A menos de 5 dias das eleições municipais no Brasil, que ocorrerá no domingo 15 de novembro, os partidos já distribuíram R$ 1,374 bilhões dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC). Isso corresponde a menos da metade do total do FEFC, que soma 2,34 bilhões de reais.
Neste ano, 30% dos recursos devem ser destinados a candidaturas femininas, e um valor proporcional ao número de candidatos negros deve ser destinado a pretos e pardos – que somam, nestas eleições, 49,9%.
Na primeira análise feita sobre essa distribuição dos recursos, no dia 21 de outubro, apontamos que mulheres recebiam menos do que a cota e negros recebiam 35,77%. Hoje, quase três semanas após essa análise, 28,9% dos recursos foram repassados a mulheres e 40,9% a candidaturas negras.
Se o mais evidente é o subfinanciamento de negros e mulheres, a realidade é de sobrefinanciamento de candidaturas brancas. Os homens e mulheres brancos, que são 47.9% dos candidatos, receberam 58.1% dos recursos. Até o momento, portanto, esta eleição reproduz a concentração dos recursos nos grupos historicamente privilegiados.
Candidatos amarelos receberam 0.4% dos recursos, e indígenas receberam 0.2%. E também neste caso, um dos problemas é a concentração dos recursos em algumas candidaturas. A candidata indígena Juliana Cardoso (PT), por exemplo, que concorre a vereadora em São Paulo (SP), recebeu até o momento pouco mais de 233 mil reais, o que corresponde a 18,7% da verba de todas as candidatas indígenas de todos os partidos (R$ 1.246.059). É a pessoa indígena com o maior repasse.
Já exploramos neste Observatório as brechas dessas leis, que ocasionaram um aumento do número de candidatas mulheres a vice-prefeitas e que permitem também a concentração dos recursos nas candidatas a cargos majoritários. Neste momento, a cinco dias das eleições, importa observar quais partidos ainda estão longe de atingir as metas e para que serve o dinheiro, faltando tão pouco tempo para as eleições.
Os dados foram retirados da Plataforma 72Horas, uma ferramenta de pesquisa que disponibiliza todos os repasses do FEFC e Fundo Partidário, e atualizada a partir dos dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Oscilações no total repassado por enquanto parecem indicar apenas correções feitas pelos candidatos, e não irregularidades, e estão sendo acompanhadas pelas idealizadoras da plataforma.
Como os dez partidos com mais fundos distribuíram os recursos?
Até o momento, 95,6% dos recursos repassados são provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), e 4,4% do Fundo Partidário. Isso acontece porque o FEFC é criado justamente para o período eleitoral, enquanto o Fundo Partidário engloba também outros gastos do partido, como pagamento de água, luz, aluguel, etc.
Os recursos do FEFC que não forem utilizados até o final do período de campanha devem ser devolvidos pelos partidos. No entanto, faltando cinco dias para as eleições, os dez partidos com mais repasses do FEFC gastaram pouco mais do que a metade destes recursos. Apenas dois partidos cumpriram a cota de 30% para mulheres: PT e PSL. A média repassada a candidatos brancos está acima de 60%.
A tabela abaixo apresenta os dez partidos com mais recursos do FEFC, e como está a distribuição dos recursos até o momento.
Distribuição de recursos dos dez partidos com maior Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do TSE e da plataforma 72Horas
O Partido dos Trabalhadores (PT), que lidera com mais recursos do FEFC, por enquanto repassou apenas 53% do valor do fundo. Do montante repassado, 57% está com candidatos brancos, e 35,5% com mulheres.
Além do PT, o PSL é o único dentre os dez partidos com mais recursos do FEFC que no retrato atual distribuiu mais que 30% da verba para as mulheres – 33,5%. O PSL é o segundo partido com mais recursos do FEFC, e por enquanto repassou 55% deste total.
A situação mais alarmante é a do Democratas (DEM), sétimo partido com mais recursos do FEFC, e que já repassou 74.8%. Do total repassado, apenas 19,2% foram para candidatas mulheres, o que está bem longe do mínimo de 30% exigido pela lei. No entanto, em relação ao montante distribuído para brancos, é o partido que tem menor concentração nessa cor – 49,9%. Os outros nove partidos distribuíram, em média, 62,9% dos recursos para brancos.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) também se destaca, com 76,7% dos repasses distribuídos para brancos. Do total repassado do FEFC, 14,2% foram para a Delegada Martha Rocha, candidata à Prefeitura do Rio de Janeiro, e para Sarto, candidato à Prefeitura de Fortaleza, ambos com 4,5 milhões de reais.
A distribuição dos recursos ao longo do tempo
Nos próximos cinco dias, os partidos ainda irão repassar parte dos recursos a que tiveram acesso. Cabe mencionar que recursos também podem estar sendo reservados para uso na disputa do segundo turno, quando aplicável. As prioridades na escolha da distribuição nesta semana tendem a ser duas: o potencial da candidatura, ou seja, quão competitiva ela está (dado que o recurso pode ajudar a garantir o resultado) e o cumprimento da obrigatoriedade para mulheres e negros. Os partidos têm declarado estar empenhados em cumprir as cotas – algo que, é sempre bom lembrar, é um requisito legal e pode levar a penalidades no caso de descumprimento.
Para candidaturas que estão com a estrutura montada, que poderão intensificar as estratégias e que possuem lastro para endividamento, a verba pode ser bem efetiva. Aquelas que não tinham recebido o repasse, mas que tinham condições de se endividar enquanto aguardavam, certamente já têm destino certo para os recursos.
Mas para aquelas que não tinham condições de se endividar e que, diga-se de passagem, provavelmente compõem o grupo principal que as cotas e decisões de repasse deveriam auxiliar, esse recurso tende a ser pouco efetivo.
No que tange à distribuição dos recursos de acordo com a proporcionalidade ao número de candidatos negros, é fato que os partidos tiveram pouco tempo para se adaptar à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela saiu no dia 3 de outubro, após o registro de candidaturas e já em período de campanha eleitoral. No entanto, o ministro Ricardo Lewandowski afirma que não haveria uma mudança no processo eleitoral, mas sim um aperfeiçoamento sobre decisões já existentes.
Mais uma vez, destacamos que são dois problemas: um é o cumprimento da legislação, outro é o equilíbrio na distribuição entre as candidaturas para as quais a legislação garante um mínimo de recursos (as mulheres) e a proporcionalidade dos recursos (negros e negras).
Logo poderemos avaliar também a efetividade dessas regras e ações dos partidos, isto é, a correspondência entre financiamento e os resultados das eleições. Ao que tudo indica, recurso que chega na última semana da eleição não garante condições igualitárias de disputa.
Nota: as informações sobre os repasses foram retiradas da plataforma 72 Horas, que organiza as informações a partir dos dados do TSE, no dia 9 de novembro de 2020 com a atualização feita às 14h11. A plataforma faz a distinção apenas dos gêneros masculino e feminino, portanto, para fins de simplificação, neste artigo colocamos mulher como sinônimo de gênero feminino e homem como sinônimo de gênero masculino.