Novo mapa político consolida força dos Ferreira Gomes no Ceará

Novo mapa político consolida força dos Ferreira Gomes no Ceará

Monalisa Torres e Luciana Santana*

Com a finalização do segundo turno em Fortaleza e a vitória do pedetista Sarto é possível identificar com maior clareza o peso dos partidos políticos no Ceará, bem como a força das lideranças no âmbito local. O PDT destaca-se como o principal partido no estado.

Em número de prefeituras, o partido que abriga duas das grandes lideranças do estado, os irmãos Cid e Ciro Gomes, foi o que obteve o melhor desempenho, conforme se pode verificar no gráfico abaixo. Dos 184 municípios cearenses, o partido conquistou 67 prefeituras. Dos cinco maiores colégios eleitorais do estado, a legenda teve sucesso eleitoral na capital, com Sarto Nogueira, e em Sobral, com a reeleição de Ivo Gomes.

Figura 1: Desempenho partidário nas eleições municipais

* Foram considerados no gráfico apenas partidos com lideranças estaduais que ocupam ou ocuparam cargos eletivos no Executivo ou Senado.

O desempenho de PSD, PT e PL

O PSD, legenda que abriga o ex-vice-governador Domingos Filho, é a segunda maior força política no estado e garantiu 27 prefeituras. Embora tenha perdido sua cidade mais importante, Caucaia, do ponto de vista de eleitorado, o PSD teve bom desempenho conquistando importantes colégios eleitorais em cidades de médio porte como Tauá, Quixadá e Iguatu.

O partido do governador Camilo Santana, PT, ampliou o número de prefeituras. Em 2016 elegeu 14 prefeitos. Em 2020 este número subiu para 18, com destaque para a região do Cariri, reduto político de Camilo Lá, o partido venceu a disputa pela prefeitura de Crato, importante colégio eleitoral da região. Itapipoca também foi conquistada pela legenda.

O  PL é outro partido que se destacou. Com 13 prefeituras, a agremiação acomoda Acilon Gonçalves, político que tem buscado consolidar seu grupo na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Em 2020, Acilon foi reeleito prefeito de Eusébio e seu filho, Bruno Gonçalves, de Aquiraz.

Outras quatro prefeituras serão ocupadas por aliados muito próximos a Acilon: Beberibe, Cascavel, Pindoretama e Itaitinga. Político da base aliada do governo estadual, Acilon sai fortalecido em 2020 e poderá ter lugar na mesa de negociações sobre a sucessão de Camilo Santana em 2022.

Enfraquecimento de MDB e PSDB no Ceará

O MDB, do ex-senador Eunício Oliveira, teve seu pior desempenho. O partido, que já foi a segunda maior força política no Ceará – entre as eleições de 2008 e 2016 – vem perdendo espaço nas prefeituras, conforme pode ser observado na figura 2.

Se em 2016 alcançou a marca de 28 prefeituras, segundo melhor desempenho naquele pleito, em 2020 reduziu para 17. A maior derrota ocorreu na cidade natal e berço político do senador Eunício, Lavras da Mangabeira. Lá, seu sobrinho, Ildsser Alencar (MDB), perdeu a reeleição para Ronaldo da Madeireira (PSD), apoiado por Cid e Ciro Gomes.

Apesar da aproximação do atual governador, após perder a eleição para o Senado em 2018, Eunício, que hoje comanda o MDB no estado, parece ainda não ter encontrado o melhor caminho para fortalecer a legenda.

Pelo histórico de aliados em eleições passadas e considerando os atritos frequentes com Ciro Gomes, não seria surpresa, em 2022, uma composição do MDB de Eunício Oliveira com o novo bloco de oposição que se forma. Não custa lembrar que o ex-senador já concorreu ao governo do estado em 2014, quando teve como principal aliado o PR, então legenda de Wagner e Roberto Pessoa.

Chama atenção o fraco desempenho do PSDB, sigla que abriga o ex-governador e senador Tasso Jereissati. Os tucanos conquistaram apenas quatro prefeituras em 2020. O PSDB já figurou como a mais importante legenda do estado ao longo da Era Tasso, entre as décadas de 1990 a 2000, e arrastava o maior número de prefeituras no interior, chegando a conquistar 83 prefeituras nas eleições municipais de 2000, recorde de desempenho partidário no período da Nova República.

A cidade mais importante a ser administrada pelos tucanos a partir de 2021 será Maracanaú. Município da Região Metropolitana de Fortaleza, com o segundo maior PIB do estado, tem se consolidado como território da oposição. Muito embora Tasso Jereissati tenha selado acordo de apoio à candidatura de Sarto e reaproximado-se dos irmãos Ferreira Gomes, Maracanaú será administrada (novamente) por Roberto Pessoa (PSDB), atualmente uma das vozes mais fortes de oposição ao grupo governista a nível estadual e aliado de primeira hora de Wagner e Girão.

Já os partidos da oposição, PROS e PODEMOS, legendas de Capitão Wagner e Eduardo Girão, levaram três e uma prefeituras, respectivamente. São elas Caucaia (PROS) e São Gonçalo do Amarante (PROS), na região metropolitana, além de Salitre (PROS) e Juazeiro do Norte (PODEMOS), no Cariri.

Sarto vence em Fortaleza com resultado apertado

Com 51,69% dos votos válidos, Sarto foi sagrado o novo prefeito de Fortaleza. Seu adversário, capitão Wagner (PROS), obteve 48,31% dos votos. Importantes fiadores da candidatura pedetista, o prefeito Roberto Cláudio (PDT) e o governador Camilo Santana (PT) saem fortalecidos do pleito.

A previsão era de uma eleição tranquila e favorável ao candidato pedetista, apontada por sondagens eleitorais divulgadas na véspera do pleito (Ibope e Datafolha dos dias 27 e 28 de novembro, respectivamente). No entanto, Fortaleza experimentou a disputa mais acirrada de sua história. A diferença percentual de votos válidos entre os candidatos foi de apenas 3,38%.

Interessante destacar o nível de polarização e nacionalização que marcaram as campanhas no segundo turno. As estratégias e discursos visando ampliação do desgaste do adversário foram expedientes explorados por ambas as candidaturas.

Sarto colocou-se como liderança capaz de unificar diferentes legendas numa “frente suprapartidária de oposição ao bolsonarismo”, que estaria representada na candidatura de Wagner. Este, por seu turno, explorava a associação de Sarto a Ciro Gomes, acusando-o de candidato sem independência política.

Apesar da grande frente que se montou contra Wagner em Fortaleza, sobretudo a partir de um discurso antibolsonarista, a pecha de apadrinhado do presidente Bolsonaro foi relativamente neutralizada pela sua campanha.

Ela conseguiu despersonalizar o apoio do presidente e explorar a importância do prefeito manter boas relações institucionais com o Governo Federal. Em algumas peças publicitárias que circularam na reta final da campanha, por exemplo, críticas pontuais foram tecidas à gestão de Bolsonaro.

