Os dirigentes partidários brasileiros sempre tiveram que fazer uma escolha difícil antes das eleições com relação aos seus candidatos a cargos proporcionais (vereadores e deputados): apresentar uma lista somente com nomes que pertencem ao partido ou coligar-se com outras legendas? A decisão envolvia uma série de aspectos: o potencial eleitoral do partido, a barganha pelo tempo de televisão nas eleições para o Executivo e as negociações a respeito de um eventual apoio a um futuro governo.

A partir desse ano, o dilema dos dirigentes chega ao fim, já que entra em vigor a proibição de coligação nas eleições proporcionais. Essa mudança provavelmente produzirá um forte impacto no sistema partidário brasileiro. Mas qual a razão para que uma singela alteração da legislação possa afetar significativamente a representação dos partidos?

Antes de responder, vale a pena lembrar de duas mudanças feitas recentemente no sistema eleitoral que passaram desapercebidas por muitas pessoas que acompanham a política. A primeira, que já vigorou nas eleições de 2016 e 2018, é a exigência de que um candidato obtenha pelo menos 10% do quociente eleitoral para ser eleito (o quociente eleitoral é o resultado da divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras em disputa). Por exemplo: se em uma eleição o quociente eleitoral é de 20 mil votos, um candidato precisa obter pelo menos 2 mil votos. Um partido que, por conta do quociente partidário (resultado da divisão do total de votos do partido pelo quociente eleitoral) consegue uma cadeira, perde essa posição se o candidato que a ocuparia tem uma votação menor que estes 10% do quociente eleitoral (digamos 1.800 votos).

Isso aconteceu com o PSL em São Paulo nas eleições de 2018. O partido perdeu sete cadeiras na disputa para a Câmara dos Deputados por conta da regra dos 10%. O quociente eleitoral no estado foi de 301.460 votos; para ser apto, um deputado necessitava obter 10% desse valor (30.146 votos). Sete candidatos do PSL, que teriam sido eleitos pela regra anterior, obtiveram menos votos do que esse patamar.

A segunda mudança importante no sistema eleitoral brasileiro entrou em vigor 2018, quando o quociente eleitoral deixou de funcionar como cláusula de barreira para os partidos. Até então, se um partido não atingisse o quociente ele estava fora da distribuição das cadeiras (daí a ideia de cláusula de barreira). A nova mudança, portanto, acabou beneficiando os pequenos partidos.

A severidade da cláusula de exclusão, sobretudo em cidades e estados que elegem um número reduzido de parlamentares, era o pavor de muitos políticos. Numa cidade com nove vereadores, por exemplo, a cláusula de barreira é de 11,1% dos votos. Por isso, era tão comum a prática da coligação; ao juntarem seus votos os partidos aumentavam a probabilidade de ultrapassar o quociente eleitoral. Em pequenas cidades, era muito frequente que os diversos partidos se agregassem em apenas duas ou três coligações para concorrer à Câmara Municipal.

O fim das coligações (mesmo com o fim do quociente eleitoral como cláusula de barreira) afetará os pequenos partidos que a utilizavam com o intuito de ultrapassar o quociente eleitoral; por vezes coligando-se entre si, outras vezes buscando a aliança com um partido grande que conseguia ultrapassar o quociente com certa segurança.

Nas eleições municipais de 2020 observaremos uma queda drástica do número de partidos representados nas Câmaras Municipais. Cerca de de 95% das cidades brasileiras elegem até 10 vereadores (o mínimo são nove). Nessas cidades, por conta do fim das coligações, a tendência é que apenas dois ou três partidos consigam eleger vereadores, deixando de fora da representação um número expressivo de legendas existentes no município.

Após o fim das eleições de 2020 devemos assistir a um inevitável processo de incorporação e fusão dos partidos. Serão milhares de candidatos e muitos partidos pequenos que devem dar-se conta que os estímulos oferecidos na “Era da hiper-fragmentação partidária” acabaram. Alguns partidos já concorrerão em 2020 sem os recursos do Fundo Eleitoral e sem poder fazer propaganda no horário eleitoral gratuito. Todos os partidos perderam a via mais fácil para chegar ao Legislativo (coligação). Tudo leva a crer que, paulatinamente, estejamos caminhando para uma nova fase: “A Era da fragmentação partidária moderada”.