O desenho partidário das prefeituras e perspectivas para o segundo turno

O desenho partidário das prefeituras e perspectivas para o segundo turno

As eleições de 2020 não acabaram e ainda precisamos esperar os dados oficiais para interpretações mais detalhadas sobre seus resultados. Apesar disso, já conseguimos traçar possíveis tendências para o segundo turno com base no que temos disponível.

Ao longo dos anos, a distribuição da força política dos partidos alterou-se consideravelmente, muito disso conectado ao contexto político nacional. Em 2020, esse padrão se repete. Os mapas abaixo mostram isso.

Começando em 2000, com PSDB na Presidência da República e DEM como um partido forte ao seu lado, eles juntos conquistaram 2016 municípios, aproximadamente 36% do total.

Já em 2012, um momento de intensa relevância do PT a nível nacional e logo após a eleição de Dilma Rousseff, sustentada pelos resultados positivos que a legenda vinha tendo entre o eleitorado, o partido, que tinha apenas 187 municípios em 2000, chega a 647 naquele ano. Porém, após o impeachment de Dilma durante seu segundo mandato e a crise política pela qual o partido passou, com a influência da Operação Lava-Jato, o PT encolhe e conquista apenas 250 prefeituras em 2016.

Esse movimento vem acompanhado de dois outros. O aumento do PSB que, ao lado do PT, conquistou espaços importantes na política nacional até 2016. E o surgimento do PSD em 2008, que atraiu diversas lideranças para a legenda, ainda recém-formada, e tem aumentado sua inserção territorial ao longo dos anos.

Em 2020, o desempenho do PSD segue chamando atenção. Até agora, com base na prévia que a tivemos acesso, o partido conseguiu eleger, aproximadamente, 20% mais prefeituras das que tinha em 2016. Ao seu lado, vem outros partidos de direita que, após longo período com resultados pouco significativos, voltam ao cenário após 2016. Hoje são atores importantes nessa disputa. Entre eles estão o DEM e o PP, que até agora elegeram, aproximadamente, 68% e 35% mais de prefeituras do que em 2016.

Com o segundo turno, no próximo domingo (29), parece que teremos o fortalecimento dessa tendência. Segundo as pesquisas de opinião que vem sido feitas nas capitais, principalmente Ibope e Datafolha, observa-se que partidos de direita, como DEM, PP e Podemos, dominam a corrida eleitoral nas capitais.

Em sete das dezoito capitais em disputa, as siglas de direita caminham rumo a vitória, como é o caso de Rio Branco (AC) e Rio de Janeiro (RJ) em que Tião Bocalom (PP) e Eduardo Paes (DEM) largam à frente com mais de trinta pontos de diferença.

Já o PSDB e MDB, diferentemente de 2016 quando conquistaram onze capitais, disputam hoje as primeiras colocações no segundo turno em pelo menos seis delas: Boa Vista (RR), Teresina (PI), Porto Velho (RO), São Paulo (SP), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS). Vale lembrar que, neste ano de 2020, os tucanos já venceram em Palmas e Natal logo no primeiro turno.

Por outro lado, quando analisamos os partidos de esquerda, como PT, PSB e PSOL, vemos que essas siglas lideram as outras cinco capitais restantes, em especial na região Nordeste. Nela, estes partidos estão na frente em quatro das sete capitais ainda indefinidas: Recife, Fortaleza, Aracaju e Maceió.

Campeões de intenções de voto

Arthur Henrique (MDB), em Boa Vista, e Tião Bocalom (PP), em Rio Branco, são os candidatos que mais pontuaram nas pesquisas para o segundo turno até agora. Ambos aparecem com mais de 60% das intenções de voto. Seguindo eles está Edvaldo (PDT), que busca a reeleição em Aracaju, o já citado Eduardo Paes (DEM) no Rio de Janeiro e Dr. Pessoa (MDB) em Teresina, os três à frente nas pesquisas com mais de 50% das intenções de voto.