E não custa lembrar que capitão Wagner é uma liderança política já consolidada no estado com votações recordes em 2012, 2014 e 2018, quando disputou cargos no legislativo. Sua entrada na política é anterior à emergência de Bolsonaro e sua aproximação com o presidente data de 2018, quando disputou uma vaga à Câmara Federal e montou palanque no Ceará para o então candidato à Presidência da República pelo PSL.

Ainda que tenha sido derrotado em Fortaleza, Wagner e seu grupo saem fortalecidos do pleito. Seu aliado e coordenador de campanha, o senador Eduardo Girão (PODEMOS), que endossou a retórica anti-ferreiragomista, engrossa a oposição no estado e consolida-se como nome forte para a disputa a sucessão de Camilo em 2022.

A diferença de apenas 43.760 votos entre Sarto e Wagner é sintomática do desgaste de um grupo político que há oito anos governa a capital do estado e que, lançando uma candidatura relativamente desconhecida às vésperas da eleição, confiou que a força da máquina e o tamanho da base aliada seriam suficientes para garantir a vitória.

Eleições em Caucaia

Caucaia, segundo maior colégio eleitoral do Ceará, também escolheu seu prefeito na noite de 29 de novembro. O atual gestor, Naumi Amorim (PSD), disputou a reeleição contra Vitor Valim (PROS). Contrariando os institutos de pesquisa, que davam vitória com ampla vantagem a Naumi, Valim foi eleito prefeito de Caucaia com 51,08% dos votos válidos, contra 48,92% do candidato à reeleição.

A disputa, que em muito assemelhou-se aos embates travados no município vizinho, Fortaleza, colocou em polos opostos lideranças da base do governo que apoiaram Amorim e o grupo político liderado por Wagner e Girão.

No saldo geral e considerando as eleições em Fortaleza e Caucaia, a base governista (leia-se o grupo político dos Ferreira Gomes) manteve a hegemonia política, sobretudo pela quantidade de municípios conquistados por partidos e lideranças aliadas. Ganharam em aproximadamente 150 das 184 prefeituras cearenses. Mas vitórias importantes da oposição colocaram novas peças no tabuleiro que se monta para 2022.

Dos cinco maiores colégios eleitorais do estado, o grupo liderado por Wagner e Girão levou três: Caucaia (Vitor Valim, PROS), Maracanaú (Roberto Pessoa, PSDB) e Juazeiro do Norte (Glêdson Bezerra, PODEMOS). Além de São Gonçalo do Amarante (Professor Marcelão, PROS), onde fica o terminal portuário do Pecém. Estas vitórias indicam não apenas o fortalecimento da oposição, dado o peso econômico, eleitoral e simbólico desses municípios, mas revelam também a real possibilidade de alternativa ao grupo dos Ferreira Gomes.

A força política da família Ferreira Gomes

Apesar da hegemonia do grupo político estadual, a relativa fragmentação partidária observada no novo mapa político do Ceará reflete o modelo de composição de alianças ferreiragomistas: a extensa base de apoio com agremiações dos mais distintos matizes ideológicos. Muito diferente do modelo centralizado de decisões no PSDB, marca da Era Tasso.

O modelo ferreiragomista de incorporação de aliados e compartilhamento de poder garantiu não apenas governabilidade como também capilaridade em todo território cearense. Mas impôs a difícil tarefa de acomodar aliados e coordenar interesses divergentes. Cid Gomes tem cumprido esse papel com desenvoltura.

Em 2022, outro desafio deverá se impor ao grupo dos Ferreira Gomes. O fortalecimento de aliados e a sucessão de Camilo Santana, que deixará o Palácio da Abolição muito mais forte politicamente e deverá, mais uma vez, testar a habilidade de articulador do ex-governador Cid Gomes.

*Monalisa Torres é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. É professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Políticas, Eleições e Mídia (Lepem/UFC)
Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.

Fake news em 2020 repetem 2018: misóginas e reforçando a polarização

Fake news em 2020 repetem 2018: misóginas e reforçando a polarização

Concluída a maior parte do processo eleitoral de 2020, já que ainda estão pendentes as eleições no Amapá, as análises parecem convergir em apontar uma recuperação da qualidade do debate público no Brasil, em comparação com o que foi verificado em 2018. Entretanto, em relação à desinformação, a dificuldade de obter dados no opaco e diverso ambiente das plataformas digitais impede a comparação numérica de conteúdos desinformativos nos dois pleitos. O que sabemos até aqui é que campanhas de desinformação foram menos visíveis, mas recorrentes, e tiveram maior impacto especialmente no segundo turno.

O fato de serem eleições municipais, com o debate mais próximo das ações cotidianas das prefeituras, em tempos de pandemia e menos polarizadas, especialmente no primeiro turno, pesaram nesse sentido. Além disso, a diferença entre os dois turnos da eleição pode ser considerada a partir de outros fatores.

Primeiro, a desarticulação do campo bolsonarista, o que possibilitou denúncias sobre a operação do Gabinete do Ódio no período anterior ao pleito, mas ao mesmo tempo dificultou o repasse de conhecimentos sobre a manipulação das redes. Segundo, como discutido neste Observatório a partir da análise do WhatsApp, a lógica das redes torna o potencial das campanhas de desinformação menor em contexto de fragmentação política e discursiva, pois limita a articulação de agentes que atuam em localidades e mesmo em plataformas distintas.

No segundo turno, com maior polarização entre as candidaturas, não só o debate tendeu a se tornar mais ideológico, mas também as campanhas de desinformação expressaram maior impacto e padronização de táticas e conteúdos. Panfletos apócrifos e materiais nas redes sobre ideologia de gênero, aborto e outras questões foram utilizados literalmente de Norte a Sul do país, como exemplificam Belém e Porto Alegre, numa clara tentativa de mobilização do voto conservador. Uma movimentação que contou com personagens repetidos, como o pastor Silas Malafaia, youtubers, sites que se apresentam como jornalísticos, etc. A retroalimentação de conteúdos tornou-se, portanto, mais viável naquele momento.

Um profeta com o olhar voltado para trás

Não é possível afirmar que essa mesma articulação será utilizada em 2022, afinal os atores do jogo e seus agrupamentos não estão definidos. Todavia, seria imprudente descartar essa hipótese e, com isso, reduzir o problema. Até porque se, como disse Eduardo Galeano, a história é um profeta com o olhar voltado para trás, cumpre ter em vista que elementos fundamentais para as campanhas de desinformação não foram superados. Também não parecem ter passado no teste as respostas institucionais de boa parte dos agentes públicos e privados.

