A pandemia tem trazido uma preocupação especial para os políticos brasileiros nas eleições municipais deste ano: o provável aumento da taxa de abstenção eleitoral. No Brasil, o percentual de eleitores que não comparecem para votar tem oscilado pouco nos últimos anos (em média, oito em cada dez eleitores comparecem para votar), mas esse número provavelmente deve aumentar em 2020, sobretudo nas grandes cidades.
Um tema que tem sido pouco discutido é o crescimento de votos nulos e em branco (votos inválidos) nas eleições municipais. São os eleitores que, obrigados a comparecer, preferem anular o voto digitando uma sequência de números que não esteja associada a qualquer candidato ou partido, ou simplesmente apertar uma tecla (branco); a tecla é um resquício do período em que os votos deixados em branco eram contados na eleições para o legislativo. Atualmente, os votos inválidos não são considerados para nada e servem apenas para fins estatísticos, mostrando que uma parte dos eleitores preferiu não votar em nenhum dos candidatos.
Para além do registro de uma eventual insatisfação com a política, a taxa de votos nulos e em branco interessa especialmente aos candidatos a vereador. O primeiro passo para distribuir as cadeiras numa eleição para Câmara Municipal é calcular o quociente eleitoral (resultado do total de votos válidos dividido pelo número de cadeiras em disputa na Câmara); número que garante que um partido elegerá um vereador. Desse modo, quanto mais eleitores anulam ou deixam o voto em branco, menor é o quociente.
Nas últimas eleições municipais (2016) a insatisfação dos eleitores se manifestou em duas frentes. A primeira foi a eleição de candidatos outsiders – ou que não pareciam pertencer à tradicional elite partidária – em algumas capitais (Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte). A segunda foi o crescimento dos votos inválidos para vereador e prefeito, particularmente nas cidades com maior população.
Os gráficos 1 e 2 mostram, respectivamente, o percentual médio de votos nulos e em branco para prefeito e vereador nas cidades brasileiras nas últimas cinco eleições municipais. As cidades foram agrupadas em cinco tipos, segundo a faixa de população.
A semelhança entre os dois gráficos é tal que, se olharmos rapidamente, parece que eles são idênticos. Nas cidades com menor população (até 20 mil e entre 20 mil e 50 mil habitantes) os votos inválidos oscilam em um mesmo patamar e não aumentaram significativamente em 2016. Já nas outras três faixas observamos um crescimento contínuo, com um aumento mais expressivo nas megacidades (com mais de 500 mil habitantes).
Em 2002, a diferença entre o percentual dos votos inválidos para prefeito e vereadores nas pequenas cidades e megacidades era reduzida. Em 2016 a diferença cresceu para cerca de dez pontos percentuais. Portanto, o aumento dos votos nulos e em branco foi um fenômeno marcante das grandes cidades brasileiras em 2016. Selecionei algumas dessas cidades (as com mais 800 mil habitantes, segundo dados de 2010) para observarmos com mais cuidado o que aconteceu.
O gráfico 3 mostra a evolução dos votos inválidos nas 19 cidades com mais de 800 mil habitantes. Chama a atenção para uma tendência geral de crescimento constante dos votos nulos e brancos em quase todas as cidades (as exceções são: Teresina, São Luís e Goiânia). Nas quatro maiores cidades do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre) cerca de 1/5 dos eleitores que compareceram preferiram não votar em um dos candidatos ou partidos que disputaram.
A explicação mais óbvia para esse crescimento é que ele indicaria uma maior insatisfação de uma parte dos eleitores com a política. Mas há uma outra dimensão que precisa ser levada em conta. A rua deixou de ser um espaço de campanhas nas grandes cidades (por conta das restrições da legislação eleitoral, placas não podem mais ser colocadas nas casas e em espaços públicos, juntando-se ao tradicional outdoor que já havia sido proibido). Em 2016, o tempo de campanha no rádio e televisão foi reduzido, e com isso os candidatos passaram a ter poucas formas de se comunicarem com os eleitores.
Lembro que no dia do primeiro turno de 2016 recebi muitas mensagens pedindo sugestão de um nome para votar para vereador. Me dei conta de que a campanha de vereador (tão forte nas pequenas cidades) havia sumido da vista das pessoas nos grandes centros. Eleitores simplesmente chegam a seção eleitoral sem terem ideia de em quem votar.
No dia 15 de novembro deste ano, além das tradicionais avaliações de quais partidos foram vencedores e quais foram perdedores, faço uma singela sugestão ao leitor: dê uma olhada na taxa de votos nulos e em branco. É um bom indicador para captar o humor dos eleitores brasileiros.