Conforme apresentado nas imagens acima, cabe destacar que o segundo turno no Recife é entre dois candidatos situados à esquerda, João Campos do PSB e Marília Arraes do PT, e no Rio de Janeiro é entre dois situados à direita, Eduardo Paes (DEM) e o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos).

Pesquisas eleitorais acertaram as primeiras colocações

As pesquisas feitas nas capitais durante o primeiro turno apresentaram resultados muito próximos ao que vimos nas urnas. As últimas previsões do Ibope acertaram as primeiras colocações de todas as capitais, com exceção de Porto Alegre (RS). No Nordeste, o instituto indicou corretamente as três primeiras colocações em todas as capitais, exceto a terceira em Teresina (PI).

Além disso, as pesquisas Datafolha, realizadas em cinco capitais, acertaram as três primeiras colocações, com exceção da segunda e terceira em Belo Horizonte (MG).  Ibope e DataFolha obtiveram seu melhor desempenho desde 2016, com erro médio próximo a margem declarada por eles.

Se as pesquisas estiverem corretas, como tudo indica, já sabemos qual o provável cenário em que amanheceremos na segunda-feira (30). No entanto, surpresas podem ocorrer. Acompanharemos atentamente os resultados e as previsões feitas pelos principais institutos.

Luiz Gabriel Lima é graduando em Ciências Sociais pela Unicamp e bolsista do INCT/ IDDC.
Monize Arquer é doutora em Ciência Política pela Unicamp, com período sanduíche na Universidade de Oxford, e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop – Unicamp). Atua em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC e tem interesse nas áreas de partidos políticos, eleições e comportamento eleitoral.

O uso do twitter na campanha de candidatas a prefeita no segundo turno

O uso do twitter na campanha de candidatas a prefeita no segundo turno

Helga Almeida, Luciana Santana e Raquel de Souza

A adesão ao twitter cresceu nas eleições de 2020. Focando nos candidatos que chegaram ao segundo turno, 82,4% utilizaram a plataforma desde o começo da campanha eleitoral em 27 de setembro. Esse uso massivo demonstra o entendimento dos candidatos representantes dos diversos partidos do espectro de que estar no Twitter é importante para o alcance do sucesso eleitoral.

Uso das mídias sociais nas eleições de 2020

O uso das mídias sociais foram notórios nesta que foi a eleição mais digitalizada no Brasil. Instagram, Facebook, Twitter, Tik Tok foram algumas das plataformas usadas por candidatas e candidatos à reeleição e seus desafiantes.

Se todas as mídias cumprem uma missão específica, o Twitter mostra ser importante, dado que tem sido mídia social central no campo da política e que muito tem influência, inclusive, na mídia de massa na construção de pautas.

Alguns pesquisadores têm afirmado que estaríamos vendo um fenômeno chamado de Twittocracia, ou seja, um modelo político-comunicacional em que pronunciamentos oficiais, tanto em relação ao plano da política interna, quando no plano da política externa, são feitos no Twitter. Sendo que a partir de uma lógica mais próxima ao microblog, o usuário do Twitter escreve em rápido fluxo seus diários com postagens de até 280 caracteres e dispõe naquele espaço suas opiniões e ações políticas, transformando sua conta em canais “oficiais” para o conhecimento de suas perspectivas e ideias.

Uso do twitter por mulheres candidatas

Chamamos atenção aqui para o uso feito pelas mulheres que estão pleiteando os executivos municipais. Isso porque, diante da realidade da violência política de gênero sofrida pelas candidatas em 2020, como demonstrado em artigo publicado aqui no Observatório, o Twitter se coloca como possibilidade comunicacional importante para a demarcação de seus posicionamentos durante as eleições.