A primeira questão é a da conjuntura política propriamente. Após 2018, não foram poucos os que apontaram as “fake news” como a bala de prata para a eleição de Bolsonaro. Passados dois anos do pleito, mantido um alto patamar de aprovação do presidente pela população e tendo em vista a vitória eleitoral de vários partidos de centro e direita, parece mesmo ter havido um deslocamento da média do pensamento do Brasil à direita. As operações de desinformação dialogam com isso, como comprovam o “sucesso”, em termos de viralização, daquelas que manejam temáticas conservadoras como a tal “ideologia de gênero”.

Não à toa são as mulheres as mais atacadas. O caso mais explícito é o de Manuela D’Ávila (PCdoB), que liderava as pesquisas de intenção de votos no início do pleito. Monitoramento de violência política de gênero nas redes realizado pela Revista AzMina e pelo InternetLab coletou, entre os dias 15 e 18 de novembro, 347,4 mil tuítes que citam 58 candidatas e candidatos que disputam o segundo turno em municípios de 13 estados. Do total, mais de 8 mil tinham algum termo ofensivo e 2.390 com termos ofensivos tinham uma ou mais curtidas ou retweets. Destes, 17,3% (415) eram ofensas diretas às candidatas. Manuela D’Ávila é alvo em 90% dos ataques realizados no período analisado.

Muitas das mentiras reproduzidas sobre a candidata haviam viralizado em 2018, quando foi vice na chapa com Fernando Haddad (PT) para a Presidência da República. É possível vincular essa repetição ao fato das campanhas contra ela usarem discursos machistas e misóginos amplamente aceitos na sociedade.

Ataques semelhantes foram verificados contra outras candidatas, como Marília Arraes (PT), no Recife, Benedita da Silva (PT), no Rio, e Olivia Santana (PCdoB), em Salvador. Mulheres de direita como Joice Hasselmann (PSL), em São Paulo, e Delegada Danielle (Cidadania), em Aracaju, também foram alvos de posts com viés machista, conforme levantamento da AzMina e do InternetLab. Na Bahia, apontaram, foram as mulheres negras as que mais sofreram violência online.

Reforçam a situação encontrada na Bahia os dados do Instituto Marielle Franco, que revelam que 78% das mulheres negras candidatas sofreram violência virtual. Mensagens machistas, misóginas e racistas em redes sociais, e-mail ou aplicativos de mensagens e invasão em reunião virtual são algumas das violências relatadas. Tais questões não serão modificadas facilmente, muito menos por decreto, mas o cenário suscita reflexões sobre medidas que têm sido tomadas contra a desinformação.

Os problemas que persistem

No caso da Justiça Eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dedicou-se a enfrentar apenas as “fake news” sobre o próprio sistema eleitoral. De acordo com balanço apresentado pelo TSE, foram desmentidos 69 conteúdos sobre o tema. A maioria dos boatos identificados pela coalizão formada pelo TSE e por agências de checagem questionou a segurança das urnas eletrônicas e a fidedignidade dos resultados das eleições. Muitos deles também já eram conhecidos do público e vinham sendo desmentidos desde, pelo menos, as eleições de 2018.

O estudo “Desinformação on-line e eleições no Brasil: A circulação de links sobre desconfiança no sistema eleitoral brasileiro no Facebook e no YouTube (2014-2020)” mapeou esse tipo de conteúdo ao longo de sete anos, identificando 337.204 publicações que colocavam sob suspeição a lisura das eleições brasileiras. Muitos dos conteúdos são antigos e permanecem na rede até hoje. Os pesquisadores do DAPP-FGV concluíram que a divulgação é persistente ao longo dos anos, com picos em anos eleitorais. Na comparação entre 2018 e 2020, “como esperado, a frequência de mensagens sobre desconfiança no sistema eleitoral foi exponencialmente superior em 2018, mas 2020 já desponta como o segundo ano com mais conteúdos”.

Muitos desses posts adquiriram mais visibilidade com a divulgação a partir de pessoas e grupos que, por já possuírem projeção, amplificam a viralização, caso da família do presidente. Aliás, essa operação coordenada também foi verificada explicitamente em outros momentos das eleições deste ano, como no Recife, no Rio e em São Paulo, inclusive ainda no primeiro turno, quando mentiras foram levadas para os debates televisivos e também projetadas por meio de veículos supostamente jornalísticos nas redes.

A nítida articulação de grupos aponta a necessidade de investigar as articulações que dão suporte à produção em escala industrial da desinformação. Não tem sido esse o caminho do Brasil. A própria CPMI das Fake News não conseguiu ainda chegar a resultados conclusivos. No âmbito do Judiciário, estão pendentes de julgamento processos sobre disparo em massa na campanha de Bolsonaro em 2018, o que poderia, caso tivesse ocorrido o julgamento, ter levado à desarticulação de empresas que, como noticiou a imprensa, seguiram ofertando esse tipo de serviço. A lei que incluiu no Código Eleitoral previsão de prisão para quem espalhar fake news, aprovada em 2019, não impediu a desinformação e sequer ganhou projeção no debate público ou mesmo jurídico.

Ainda em relação ao Judiciário, merece nota a criação, pelo TSE, de canal de denúncias de disparo em massa. Em parceria com o WhatsApp, no dia 19 de outubro o TSE anunciou que mais de mil contas foram banidas. Ainda não foram divulgados dados sobre essa operação durante o segundo turno das eleições. Em relação às demais plataformas, praticamente não houve ação conjunta com o órgão, além da menção à cooperação. A definição de ações de combate ao fenômeno das fake news coube a elas, que têm apostado sobretudo na moderação de conteúdos, como apontado aqui.

O fato de conhecidas “fake news” voltarem a circular dá indícios, por sua vez, da dificuldade de alcançar e convencer os receptores. Isso acende a luz vermelha quanto à efetividade dos esforços das plataformas digitais e desse caminho, em geral. Por outro lado, merece destaque a transparência do Facebook em relação à Biblioteca de Anúncios, o que possibilitou a verificação dos conteúdos impulsionados pelas candidaturas. Com isso, também ficou claro o imenso montante de recursos – mais de R$ 100 milhões – destinados a impulsionamentos pelas campanhas, o que deve também gerar não apenas discussão, mas regulamentação, seguindo o que foi feito com a radiodifusão.

A mesma transparência, contudo, não se deu com as contas removidas, anúncios não veiculados por desinformação e afins. Plataformas como Facebook, YouTube e Twitter não apresentaram relatório das ações, o que dificulta a análise e a mensuração das fake news e das respostas das plataformas.

Em resumo, 2020 indica que as campanhas de desinformação não são operadas e, portanto, não parecem ter o mesmo impacto em campanhas pulverizadas. Ainda assim, vimos que elas não desapareceram, pelo contrário, foram instrumentalizadas para mobilizar o voto conservador e causaram estragos, seja ao longo das campanhas, especialmente das mulheres, ou mesmo nos resultados. O problema persiste e outras questões, particularmente em relação ao financiamento, aparecem como desafios, que devem estar no horizonte das instituições antes de 2022.

