideram que as mulheres não estão representadas de forma equilibrada nos principais postos de poder e tomada de decisão de seu partido. Essas percepções, enraizadas na sua trajetória política, são corroboradas pelos dados que revelam que, apesar de serem quase metade dos filiados aos partidos políticos brasileiros (45%), as mulheres ocupam, em média, apenas 21,1% das executivas nacionais. A hierarquia nos partidos é um fator a ser considerado para que se possa caminhar em direção a democracias paritárias, como têm mostrado diferentes estudos.
Na pesquisa do Instituto Alziras, menos de um terço das entrevistadas (31%) afirmou que seu partido estava realizando alguma iniciativa de preparação de candidatas no ano anterior às eleições de 2020, o que pode indicar a necessidade de que esse tema seja endereçado com maior prioridade e antecedência na agenda partidária. Ainda em relação à formação, mais da metade das prefeitas (52%) revela desconhecer que os partidos são obrigados anualmente a destinar pelo menos 5% do Fundo Partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política de mulheres. E, quando perguntadas a respeito da aplicação desses recursos, 69% das prefeitas responderam que não recebem informações sistematizadas de seu partido sobre a destinação desses valores.
Apesar de reconhecer a importância da autonomia partidária, a pesquisa indica a necessidade de maior controle público dos partidos políticos brasileiros, onde as decisões ainda são politicamente centralizadas em algumas lideranças, com baixo grau de democracia interna. Se antes ressaltamos a relação entre a vida partidária e os processos eleitorais, agora finalizamos chamando a atenção para a relação entre as práticas no interior dos partidos políticos e os padrões – menos ou mais representativos – da política democrática mais amplamente.
Os partidos políticos são instituições chave para a democracia brasileira. Na medida em que priorizem ações estruturais e de longo prazo em prol da igualdade de gênero e raça, poderão ter ganhos significativos de legitimidade pública, produzindo e afirmando novos sentidos para a ideia de democracia representativa em nosso país.
* Michelle Ferreti, Clara de Sá, Marina Barros e Roberta Eugenio são membras do Instituto Alziras.
Flávia Biroli é doutora em História pela Unicamp (2003). É professora do Instituto de Ciência Política da UnB, pesquisadora do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20). É autora, entre outros, de Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil (Boitempo, 2018) e Gênero, neoconservadorismo e democracia (com Maria das Dores C. Machado e Juan Vaggione, Boitempo, 2020).