Ao total cinco mulheres estão nas disputas nas capitais no segundo turno. São elas: Delegada Danielle (Cidadania) em Aracaju, Cristiane Lopes (PP) em Porto Velho, Marília Arraes (PT) no Recife, Manuela D’Ávila (PCdoB) em Porto Alegre e Maria do Socorro Neri (PSB) em Rio Branco.

Chama a atenção que das cinco mulheres no pleito do segundo turno apenas Marília Arraes e Manuela D’Ávila têm usado o Twitter em suas respectivas campanhas, ou seja, 40% delas, muito abaixo da média geral observada. É possível identificar também que as duas candidatas que mais utilizam o Twitter são aquelas filiadas aos partidos mais à esquerda, PCdoB e PT. O posicionamento ideológico segue critérios apontados em texto publicado pelo Observatório das Eleições.

Especificamente sobre as duas candidatas, Manuela D’Ávila foi quem mais utilizou o Twitter, fez 1580 tweets entre o 1º dia da campanha e 27 de novembro, penúltimo dia de campanha, e a petista Marília Arraes fez 603 tweets.

Manuela D´Avila e Marília: as candidatas mais tuiteiras

Na nuvem de termos mais utilizados, Manuela D’Ávila fez uso especialmente de sua hashtag #AgoraÉManuela65, o que demonstra um uso saliente de uma das affordances mais importantes do Twitter para aglutinar postagens parecidas. Além disso, o nome da capital Porto Alegre aparece fortemente. Palavras como, “cidade”, “juntas”, “nossa” e “obrigada” também ficam salientes.

A partir de buscas por menções por figuras específicas, pode-se ver que Manuela não citou nenhuma vez vez Lula em seu Twitter durante a campanha, ao passo que citou aliados como Boulos 63 vezes e Marília Arraes por nove vezes. O que demonstra um esforço de aderência às figuras da nova geração da esquerda e um afastamento de atores que geram polêmicas, como Lula, e que poderiam fazê-la perder votos. Manuela ainda citou 18 vezes Jair Bolsonaro, o que é entendido como uma manifestação de construção de um “nós x eles”, ou seja, a demarcação de seu posicionamento político.

Marília Arraes, que também travará uma acirrada disputa no domingo, usou o Twitter para demonstrar seu posicionamento. A palavra mais usada por ela foi “Recife”, seguida de “nossa”, “cidade”, “campanha”. Replicando busca por atores políticos importantes se vê que Marília, diferentemente de Manuela, cita Lula 74 vezes, demonstrando que tem se utilizado do capital político do ex-presidente na região Nordeste e em Recife para angariar votos. Além disso Marília Arraes citou 19 vezes Boulos e dez vezes Manuela D’Ávila, também se ligando a figuras jovens da esquerda. Por fim, para a marcação de suas posições políticas, Marília citou Bolsonaro 14 vezes e fez críticas à políticas encampadas pelo atual presidente.

Helga Almeida é mestra e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com doutorado sanduíche na Universita Degli Studi di Roma (La Sapienza. É professora adjunta da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Coordenadora do Politik (Centro de Estudos em instituições, Participação e Cultura Política – Univasf). Pesquisadora do CEPPI – UFMG (Centro de Pesquisa em Política e Internet).
Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.
Raquel de Souza é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), bolsista CNPQ de iniciação científica e membra do Politik (Centro de Estudos em Instituições, Participação e Cultura Política).

Disputa entre PT e MDB movimenta Vitória da Conquista e Feira de Santana

Disputa entre PT e MDB movimenta Vitória da Conquista e Feira de Santana

Luciana Santana e Cláudio André de Souza*

Os novos prefeitos de Vitória da Conquista e Feira de Santana serão conhecidos apenas no próximo dia 29. A disputa por duas das três maiores cidades baianas segue equilibrada e com cenário indefinido.