O PT perdeu. O que vai ser do partido em 2022?

O PT perdeu. O que vai ser do partido em 2022?

Neste pós-eleição, muito tem se comentado sobre a derrota do PT. Sobram análises que apostam em um fim de linha ou sustentam que o partido perdeu a posição de maior legenda da esquerda brasileira. Das duas uma: ou são mal informadas ou enviesadas.

É óbvio que o PT se deu mal nas urnas. Parte do resultado deve ser creditada à orientação tática emanada da Direção Nacional. Mas só parte, já que os erros vêm se acumulando há tempos. Não é possível entrar a fundo no tema, por isso aqui vai apenas uma síntese.

Enquanto foi governo, o PT errou tanto ao deixar acontecer e se envolver, desde os tempos de Lula, em esquemas de desvios de recursos públicos, como também na condução da política econômica sob Dilma. Reconhecer tais fatos não implica em compactuar com a hipocrisia.

Muitos dos candidatos que nesta eleição aproveitaram-se dos resultados da Lava Jato para atacar o PT tiveram os seus partidos chafurdando na mesmíssima lama. Mais ainda, vale lembrar que durante 2015 o governo Dilma teve todas as suas iniciativas voltadas para o enfrentamento da crise econômica bloqueadas na Câmara, sob a batuta de Eduardo Cunha e com o prestimoso auxílio de todos os partidos que, sob Temer, se juntariam para “salvar” o país.

Após o impeachment de Dilma o partido continuou errando. Primeiro, ao se prender à narrativa do golpe. Sem entrar, por uma questão de espaço, na discussão sobre o processo de interrupção do mandato da petista, o fato é que a denúncia do golpe serviu para dizer que tudo era culpa dos outros (golpistas, traidores, etc.) e com isso bloquear qualquer tentativa de discussão interna sobre onde o partido havia errado.

Os erros se mantiveram após os processos e a prisão de Lula. A evidente parcialidade, para não dizer má fé, de Moro e Dallagnol não justifica que toda a ação política do partido, a começar pela candidatura de Fernando Haddad, tenha se tornado caudatária da necessidade de resgatar a imagem de sua maior liderança.

A sequência de erros serviu para blindar, internamente, a direção partidária. Isso explica por que o núcleo dirigente articulado em torno de Lula teve condições de colocar a cereja no bolo – a tática para as eleições de 2020. Ignorando todo o desgaste acumulado e a força do antipetismo, o partido decidiu priorizar o lançamento de candidaturas próprias pelo país afora. O resultado foi ruim.

Mas daí a decretar o “colapso” do PT vai uma enorme distância. É certo que o partido perdeu prefeituras e teve menos vitórias que PSB e PDT, para ficar em uma comparação com outras legendas situadas à esquerda do espectro partidário brasileiro. Mas vale lembrar que isso já havia acontecido em 2016 e, no entanto, Haddad teve cerca de 18 milhões de votos a mais do que Ciro Gomes em 2018.

Eleições municipais são importantes, mas não dizem tudo. Também em 2018, depois do desastre de 2016, o PT fez a maior bancada da Câmara, elegendo 28 e 24 deputados a mais do que PDT e PSB respectivamente. No Senado, foram quatro petistas, dois pedetistas e dois socialistas.

Apesar das derrotas, não se pode falar em colapso nas eleições de 2020. Depois de ficar com os “grotões” em 2016, o PT começou a recuperar a competitividade nas grandes cidades. Elegeu cinquenta vereadores nas capitais, a segunda colocação entre todos os partidos. Em São Paulo, vai dividir a condição de maior bancada na Câmara com o PSDB, apesar de alguns analistas terem dito que o partido fora “varrido” da capital paulista. Nos municípios com mais de 200 mil habitantes, passou de quatro para sete prefeituras, o melhor desempenho entre a esquerda.

Foi o partido com maior presença no segundo turno e o único, novamente dentre as siglas de esquerda, a disputar nas cinco regiões do país. Mas perdeu 11 em 15. Sim, e quem se der ao trabalho de verificar a votação do partido nestas cidades vai perceber que, em média, seus candidatos obtiveram mais de 44% dos votos – apenas em Caxias do Sul e Anápolis, a candidatura petista não alcançou 40% dos votos. Perder é do jogo, mas não conta toda a história – o partido saiu bem votado.

Deixando as eleições de lado, e segundo levantamento do G1 realizado em junho de 2019, o PT é o partido com maior número de Diretórios Municipais no país. São cerca de 2.900, um número consideravelmente maior do que o PSB (cerca de 800) ou o PDT (cerca de 600). Possui também muito mais militantes: em 2019, 350 mil filiados votaram nas eleições internas, algo impensável para o padrão dos partidos brasileiros. Isso para não mencionar toda uma geração de dirigentes, intelectuais e quadros técnicos experimentados em anos de boas administrações públicas nos três níveis da federação – o que, diga-se de passagem, evidencia o absurdo dos que, ao analisar a eleição sob a ótica dos “extremos”, insinuam alguma equivalência entre PT e Bolsonaro .

O capital político petista não pode ser desconsiderado. Pelo contrário, ele ajuda a explicar porque, apesar de toda a crise vivenciada desde 2015, 16% da população brasileira – segundo pesquisa realizada em outubro pelo projeto “A Cara da Democracia no Brasil” – identifica-se com o partido. Em comparação, 1% se identificam com o PSB ou o PDT. A este respeito, não custa lembrar que Ciro Gomes é um neo-pedetista: antes passou por PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB e PROS.

O PT perdeu. Entre outras coisas, perdeu a condição de ditar unilateralmente os rumos da esquerda no Brasil e vai ter que aceitar esse fato. Isso significa que a cabeça de chapa em uma frente de centro-esquerda para 2022 encontra-se em aberto, sem pré-condições. Mas engana-se quem pensa que o partido pode ser descartado. Uma frente sem o PT nasce manca e não vai longe.

O uso do twitter na campanha de candidatas a prefeita no segundo turno

O uso do twitter na campanha de candidatas a prefeita no segundo turno

Helga Almeida, Luciana Santana e Raquel de Souza

A adesão ao twitter cresceu nas eleições de 2020. Focando nos candidatos que chegaram ao segundo turno, 82,4% utilizaram a plataforma desde o começo da campanha eleitoral em 27 de setembro. Esse uso massivo demonstra o entendimento dos candidatos representantes dos diversos partidos do espectro de que estar no Twitter é importante para o alcance do sucesso eleitoral.

Uso das mídias sociais nas eleições de 2020

O uso das mídias sociais foram notórios nesta que foi a eleição mais digitalizada no Brasil. Instagram, Facebook, Twitter, Tik Tok foram algumas das plataformas usadas por candidatas e candidatos à reeleição e seus desafiantes.

