Fábio Kerche e Marjorie Marona*
A pouco mais de um dia do final das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda se vê às voltas com o aperfeiçoamento do processo de contabilização e divulgação dos votos, que gerou uma onda de críticas no final do primeiro turno – pelo atraso excessivo se comparado com o seu desempenho em pleitos anteriores.
Nesta eleição, o TSE inovou também na concentração da divulgação dos resultados, antes realizada de forma descentralizada por cada um dos Tribunais Regionais Eleitorais nos estados. Essa decisão, no entanto, não se mostrou totalmente acertada. Em defesa do novo modelo, o ministro Barroso, presidente do TSE, argumentou que a dificuldade ocorrera em razão de problemas com um novo “supercomputador”, assegurando, no entanto, que não houvera qualquer prejuízo em relação à segurança do processo. Barroso ressaltou que mesmo um ataque hacker havia sido impedido, o que confirmaria a confiabilidade das urnas eletrônicas.
Não foi suficiente para travar os apoiadores de Bolsonaro, que se apressaram a levantar dúvidas sobre a lisura do pleito, revigorando o discurso do próprio presidente, que já afirmou que na eleição em 2018, da qual saiu vencedor, ocorreram fraudes. Alinhados à estratégia de Trump em face das últimas eleições nos Estados Unidos, Bolsonaro e seu secto colocam em suspeição a segurança das urnas e deixam sempre uma porta aberta para reclamar de eventual derrota – ou, simplesmente, para ampliar os ataques às instituições democráticas deste país.
O estratagema é primário, mas perigoso: uma das regras de ouro da democracia é que o derrotado aceite o resultado das eleições, demonstrando assim o respeito às balizas do jogo democrático. O questionamento leviano do resultado de uma eleição coloca em risco, portanto, não apenas o pleito, mas a própria democracia. Pode se supor que se Aécio Neves (PSDB) tivesse observado essa regra em 2014, quando perdeu as eleições presidenciais para Dilma Rousseff (PT), talvez não estivéssemos em uma situação política tão delicada quanto a atual, em que da moda Bolsonaro fez tendência.
O sistema eleitoral brasileiro é seguro e confiável. É preciso reafirmar. Não há qualquer indício de fraude no resultado das eleições ou de vulnerabilidade das urnas eletrônicas que desse lugar a ela. Somente os adeptos de teorias conspiratórias ou aqueles que veem algum ganho político estratégico em colocar em dúvida o nosso sistema seguem criticando o processo eleitoral, sob o prisma da segurança das urnas ou fidelidade do resultado. Mas a assertividade em relação a este ponto não nos desobriga de lançar luzes sobre uma série de outros aspectos da governança eleitoral que merece críticas.
E disso as eleições deste ano dão, de fato, testemunho. Findo o primeiro turno, nos deparamos com todos os problemas que o ativismo judicial eleitoral – a que já tivemos oportunidade de nos referir – poderia apresentar. A insegurança gerada pela atuação daqueles que deveriam zelar pela estabilidade e lisura do processo eleitoral resultou em um efetivo de mais de 700 candidatos que ganharam nas urnas, mas não sabem se poderão tomar posse, em razão de pendências judiciais. A contrapartida é que seus eleitores também não têm segurança sobre os efeitos do seu voto. Além dos 305 prefeitos e 98 vice-prefeitos, 363 vereadores estão com as suas candidaturas (vitoriosas) sob judice.
Um dos casos que mais chama a atenção, por ser em uma capital e por envolver um nome de projeção nacional, é o de Lindbergh Farias do PT do Rio de Janeiro. Mesmo sendo o mais votado entre os candidatos de seu partido para a Câmara Municipal da capital fluminense, o ex-senador ainda aguarda recurso no TSE para saber se tomará posse em janeiro. Os danos, contudo, podem ser contabilizados por Lindbergh desde a primeira decisão, tomada por um juiz eleitoral. Disto dão conta o total de votos recebidos por ele que, apesar de suficientes para assegurar uma vaga no legislativo, foram em número muito inferior ao esperado, considerando sua trajetória. Pelo menos em parte é possível supor que a insegurança gerada pela decisão judicial acerca da viabilidade de sua candidatura reorientou muitos de seus potenciais eleitores.
Um outro bom exemplo das intempéries que a justiça eleitoral pode impor, discricionariamente, ao desenvolvimento equilibrado da disputa deu-se em Porto Alegre. O então candidato à prefeitura, José Fortunati (PTB), que vinha embolado em segundo lugar nas pesquisas, desistiu da disputa às vésperas do primeiro turno, em razão de uma decisão judicial de cassação de seu vice-prefeito. A sua retirada do pleito (induzida pela justiça) reorganizou o jogo eleitoral na capital gaúcha a favor de Sebastião Mello (MDB), e pode ter sido decisiva para que um segundo turno ocorresse entre ele e Manuela D’Ávila (PCdoB), que vinha aparecendo com vantagem nas pesquisas até aquele momento.
A boa notícia é que, no agregado, houve uma ligeira melhora no número de pendências judiciais de candidatos eleitos, quando comparado com as eleições municipais de 2016 – 12,2% a menos. É pouco, mas é um avanço. Por enquanto, seguimos com 13 candidatos que estão na disputa no segundo turno e que enfrentarão concorrentes com pendências na justiça eleitoral. O certo é que se a justiça eleitoral brasileira merece ser criticada não é pela alegada falta de segurança das urnas ou qualquer condução fraudulenta dos resultados. Até na crítica devemos ser justos.