Candidatos petistas lideram pesquisas em Feira e Conquista

Em Feira de Santana (BA), o candidato Zé Neto (PT) aparece com 44% das intenções de voto, conforme levantamento de A TARDE/Potencial Pesquisa, realizado entre os dias 17 e 20 de novembro. O atual prefeito Colbert Martins (MDB), candidato a reeleição, tem 36%. Os números colocam os dois candidatos em situação de empate técnico, já que a margem de erro da pesquisa é de quatro pontos percentuais.

Em Vitória da Conquista (BA), o levantamento do mesmo instituto também indica empate técnico. Zé Raimundo (PT) está ligeiramente à frente com 40% das intenções de voto, enquanto o prefeito atual Herzem Gusmão (MDB) aparece com 37%.

Mulheres e indecisos podem definir a eleição

Em Feira de Santana, o voto de mulheres e indecisos pode fazer a diferença. No recorte de gênero, o candidato petista sai em vantagem. Dentre as entrevistadas mulheres, 45% tem preferência por Zé Neto (PT) e 33% por Colbert Martins (MDB). Entre os entrevistados homens, 44% preferem o candidato petista e 39%, o candidato do MDB.

Neste mesmo levantamento, 12% dos entrevistados disseram que ainda não sabem em quem vão votar, 4% pretendem votar nulo, 2% não quiseram responder e 2% disseram que votarão em branco.

Em Vitória da Conquista, a situação é bem acirrada, em todos os perfis. Zé Raimundo é preferido por 45% das mulheres contra 35% de Gusmão. Entre os homens, o emedebista é preferido por 40% dos entrevistados contra 38% do petista.

O índice de eleitores indecisos é de 14% e 6% não quiseram responder à pesquisa. Os que pretendem votar em branco são 3% e 1% pretendem votar nulo.

Candidatos em Feira de Santana

Zé Neto é deputado federal eleito em 2018 e tem quatro mandatos como deputado estadual na Bahia (legislaturas de 2002, 2006, 2010 e 2014). Na Assembleia Legislativa, foi líder do governo por oito anos: quatro no segundo mandato de Jaques Wagner (PT) e quatro no primeiro governo de Rui Costa (PT). Em sua trajetória política constam ainda dois anos como vereador de Feira (2000 a 2002).

O atual prefeito, Coubert Martins, assumiu o mandato em abril de 2018, após a renúncia de José Ronaldo (DEM) para disputar a eleição para o governo do estado. Martins foi deputado estadual por um mandato (1991-1995) e deputado federal por dez anos (1997 a 2011). Foi nomeado em março de 2011 pelo ex-ministro do turismo, Pedro Novais, para a Secretaria Nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo (governo da ex-presidente Dilma Rousseff), mas foi afastado devido à operação “Voucher”.

Candidatos em Vitória da Conquista

O candidato à reeleição em Conquista, Herzem Gusmão foi eleito primeiro suplente de deputado estadual, chegou a assumir em 2015 e cumpriu mandato até 2016. Antes de se tornar prefeito disputou dois outros pleitos para o chefe do executivo municipal (2008 e 2012) e também para a Câmara dos Deputados (2018), sem êxitos.

O candidato petista, Zé Raimundo, foi eleito vice-prefeito em 2000, assumiu a Prefeitura de Conquista em 2002 e foi reeleito em 2004. Atualmente, exerce o terceiro mandato como deputado estadual.

Apoios aos candidatos em Feira de Santana e Vitória da Conquista

No primeiro turno em Feira de Santana, conhecida como a Princesa do Sertão, Zé Neto obteve 41,55% dos votos, já Colbert Martins ficou com 38,18%.

Logo após a divulgação dos resultados, as articulações junto aos candidatos derrotados começaram a acontecer. Colbert Martins recebeu apoio do ex-deputado estadual e radialista Carlos Geilson (PODE), que era da base de apoio ao governador Rui Costa (PT). Outro apoio é do candidato do Republicanos, José de Arimatéia, deputado estadual e pastor da igreja Universal do Reino de Deus.