Se todas as mídias cumprem uma missão específica, o Twitter mostra ser importante, dado que tem sido mídia social central no campo da política e que muito tem influência, inclusive, na mídia de massa na construção de pautas.

Alguns pesquisadores têm afirmado que estaríamos vendo um fenômeno chamado de Twittocracia, ou seja, um modelo político-comunicacional em que pronunciamentos oficiais, tanto em relação ao plano da política interna, quando no plano da política externa, são feitos no Twitter. Sendo que a partir de uma lógica mais próxima ao microblog, o usuário do Twitter escreve em rápido fluxo seus diários com postagens de até 280 caracteres e dispõe naquele espaço suas opiniões e ações políticas, transformando sua conta em canais “oficiais” para o conhecimento de suas perspectivas e ideias.

Uso do twitter por mulheres candidatas

Chamamos atenção aqui para o uso feito pelas mulheres que estão pleiteando os executivos municipais. Isso porque, diante da realidade da violência política de gênero sofrida pelas candidatas em 2020, como demonstrado em artigo publicado aqui no Observatório, o Twitter se coloca como possibilidade comunicacional importante para a demarcação de seus posicionamentos durante as eleições.

Ao total cinco mulheres estão nas disputas nas capitais no segundo turno. São elas: Delegada Danielle (Cidadania) em Aracaju, Cristiane Lopes (PP) em Porto Velho, Marília Arraes (PT) no Recife, Manuela D’Ávila (PCdoB) em Porto Alegre e Maria do Socorro Neri (PSB) em Rio Branco.

Chama a atenção que das cinco mulheres no pleito do segundo turno apenas Marília Arraes e Manuela D’Ávila têm usado o Twitter em suas respectivas campanhas, ou seja, 40% delas, muito abaixo da média geral observada. É possível identificar também que as duas candidatas que mais utilizam o Twitter são aquelas filiadas aos partidos mais à esquerda, PCdoB e PT. O posicionamento ideológico segue critérios apontados em texto publicado pelo Observatório das Eleições.

Especificamente sobre as duas candidatas, Manuela D’Ávila foi quem mais utilizou o Twitter, fez 1580 tweets entre o 1º dia da campanha e 27 de novembro, penúltimo dia de campanha, e a petista Marília Arraes fez 603 tweets.

Manuela D´Avila e Marília: as candidatas mais tuiteiras

Na nuvem de termos mais utilizados, Manuela D’Ávila fez uso especialmente de sua hashtag #AgoraÉManuela65, o que demonstra um uso saliente de uma das affordances mais importantes do Twitter para aglutinar postagens parecidas. Além disso, o nome da capital Porto Alegre aparece fortemente. Palavras como, “cidade”, “juntas”, “nossa” e “obrigada” também ficam salientes.

A partir de buscas por menções por figuras específicas, pode-se ver que Manuela não citou nenhuma vez vez Lula em seu Twitter durante a campanha, ao passo que citou aliados como Boulos 63 vezes e Marília Arraes por nove vezes. O que demonstra um esforço de aderência às figuras da nova geração da esquerda e um afastamento de atores que geram polêmicas, como Lula, e que poderiam fazê-la perder votos. Manuela ainda citou 18 vezes Jair Bolsonaro, o que é entendido como uma manifestação de construção de um “nós x eles”, ou seja, a demarcação de seu posicionamento político.

Marília Arraes, que também travará uma acirrada disputa no domingo, usou o Twitter para demonstrar seu posicionamento. A palavra mais usada por ela foi “Recife”, seguida de “nossa”, “cidade”, “campanha”. Replicando busca por atores políticos importantes se vê que Marília, diferentemente de Manuela, cita Lula 74 vezes, demonstrando que tem se utilizado do capital político do ex-presidente na região Nordeste e em Recife para angariar votos. Além disso Marília Arraes citou 19 vezes Boulos e dez vezes Manuela D’Ávila, também se ligando a figuras jovens da esquerda. Por fim, para a marcação de suas posições políticas, Marília citou Bolsonaro 14 vezes e fez críticas à políticas encampadas pelo atual presidente.

Helga Almeida é mestra e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com doutorado sanduíche na Universita Degli Studi di Roma (La Sapienza. É professora adjunta da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Coordenadora do Politik (Centro de Estudos em instituições, Participação e Cultura Política – Univasf). Pesquisadora do CEPPI – UFMG (Centro de Pesquisa em Política e Internet).
Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.
Raquel de Souza é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), bolsista CNPQ de iniciação científica e membra do Politik (Centro de Estudos em Instituições, Participação e Cultura Política).

Afinal, quais partidos cresceram nessas eleições municipais?

Afinal, quais partidos cresceram nessas eleições municipais?

Quem acompanhou as apurações do primeiro turno das eleições de 2020 percebeu como a interpretação sobre os resultados variaram. Isso deriva, em larga medida, dos dados que são utilizados.

Quaisquer que sejam eles, o certo é que darão margens a diferentes avaliações de quais partidos foram os vitoriosos ou derrotados. Por exemplo, a forma mais usada (contar os prefeitos e os vereadores eleitos pelos partidos) tende a favorecer o desempenho de partidos como o MDB e PP, que desde os anos 1980 são fortes nas pequenas cidades do país. Ou o contrário, um partido pode vencer em cidades populosas e se sair relativamente mal no número geral de prefeituras obtidas em âmbito nacional.

Sugiro que observar a votação obtida pelos partidos nas eleições para as câmaras municipais é uma boa alternativa para dimensionar a força e a capilaridade dos partidos em território nacional. Por duas razões. A primeira é que diferentemente de candidatos a prefeito, todas as legendas tendem a apresentar candidatos a vereador onde existem diretórios municipais organizados. A segunda é que observar os votos é melhor do que as cadeiras eleitas, já que o partido pode obter uma boa votação e não conseguir eleger nenhum vereador.

Esse texto mostra a evolução da votação de seis partidos (PP, DEM, MDB, PSDB, PT e PDT). As eleições de 2020 foram disputadas por 31 legendas, mas, por limitação de espaço faço menção apenas a essas seis. Para facilitar a visualização dos resultados, cada gráfico apresenta os dados de dois partidos.

Os gráficos mostram o percentual de votos obtidos por partido por tamanho da cidade; elas foram segmentadas em quatro grupos: até 50 mil habitantes, mais de 50 mil até 150 mil, mais de 150 mil até 500 mil e mais de 500 mil habitantes. Os segmentos são arbitrários, mas dão uma ideia do padrão geral do desempenho da legenda.

O gráfico abaixo mostra a evolução do DEM (antigo PFL) e do PP (herdeiro do PDS), os mais importantes partidos do campo da direita no Brasil. Ambos disputaram todas as eleições realizadas desde a redemocratização. Em 2020, os dois partidos melhoraram o seu desempenho em relação às eleições anteriores em todos os segmentos, com destaque para a boa votação do DEM nas cidades com mais de 500 mil habitantes.

