Amazonino Mendes, o último dos caciques políticos do Amazonas
Mal anunciavam a entrada de Amazonino Mendes (PDT) no palco montado na rua Democracia, no bairro Grande Vitória, na noite do dia 17 de agosto de 2017, e dezenas de pessoas se empurravam para entregar cartinhas escritas à mão com os mais diversos pedidos ao candidato ao governo. Amazonino se esticava, apertava mãos e afagava cabeças. Recolheu as cartas e entregou a um assessor, que garantiu que ele as lê e responde. A costureira Maria Aparecida da Silva, de 68 anos, pede no texto um “serviço” para o filho de 35 que está desempregado. “Voto no Negão (apelido do político) desde que tirei o título, ele é como um pai para a gente”.
No palanque, Amazonino não desfiava promessas de projetos. Mas era rico em chavões como “amo meu povo”, “amo o Amazonas”, “sou guerreiro da Zona Franca de Manaus”. É muito aplaudido e demonstra uma vitalidade que não casa com os 77 anos. Na entrada do palco, diz que entrou de novo na disputa política, afastado desde que deixou a prefeitura em 2012, porque “não tem apego ao poder, mas ao povo. E que ninguém ama o Amazonas como Amazonino”.
Amazonino venceu seu pupilo Eduardo Braga (PMDB), ficou um ano no governo. Em 2018, entrou na disputa pelo poder novamente, mas, pela primeira vez em 35 anos, um nome não ligado ao grupo de Amazonino ganhou o governo do Estado: Wilson Lima (PSC), um jornalista sem histórico político, que comandava um programa de cunho sensacionalista.
Aquele não era o fim do ciclo de poder liderado por Amazonino. Sumido das redes sociais e em supostos tratamentos de saúde em São Paulo nos últimos dois anos, Amazonino ressurge, aos quase 81 anos, como candidato a prefeito neste 2020, em tempos de pandemia e sem poder contar com seu ponto forte: as aglomerações em comícios. Amazonino disse várias vezes que estava saindo da vida pública,desde que foi prefeito biônico de Manaus, em 1982, inaugurando sua era no poder. Mas o “Negão” nunca esteve longe do poder, seja como o criador de seus sucessores diretos ou alternados ou em brigas de idas e vindas com Eduardo Braga, Alfredo Nascimento (PL), Omar Aziz (PSD) e José Melo (PROS).
Amazonino ressurge como protagonista ou sombra durante todo esse período histórico do Amazonas, influenciando na carreira de quem de início surgiu como ruptura com o grupo, apoiando pretensos desafetos como Arthur Neto (PSDB) ou Serafim Correa (PSB). Em 2012, Arthur Neto foi eleito prefeito de Manaus com apoio do então prefeito Amazonino Mendes que não concorreu à reeleição. E antes, em 1998, Serafim Correa apareceu como vice de Eduardo Braga, o pupilo mais próximo, criatura que tentou derrotar seu criador Amazonino Mendes ao governo, sem sucesso. Para integrar o grupo, a anuência de Amazonino sempre foi notória.
Nas pesquisas eleitorais para 2020, Amazonino, diabético e cardíaco, surge despontando como primeiro lugar nas intenções de voto. Também lidera nos índices de maior rejeição. Rejeita-se a “velha política”, mas boa parte dos concorrentes são da linhagem de Amazonino, apadrinhados diretos, como Alfredo Nascimento, ou indiretos, como Ricardo Nicolau, do PSD, apoiado por Omar Aziz.
A liderança de Amazonino nas pesquisas pode ser explicada especialmente pela desesperança da população com a pandemia do coronavírus, que atingiu a cidade de forma avassaladora, com enterros autorizados pela prefeitura de caixões em pé devido ao grande número de mortos. Além disso, o segundo mandato do prefeito Artur Virgílio (PSDB) foi marcado por crises no setor de transporte coletivo e irritação de muitos aliados com a influência de sua esposa Elizabeth Valeiko.
As denúncias de corrupção durante a pandemia contra o governador Wilson Lima (acusado de superfaturar respiradores hospitalares) podem ser, ainda, mais um fator que explique a liderança de Amazonino nas pesquisas. Afinal, Lima foi adversário de Amazonino nas eleições estaduais e a população preferiu o “novo” ao “Negão”.
Atualmente, pode-se apontar como novo e com chances apenas o candidato David Almeida (Avante), que foi governador por oito meses, como “tampão”, por ser o presidente da Assembleia Legislativa quando José Melo (também afilhado de Amazonino) foi afastado do governo do Estado.
Os outros três “novos” se dizem “candidatos de Bolsonaro”. Manaus tem se mostrado uma capital de voto conservador, fiel ao presidente Jair Bolsonaro, marcando bom ou ótimo nos índices de apoio à sua administração. São quatro candidatos que disputarão o apoio do presidente da República: Coronel Menezes (PATRIOTAS); o vereador Chico Preto, do DC; o empresário Romero Reis, do Novo; e o deputado federal Capitão Alberto Neto (Republicanos), hoje vice-líder de Bolsonaro na Câmara. A eleição será um teste da popularidade de Bolsonaro em Manaus.
E, para ajudar os aliados de Bolsonaro, a esquerda, como na maioria das capitais do país, surge esfacelada, com três candidaturas, do PT, PCdoB e PSTU. Dessas, somente uma não é traço nas pesquisas, a do deputado federal mais votado no Amazonas, José Ricardo (coligação PT, PSOL e REDE). Apesar de bem votado, o deputado precisa investir em estratégias para burlar o forte ranço do anti-petismo na capital. José Ricardo tem apostado nas redes sociais. Porém, a sua preferência é fazer corpo a corpo no estilo local e fazer pequenos comícios em bairros em cima de uma Kombi. Dizem petistas próximos que “ele tem saúde para isso”.
Manaus já mostrou guinadas espetaculares nos últimos dias de campanha, sendo o caso mais clássico o de Serafim Corrêa à prefeitura, em 2004, uma “zebra”. Mas que perdeu a reeleição em 2008 para Amazonino.
Ao ler o resultado de pesquisa, dia 5 de junho, do instituto Friederich Ebert Stiftung, das pesquisadoras Camila Rocha e Esther Solano, indicando que eleitores de Bolsonaro teriam se arrependido do voto por ele ser “violento e agressivo, que tem um jeito caótico de governar, cria muita instabilidade e além da avaliação muito negativa dos filhos” imaginei que uma pesquisa como essa em Manaus daria exatamente o contrário. Mas também me questionei: será que esse amor a Bolsonaro vai se transferir em votos para eventual apoiado à prefeitura?
É cedo para se afirmar se é o fim da era Amazonino, seja pela derrota dele ou de seus pupilos seja pela vitória de um representante independente ou de um dos tantos apoiadores de Bolsonaro.
* Liege Albuquerque é mestre em Ciência Política pela USP, jornalista e professora da Fametro (Manaus).