Já o candidato Zé Neto recebeu o apoio da candidata derrotada Marcela Prest (PSOL) e de Beto Tourinho (PSB). Os candidatos derrotados Dayanne Pimentel (PSL) e Carlos Medeiros (Novo) não apoiarão nenhum dos lados no segundo turno.

Em Vitória da Conquista, a suíça baiana, o resultado do primeiro turno terminou com um cenário bem apertado. A diferença do primeiro para o segundo candidato foi de 2.989 votos. Zé Raimundo, candidato petista, obteve 47,63% dos votos válidos e seu adversário, Herzem Gusmão (MDB), 45,89%.

Na disputa do segundo turno, Zé Raimundo recebeu o apoio de Romilson Filho (PP). Já o candidato emedebista, Herzem Gusmão, recebeu o apoio do Cabo Herling (PSL) e do candidato a prefeito eleito na capital, Bruno Reis (DEM).

Rui Costa e ACM Neto em campo podem influenciar resultados

Ao longo da última semana, houve a articulação de apoios dos candidatos derrotados em ambas as cidades. Mas diante de cenários com disputas acirradas essas movimentações não necessariamente significam vantagem.

Dois cabos eleitorais são considerados muito importantes na reta final da campanha, Rui Costa (PT) e ACM Neto (DEM).

Nas duas cidades, o governador entrou em campo para apoiar os candidatos petistas e ACM Neto tem se dedicado a fortalecer os candidatos emedebistas nos últimos dias de campanha.

Em Vitória da Conquista, Rui Costa chegou a participar de uma entrevista coletiva ao lado do candidato Zé Raimundo, logo após o resultado do segundo turno. ACM Neto tem visitado as duas cidades.

Ideologia importa, mas nem sempre é algo que está no radar de muitos eleitores e até de políticos no âmbito local. Em Feira de Santana, por exemplo, enquanto ACM Neto tornou-se cabo eleitoral do candidato do MDB, outros políticos não seguem a mesma lógica. O ex-deputado estadual Targino Machado (DEM) declarou apoio ao candidato petista.

Indefinição marca a eleição de Feira e Conquista

Os números da pesquisa realizada pelo Instituto Potencial apontam que mulheres e indecisos podem fazer a diferença em Feira de Santana. Em Vitória da Conquista, a disputa segue acirrada em todos os perfis do eleitorado.

Em uma eleição apertada e muito disputada, vários fatores podem definir o resultado. As urnas responderão no próximo dia 29.

* Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.
Cláudio André de Souza é professor adjunto de ciência política Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Campus dos Malês (BA).

Abstenção e pandemia: qual a relação?

Abstenção e pandemia: qual a relação?

A apuração das eleições municipais de 2020 apontou 23,15% de abstenção. Este é o recorde de abstenção em eleições municipais, em um cenário de crescimento do não comparecimento que vinha ampliando-se desde 2012 e agora agravado pela pandemia de Covid-19.

Apesar do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, ter comemorado o índice, dizendo que esperava uma abstenção muito maior, os números mostram um aumento expressivo, que supera o ritmo de crescimento que vem sendo observado há anos.

No que tange as eleições municipais, o primeiro turno de 2020 registrou um aumento de 5% na abstenção, em contraposição a cerca de 2% entre 2008 e 2012 e 1% entre 2012 e 2016. Até 2008, a oscilação não era significativa.

Abstenção nas eleições municipais

Fonte: TSE

Enquanto a média nacional subiu de 17,58%, em 2016, para 23,15%, o aumento foi ainda mais significativo nas grandes cidades e nas regiões sul e sudeste.

Se analisarmos os maiores colégios eleitorais, chegamos a um aumento na casa de oito pontos percentuais. Em São Paulo, subiu de 21,84% para 28,30, no Rio de Janeiro foi de 24,28% para 32,79% e em Belo Horizonte de 21,66% para 28,34% – aumentos entre 6 e 8%.