O PSDB e MDB são tradicionalmente classificados como os principais partidos de centro do país. O gráfico abaixo revela que os dois partidos têm um mesmo padrão: declinam de maneira constante desde 2008. Apesar da queda, o MDB continua sendo o partido mais votado nas pequenas cidades (até 50 mil moradores). O PSDB tem sido mais votado do que o MDB nos municípios com mais de 500 mil habitantes, tendência que se manteve em 2020, mesmo com o seu declínio eleitoral.

O PT e PDT são os dois mais longevos partidos de esquerda do atual ciclo democrático, com quatro décadas de existência. Em 2018, os candidatos das duas legendas à presidência (Ciro Gomes e Fernando Haddad) disputaram o voto dos eleitores de esquerda. Em 2020, o PDT teve um leve declínio em sua votação comparado às eleições de 2016. O PT praticamente manteve o mesmo percentual de voto de 2016, com exceção das cidades com mais de 500 mil habitantes, onde o partido cresceu, tornando-se a legenda com o maior percentual de votos dentre todas no país.

Um olhar atento aos três gráficos revela que o declínio e/ou crescimento dos seis partidos selecionados é muito reduzido quando comparamos os resultados de 2020 com o de 2016 (não ultrapassa os três pontos percentuais), o que denota uma razoável estabilidade dos principais atores do sistema partidário. De qualquer modo, podemos dividir os seis partidos em dois grupos: os que permanecem em um processo de declínio constante (PSDB, MDB e PDT) e aqueles que conseguiram se recuperar em relação em relação ao desempenho da eleição anterior (PP, DEM e PT).

Rompimentos, campanha negativa e antipetismo no duelo familiar em Recife

Rompimentos, campanha negativa e antipetismo no duelo familiar em Recife

Priscila Lapa e Luciana Santana*

A disputa municipal em Recife, entre João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), é uma das eleições mais intensas e acirradas do país. Não apenas por ser uma competição entre primos pelo comando da capital ou entre candidaturas de esquerda, mas pelas campanhas marcadas por ataques, difamações e quebra de reputações.

E em meio a esse clima de embates, em que os dois candidatos se dizem vítimas de uma campanha acusatória, alicerçada em mentiras, foi realizado o último debate televisivo da eleição 2020, pela TV Globo.

Entre os momentos de tensão, houve troca de acusações sobre qual das gestões – PT ou PSB – deixou mais obras inacabadas e qual delas menos contribuiu para o desenvolvimento da cidade. Nesse aspecto, João Campos acusou o PT de não fazer autocrítica e Marília falou que o PSB recruta seu partido como aliado sempre que é da sua conveniência.

O processo do Ministério Público mais uma vez foi trazido por Campos, que buscou comparar a vida pública dos dois para mostrar que não há acusações contra ele. Já Marília adotou um tom mais combativo e mencionou as investigações da Polícia Federal a respeito de compras realizadas pela Prefeitura durante a pandemia. A questão religiosa também foi tratada em diversas ocasiões, inclusive quando o tema tratado foi diversidade.

Sem maiores revelações, o debate provavelmente contribuiu para reafirmar a posição de quem já havia tomada sua decisão.

Desempenho dos candidatos nas pesquisas

Na última pesquisa Datafolha divulgada quinta-feira (26/11), Marília Arraes (PT), candidata petista aparece com 43% das intenções de votos contra 40% de João Campos (PSB), candidato da situação.

Na primeira sondagem divulgada no dia 19/11, Marília tinha 41% e subiu 2 pontos. Campos teve o maior crescimento, 7 pontos. Antes aparecia com 34% das intenções de votos. É possível perceber mudanças também em relação à porcentagem de entrevistados que informaram que pretendem votar branco ou nulo. A porcentagem era de 21%, reduziu para 13%. A porcentagem de indecisos oscilou de 3 para 4%.

Desempenho candidatos nas pesquisas Datafolha

Cada instituto segue metodologia própria, mas ainda que não seja possível comparar pesquisas de intenções de votos, torna-se importante ressaltar que, na última semana, os números do Datafolha divergiram dos números da pesquisa Ibope. O que mais chamou a uma virada de Campos sobre Marília.

No levantamento publicado pelo Ibope no 19/11, João Campos (PSB) tinha 39% e subiu para 43% na pesquisa publicada no dia 25/11. Marília Arraes (PT) que liderava com 45%, caiu para 41%. A porcentagem de brancos e nulos permaneceu estável. E de indecisos cresceu apenas 1 ponto.

Desempenho candidatos nas pesquisas Ibope

Entusiasmo marca a campanha de Marília no segundo turno

A trajetória da candidata Marília Arraes (PT) no segundo turno começou embalada pelo entusiasmo. A sua votação no primeiro turno foi de 223.248 votos, o equivalente a 27,95%, deixando para trás Mendonça Filho (DEM) e a Delegada Patrícia (PODE). Em alguns momentos da apuração dos votos, Marília esteve à frente de João Campos (PSB), o que gerou entusiasmo em apoiadores e na militância, numa onda crescente de “virada”.

Ciente de que o antipetismo seria o mote da campanha do seu adversário, a candidata foi angariando apoio até de adversários locais do PT, que justificaram seu gesto como a aposta na mudança. O deputado federal Ricardo Teobaldo, presidente estadual do PODEMOS, passou por cima do primeiro turno e declarou que a legenda tem em Marília a representação da oposição ao PSB. Com esse mesmo mote, o prefeito reeleito de Jaboatão dos Guararapes, Anderson Ferreira (PL), se juntou ao time de apoio à petista. O ex-senador Armando Monteiro (sem partido), que apoiou Mendonça Filho no primeiro turno, veio a público declarar que somava forças à candidata do PT.

Trazendo emoções positivas como pano de fundo dos programas eleitorais no rádio e na TV, Marília permaneceu em postura crítica à gestão socialista, mas em debates passou a questionar a capacidade de liderança e de gestão do seu adversário. O seu desafio é captar os votos daqueles que optaram por outros candidatos no primeiro turno movidos pelo sentimento de mudança. No primeiro turno, nem sempre foi possível fazer a distinção entre sua candidatura e a do socialista, colocada por muitos – inclusive pelos seus adversários – como sendo iguais, aliadas, de esquerda.

Ainda que o antipetismo tenha aparecido no primeiro turno, ele não foi amplamente explorado como se imaginava na largada do processo, pois a candidatura do PSB era o grande alvo. Marília não teve sua candidatura desconstruída e isso pode ser um dos motivos pelos quais ela chegou ao segundo turno.

João Campos aposta no antipetismo e na desconfiança do eleitor

João Campos (PSB) tem protagonizado uma campanha cuja estratégia busca despertar no eleitorado o antipetismo e o sentimento de desconfiança sobre Marília Arraes. A ele não restou alternativa, já que, para vencer a eleição, precisa dos votos depositados nos seus adversários no primeiro turno. Necessita se diferenciar de Marília, neutralizando a percepção de que são dois candidatos jovens, de esquerda. Se não bastassem os vínculos familiares, seus partidos protagonizam episódios de alianças e rompimentos no cenário local.

