O segundo turno da disputa pela Prefeitura de Fortaleza tem assistido a uma forte mobilização do campo religioso conservador, sobretudo entre os evangélicos, de apoio à candidatura de Capitão Wagner (PROS).
Ele apresenta-se como “independente” e sem “chefe político” quando questionado acerca do apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que acumula reprovação de 46% dos fortalezenses conforme pesquisa Ibope divulgada nesta segunda (23). Porém, os apoiadores de sua candidatura, parlamentares e lideranças “bolsonaristas” de primeira hora resolveram radicalizar na semântica religiosa e aproximá-lo ainda mais do espectro bolsonarista.
No primeiro turno, quando a primeira pesquisa de intenção de votos foi publicada, em 15 de outubro, já se sabia que o segmento dos evangélicos lhe traria considerável montante de votos. Wagner aparecia com 39% das intenções de votos dos evangélicos, contra 16% de Luizianne Lins (PT) e também 16% de José Sarto (PDT). Três dias depois era a vez do Datafolha apontar a vantagem do candidato neste agrupamento religioso: 42% dos evangélicos diziam ter no Capitão a sua escolha eleitoral.
Uma segunda pesquisa IBOPE, publicada em 04 de novembro, trazia novos dados coletados por segmentos, o que incluía os evangélicos, e nela a intenção de votos em Wagner era de 37%, ao passo que a de Sarto, também evangélico, era de 22%.
Num dos momentos iniciais da campanha, Wagner aparecia nas redes sociais com uma apoiadora dizendo que, caso fosse eleito, “devolveria Fortaleza aos cristãos”.
Desde o primeiro turno, o candidato contou com o apoio explícito dos deputados estaduais Dra Silvana (PL/Assembléia de Deus), David Durand (REPUBLICANOS/Universal), Apóstolo Luiz Henrique (PP/Igreja do Senhor Jesus) e André Fernandes (Republicanos/Assembleia de Deus); dos deputados federais Ronaldo Martins (REPUBLICANOS/Universal) e Dr Jaziel (PL/Assembléia de Deus); e da vereadora Priscila Costa (PSC/Assembleia de Deus). Martins, que disputou uma vaga para a Câmara Municipal, foi eleito o vereador mais votado da cidade, com quase 33 mil votos, e Costa foi reeleita com mais de oito mil votos, a quinta mais votada.
Com tais lideranças no seu entorno, várias sinalizações do candidato ao segmento foram realizadas, destacando-se a realização de duas lives na última semana do primeiro turno. A primeira, na quinta-feira (12), reuniu pastores para tratar da pauta “igreja como serviço essencial”. A segunda, no sábado (14) antes da eleição, reuniu os deputados anteriormente citados para proferir uma série de ataques indiretos à candidatura do PDT, sobretudo por supostos apoios ao aborto, “ideologia de gênero” e “autoritarismo contra pastores e padres”.
Uma série de mensagens de áudio, cujos autores dizem-se “pastores”, circulam nas redes sociais dando conta de perseguições às igrejas caso o candidato do PDT ganhe a eleição. A acusação sempre é ao PDT, nunca ao candidato diretamente, permitindo explorar melhor a ideia de uma “esquerda anti-cristã”. PDT, um partido que fecha igrejas, que prende padres e pastores, que é favorável ao aborto, que implanta a ideologia de gênero, que é contra a família: esse é o teor das mensagens.
A primeira pesquisa de intenção de voto neste segundo turno, realizada pelo Datafolha e publicada no último dia 21 de novembro confirmou a vantagem do candidato do PROS: tem 53% de intenções de votos entre evangélicos, contra 35% de Sarto.
Esses números podem ser resultado do trabalho efetivo feito dentro das igrejas para, por meio do pânico moral, garantir votos para o candidato. Na última semana, lideranças importantes gravaram vídeos de apoio a Wagner: Damares Alves, Silas Malafaia, Aline Barros, dentre outros. A aposta, ao que parece, é na fidelização desse eleitorado por meio da radicalização retórica: o “senhor está conosco”, o “mal” está com eles. Para tanto, mesmo nomes do catolicismo carismático, como Eros Biondini e Eliana Ribeiro (ambos ligados à Comunidade Canção Nova), gravaram depoimento de apoio a Wagner.
A pergunta que fica é: com uma estabilidade tão considerável dentro deste segmento, um aceno mais radical a ele garantirá os votos que o candidato precisa para vencer a disputa? Uma vez que, ao que parece, parte dessa vitória deverá ser creditada a um dos candidatos pelos eleitores que votaram em Luizianne no primeiro turno (em torno de 18%), canalizar a gramática da campanha para um nicho do eleitorado que já caminha com ele é eficaz na contagem final dos votos?
A julgar pelos números da pesquisa IBOPE divulgada em 23 de novembro, parece que a aposta do QG do candidato de radicalizar o apoio evangélico tem sua razão. A intenção de votos dele entre evangélicos seria de 45% contra 40% do seu opositor, mostrando uma certa divisão do eleitorado, mesmo com a intensa mobilização das maiores lideranças. Por exemplo, nesta quarta o pastor Munguba Jr realizou uma live, às 5h da manhã, com o candidato.
Com essa intensa mobilização da retórica em torno da defesa do que se diz serem “os valores cristãos”, Wagner sairá mais identificado com a gramática bolsonarista ao fim da eleição de 2020. Como dito no começo, até a promessa de “devolver Fortaleza aos cristãos”, declaração tão ao gosto da falsa ideia de “cristofobia” difundida em ambientes bolsonaristas, opera nesse sentido, unindo-se à retórica de outras candidaturas que, neste segundo turno, utilizaram-se de tal modus operandi.
*Emanuel Freitas é graduado em Ciências Sociais (2020) pela UECE, mestre em Ciências Sociais (2013) pela UFRN e doutor em Sociologia (2018) pela UFC. Professor de Teoria Política do curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Políticas Públicas (UECE). Pesquisador do LEPEM-UFC.