No Nordeste, Salvador registrou um aumento de cinco pontos percentuais, de 21,25% para 26,46% e Fortaleza de quatro pontos, de 17,04% para 21,84%. Porto Alegre registrou a maior alta, de 22,51% para 33,08%.

Uma vez que o voto é secreto, fora a disposição geográfica da abstenção, não temos informações que permitam compreender o perfil das pessoas que deixaram de votar. Mas a pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, realizada entre 24 de outubro e 04 de novembro, pode nos dar algumas pistas.

Na ocasião, foi perguntado aos eleitores se eles poderiam deixar de votar por medo de contaminação. Com 95% de grau de confiança e 2.2% de margem de erro, 27 % dos respondentes afirmaram que sim. A pesquisa permite compreender como estas pessoas se distribuíam em relação à faixa etária, sexo, renda familiar, nível educacional e interesse por política.

Perfil

Como a pandemia coloca como grupo de risco a população acima de sessenta anos, já se esperava uma maior probabilidade de abstenção dentro deste grupo. Segundo a pesquisa, 32% da população nessa faixa etária declarou que poderia deixar de votar sem que, no entanto, se constatasse uma correlação entre as duas variáveis – idade e probabilidade de não votar por medo de contaminação. O percentual dos que admitiram não votar cresceu de 24% entre os jovens até 24 anos para 31% entre os brasileiros de 25 a 34 anos, mas volta a 24% entre aqueles de 45 a 59 anos e torna a subir para os acima de 60.

Quanto ao sexo, as mulheres se mostravam mais propensas ao não comparecimento (30%) do que os homens (25%).

A pesquisa mostrou ainda que a taxa da população que admitia não votar por medo de contaminação diminuía conforme aumentava a faixa de renda. Dentre aqueles com mais de dez salários mínimos, 19% afirmaram poder deixar de votar, proporção que chegava a 28% para aqueles com até um salário mínimo. A faixa de 1 a 2 salários mínimos apresentava o índice mais alto, com uma taxa de 33% de não comparecimento. É o que mostra a figura a seguir.

Fonte: TSE

Em relação à escolaridade, a imagem abaixo ilustra a diferença expressiva entre os grupos que cursaram até o ginásio – mais de 30% admitiam não votar – e aqueles com colegial (ensino médio) e superior completo – 22% e 24%, respectivamente.

Fonte: TSE

Por fim, quando olhamos para a região dos entrevistados, destacava-se o Centro-oeste, onde 34% dos eleitores afirmavam que poderiam não comparecer às urnas. Entre os eleitores das regiões sul e sudeste os percentuais recuavam para 25 e 26% respectivamente.

Para além do risco de contaminação: desinteresse na política?

Por mais que o risco da contaminação afete todas as pessoas, a pesquisa constatou uma relação entre o interesse pelas eleições e a propensão a não votar devido à pandemia. Entre aqueles que se mostravam pouco interessados, 36% admitia não votar com medo de contaminação. O valor é muito superior do que entre aqueles que afirmaram estar muito interessados, quando apenas 12% disseram que poderiam deixar de votar. Entre os interessados, a taxa foi de 19%.

O risco de contaminação parecia ser um problema maior para aqueles que, à época, não estavam interessados nas eleições. Vale ressaltar que na pesquisa, realizada faltando aproximadamente 15 dias para o primeiro turno, o percentual dos pouco interessados nas eleições municipais era de 53,3%.

A incerteza provocada pela pandemia provavelmente reforçou a tendência já observada de crescimento da abstenção. Soma-se a este cenário o contexto atual em que as campanhas políticas perderam muito de sua intensidade, dado que as ações de rua foram evitadas e até proibidas em alguns municípios.

Nota: Tratamos aqui da abstenção, que junto aos votos nulos e brancos, compõe o fenômeno da alienação eleitoral. Hoje, publicamos também neste Observatório uma análise sobre a marginalidade eleitoral, que trata da discrepância entre a população e a população eleitoral – e que chega a 16 milhões de pessoas, praticamente 10% da população. Somados, são cerca de da população que não está interferindo no processo eleitoral.