Assim, o tom mais emotivo, propositivo, de posicioná-lo como jovem, porém determinado, e tecnicamente preparado, foi sendo substituído pelo mote “Marília é PT”; pelo resgate de críticas às administrações petistas na cidade; pela comparação dos seus mandatos de deputado federal, apresentando a petista como alguém que tem um desempenho aquém do seu; e pela exploração de denúncias e possíveis indiciamentos de Marília pelo Ministério Público.

As primeiras propagandas de João Campos (PSB) no primeiro turno apontaram que Marília viabilizou sua candidatura por manter relações amistosas com membros da executiva nacional do PT, insinuando que essas lideranças petistas dominariam a prefeitura do Recife, caso Marília vença a eleição.

O que os diferencia as duas candidaturas de esquerda?

Não é pelas propostas que o eleitor tem conseguido diferenciar João Campos e Marília Arraes. Para cada proposta, uma acusação, um ataque ou uma tentativa de defesa. Na trajetória do segundo turno, apenas alguns aspectos específicos das propostas entraram na agenda eleitoral. Um exemplo disso foi o projeto apresentado por Marília Arraes, intitulado “Palafita Zero”, que pretende retirar famílias de palafitas com a construção de unidades habitacionais. João Campos acusou a candidata de desconhecer o custo para zerar as palafitas e que, portanto, ela estaria prometendo algo inexequível. A candidata rebateu mostrando as deficiências na área habitacional na atual gestão. E, assim, do debate acerca de uma proposta, imediatamente se chegou a um novo embate com elementos de desqualificação do adversário.

A famosa polarização direita versus esquerda se diluiu pelo debate mudança versus continuidade, mas agora de forma mais acentuada com referências de que mudar significa votar no PT. João Campos tem afirmado em entrevistas e debates que não terá secretários e nenhum membro do Partido dos Trabalhadores em seu staff. Nesse cenário, a diferenciação seria: “eu não sou do PT”, com tudo o que isso possa significar para o eleitor.

Outra diferenciação tem sido buscada pelas alianças firmadas e pelos perfis dos apoiadores. Marília Arraes buscou resgatar as realizações das gestões petistas na cidade, sem fazer menção aos ex-prefeitos petistas. Agora em 2020 o ex-prefeito e deputado João Paulo, hoje no PCdoB, disputou a eleição no município vizinho, Olinda, sem sucesso. No segundo turno, ele declarou apoio à Marília Arraes, ainda que seu partido, antes aliado recorrente do PT, hoje seja um braço direito do PSB, ocupando, inclusive, a vice-governadoria.

O ex-prefeito petista João da Costa, que disputou a eleição de vereador no Recife, e também não ganhou, fez diversas críticas a Marília Arraes no início da campanha, ressaltando o seu descolamento em relação às bases do partido. Agora no segundo turno, declarou seu apoio público à candidata. Era o que a campanha de João Campos queria: mostrar que as administrações petistas não foram suficientemente competentes, uma vez que Costa saiu da prefeitura com baixíssima avaliação, em 2012, sem sequer conseguir ser candidato à reeleição.

Nos debates, Campos passou a mencionar enfaticamente que Marília é a candidata de João da Costa, mais uma vez na tentativa de aflorar o sentimento anti-PT e gerar desconfiança sobre um possível mandato de Marília e seus aliados.

Contudo, a aliança entre PT e PSB é uma das maiores marcas da política local. Seria normal o fato de terem sido parceiros e hoje serem adversários. Mas a forma como se deu o processo deixou marcas que estão sendo exploradas pelos competidores na conjuntura atual.

Os dois partidos foram aliados nas três gestões petistas na capital pernambucana: 2000-2004; 2005-2008; 2019-2012. Em 2012, o PSB lançou candidato próprio, Geraldo Júlio, que venceu no primeiro turno, apesar de ser um quadro técnico do Tribunal de Contas do Estado, sem qualquer experiência política. Foi uma estratégia exitosa do ex-governador Eduardo Campos, que enxergou uma grande oportunidade de ganhar a prefeitura do Recife esquivando-se da briga interna do PT para definir quem seria o seu postulante. Isso porque, diante da má avaliação da gestão de João da Costa, uma ala do partido passou a defender que ele não fosse candidato à reeleição e que outro nome deveria substituí-lo. A briga, envolvendo a executiva nacional, gerou desgastes públicos para a legenda, que lançou Humberto Costa (atualmente senador pelo partido) e amargou o terceiro lugar. A partir dali, o PSB se tornou o grande protagonista da aliança política de esquerda no Recife.

Em 2016, a rivalidade entre os dois partidos foi reforçada. Geraldo Júlio foi para o segundo turno com João Paulo, à época no PT, e venceu com 61,30% dos votos. No cenário nacional, o PT amargava o seu pior desempenho na história recente, influenciado sobretudo pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Dois anos antes, PT e PSB viveram a maior desavença da trajetória dos partidos no contexto estadual. Eduardo Campos lançou-se candidato a presidente, com uma aprovação da sua administração que ultrapassava os 60%. Com a tragédia ocorrida, o eduardismo se tornou uma vertente política forte, avassaladora, quase. O PSB optou por abraçar a candidatura de Marina Silva, colocando-se como oposição nacional ao Partido dos Trabalhadores. No segundo turno, rumou para apoiar Aécio Neves. Era um choque com o caminho mais à esquerda que sempre percorreu. No plano local, os socialistas garantiram a eleição de Paulo Câmara para governador, mais um técnico escolhido por Eduardo Campos, como estratégia para não dar protagonismo a nenhum partido aliado em específico e manter a hegemonia do PSB.

Esse rompimento com o PT em 2014 levou o PSB a liberar secretários estaduais para reassumirem seus cargos de deputado federal para votar a favor do impeachment de Dilma Rousseff, o que causou ainda mais distanciamento com seus antigos aliados petistas. Mas não contavam com a mudança de cenário que se deu no Brasil em 2018.

O grande nome do PT em Pernambuco era o senador Humberto Costa, que pleiteava sua reeleição. Ao mesmo tempo, o palanque do governador Paulo Câmara minguava pelo desgaste da gestão socialista. Marília Arraes entra nesse contexto, pois, em 2016, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, após imenso desgaste dentro do PSB, tornando-se uma das principais críticas dos socialistas. Em 2018, pleiteava lançar sua candidatura a governadora do Estado. Mas, pela intervenção de Humberto Costa, teve seu nome retirado da disputa. Assim, os dois partidos rumaram juntos e garantiram não só a reeleição do senador como do governador no primeiro turno. A aliança beneficiou os dois. E Marília permaneceu como um nome viável, uma espécie de “carta na manga” para o PT.

Até o início de 2020, especulava-se a possibilidade de manutenção da aliança, mais uma vez “sacrificando” as pretensões de Marília Arraes. Mas desta vez foi diferente. Seu principal padrinho político, o ex-presidente Lula, foi um defensor de primeira hora da sua candidatura, o que foi acatado pela Executiva Nacional do partido. Como a aliança entre os dois inviabilizada, foram geradas expectativas sobre como seria a condução dos discursos: se os adversários iriam partir para o ataque, mesmo tendo rompido a relação muito recentemente, somado ao fato de membros do PT ainda manterem cargos na gestão socialista.

No primeiro turno, os candidatos de centro-direita utilizaram essas idas e vindas dos dois partidos para dizer que se tratavam de uma coisa só. E para muitos eleitores isso fazia todo o sentido.

Marília Arraes ou Marília?

Marília tentou firmar-se como uma liderança com personalidade própria e protagonismo. No início da campanha, foi cobrada por não utilizar os símbolos e cores do partido. No entanto, além das alusões ao seu avô Miguel Arraes, a candidata trouxe a figura de Lula para os seus programas e viu o crescimento da sua intenção de votos acontecer. Passou a resgatar os feitos das administrações petistas, tanto em âmbito nacional quanto localmente. A mensagem era: “É Lula, é Arraes. É Marília Arraes”. E completava dizendo ter orgulho de carregar no peito “essas duas histórias de luta”, porém advertia: “Não esqueça, eu sou Marília”.

Muito se debateu sobre o que e quem contribuiu para que Marília se viabilizasse no segundo turno. O fato de ser mulher teria sido um grande diferencial? Lula foi um cabo eleitoral mais eficiente do que o presidente Bolsonaro, que, ao apagar das luzes do primeiro turno, declarou apoio à candidata Delegada Patrícia? O quanto do eleitor petista esteve presente?

Em sua campanha no segundo turno, Marília passou a ser mais enfática na mensagem direcionada ao público feminino. Passou a falar que “o Recife precisa de uma Prefeita”, fazendo alusão às características femininas do cuidado.

A imagem de Marília antes da eleição de 2020 era a de alguém que teve coragem de romper com o PSB, mesmo sendo da família Arraes e tendo sua história política de alguma forma atrelada ao partido do seu avô e do seu tio Eduardo Campos. Ao mesmo tempo, João Campos desponta como um jovem que passou pela perda precoce do pai e que escolheu a política como vocação. A sua imagem jovial contrasta com o discurso que tenta demonstrar firmeza. Os adversários, em diversas ocasiões, cobraram um do outro respeito ao legado de Miguel Arraes.

Como o voto evangélico pode influenciar a eleição?

Um fato novo do segundo turno foi a força de desconstrução da candidata petista, não apenas pela questão partidária, mas pelo viés religioso. Logo no início da corrida do segundo turno, ainda no embate dos apoios dados a cada um dos postulantes, inserções do PSB na TV e no rádio começaram a questionar a formação religiosa de Marília Arraes, colocando-a como alguém que, em determinadas ocasiões da sua trajetória como vereadora, havia adotado posturas anti-cristãs, como o posicionamento contrário à leitura da Bíblia no início das sessões plenárias. Em seguida, panfletos apócrifos passaram a ser distribuídos na saída de templos religiosos com esse mesmo teor, conforme apresentado em artigo do Observatório das Eleições.

A candidata recorreu às redes sociais para gravar mensagens em que reafirmava a sua postura cristã e para repudiar essa estratégia de “ataques pessoais” da campanha socialista. Também conseguiu atrair lideranças religiosas, inclusive do segmento evangélico (recebeu o apoio de 12 congregações), que se disseram contrários aos ataques desferidos contra a petista.

Mas, de acordo com as pesquisas, a maior parte dos eleitores evangélicos passou a apoiar o candidato João Campos. Na pesquisa Ibope divulgada em 19 de novembro, Campos se destaca na preferência dos eleitores evangélicos com 44% das intenções de voto, contra 32% da candidata petista.

A pesquisa do Datafolha publicada no dia 20 de novembro também apresenta diferença na preferência dos eleitores evangélicos. Dentre os entrevistados evangélicos, 33% mencionaram ter preferência por Marília e 38% por João Campos. Entre os católicos, 44% preferem Marília e 35% a Campos. A intensidade das campanhas marcada por embates e difamações podem ter influenciado a intenção de votos. Na segunda rodada da pesquisa Datafolha publicada no último dia 25, a porcentagem de evangélicos que preferem o candidato socialista cresceu passou para 51% contra 30% dos que mencionaram preferir a candidata Marília. Entre os entrevistados católicos, 46% preferem Marília e 39% João Campos.

Disputa judicial e fake news

A uma semana do pleito, a revista Veja publicou uma matéria apresentando denúncia feita pela 43ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, em que acusa Marília Arraes de ter cometido improbidade administrativa, juntamente com quatro ex-assessores, quando foi vereadora do Recife. Datada de 10 dezembro de 2019, a denúncia desencadeou pedido à Polícia Civil para instaurar inquérito, a fim de apurar os fatos. De acordo com a revista, a denúncia diz respeito a supostas irregularidades no pagamento de servidores do gabinete, que receberiam salários e não prestariam serviços, nos anos de 2014 e 2017. O fato tem sido amplamente explorado pela campanha socialista, assim como a divulgação de áudio do deputado federal Túlio Gadelha (PDT), em que supostamente confirma a realização de atos de improbidade ligados à remuneração de servidores do gabinete de Marília Arraes.

O partido de Gadelha apoia João Campos, inclusive indicou Isabella de Roldão como vice, mas o deputado se colocou publicamente contra essa postura. No segundo turno, rompeu sua posição de neutralidade e declarou publicamente apoio a Marília Arraes.

A candidata divulgou notas e falou publicamente sobre tais acusações, dizendo-se se tratar de uma denúncia e de um processo já arquivados, por não serem procedentes. A partir daí, os dois candidatos passaram a travar brigas judiciais, no caso de Marília para retirar as propagandas sobre o assunto do ar; no caso de João Campos, para mantê-las.

Desafio do último dia: reduzir a abstenção eleitoral

O corpo a corpo para conquistar o eleitor ainda continuará até que a votação seja encerrada. E até lá, os candidatos têm a missão de convencer os eleitores de irem às urnas e reduzir a abstenção verificada no primeiro turno, além do elevado número de brancos e nulos apontados até o momento pelos Institutos de Pesquisa.

Seja como for, até a apuração do resultado, a disputa  familiar recifense promete muitas emoções.

*Priscila Lapa é doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo) e em Serviço Social. Professora na Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO) e Analista Técnica no SEBRAE-PE, atuando na área de Políticas Públicas.
Luciana Santana é doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.