Noticiário do dia 6 de novembro

No noticiário de hoje, o ataque hacker no STJ e no TSE, o apagão no Amapá e o show do Caetano Veloso, entre outras questões. Confira:

PF apura ataque hacker ao STJ e TSE entra em alerta às vésperas da eleição

Proibido proibir

Distanciamento social, horários específicos e sem acompanhantes: dicas da Justiça Eleitoral para votar com segurança

Mesmo com apagão, Justiça Eleitoral do Amapá diz que 1º turno ocorrerá normalmente

Eleições 2020: Urnas são seguras e uso é transparente, afirma TSE

Após ataque hacker sofrido pelo STJ, o TRE-PE diz que o modelo de votação brasileiro é seguro

Horário eleitoral consome um terço das despesas somadas dos candidatos à prefeitura de Salvador

Após ataque hacker ao STJ, TSE reforça segurança de sistemas usados nas eleições

Como a pandemia afeta as eleições?

Como a pandemia afeta as eleições?

Eleições são momentos cruciais para as democracias. É por meio delas que escolhemos nossos representantes, consentimos em sermos governados e garantimos a legitimidade dos governos. 

A ocorrência de desastres naturais apresenta um dilema: como e quando realizar eleições nessas situações? Por um lado, o adiamento de eleições torna a ida às urnas mais segura. Por outro, as datas e procedimentos escolhidos podem afetar os resultados, e adiamentos podem levar a crises de legitimidade. 

Até a data de elaboração deste texto, 72 países e territórios haviam decidido adiar alguma eleição por causa da pandemia, de acordo com levantamento do Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA, em sua sigla em inglês). O mesmo levantamento mostra que 67 países e territórios realizaram eleições ao longo desse período. Essas disputas nos permitem antecipar o que esperar neste contexto.

Quais os impactos da realização de eleições durante a pandemia? 

Estudos discutiram ao menos dois aspectos: o comparecimento às urnas e o desempenho dos detentores de cargos.

Em geral, o comparecimento em eleições realizadas neste período foi menor do que a média nesses países ao longo de 12 anos (2008-2019), segundo outro estudo do IDEA. Porém, ao menos 12 casos foram exceções. 

O IDEA elenca três fatores relacionados ao aumento do comparecimento nessas exceções: (1) o fortalecimento de arranjos especiais de votação, como o voto por correio ou o voto antecipado; (2) o contexto político, com disputas mais apertadas ou cruciais para o destino de uma região; e (3) o momento em que a eleição ocorreu, já que locais pouco afetados pela Covid-19 durante as eleições tiveram bom comparecimento (como na Eslováquia e em Togo).

No Brasil, há risco de redução no comparecimento. A Justiça Eleitoral pretende mitigar este problema e reduzir o risco aos eleitores implementando uma série de medidas, como a ampliação do horário de votação, horário preferencial para idosos, equipamentos de proteção para mesários e disponibilização de álcool em gel para eleitores. Contudo, tais medidas ficam aquém de alguns arranjos especiais descritos no relatório, que exigiriam transformações profundas no processo eleitoral brasileiro. 

Além disso, apesar da possibilidade do contexto político afetar eleições em algumas cidades, a disputa de 2020 não dá sinais de que isso seja generalizado (vale a ressalva de que, no Brasil, eleições locais têm um comparecimento maior do que as gerais). 

Quanto ao momento da eleição, apesar de passarmos por uma redução no número diário de casos e mortes pela Covid-19, a situação da pandemia ainda é grave. Pesquisas do Ibope em 13 municípios mostram que, levando em conta a situação da pandemia e as medidas de prevenção, entre 69% e 79% dos eleitores dizem que irão às urnas com certeza (número abaixo do comparecimento nacional em 2016, que foi de 82,4%), enquanto entre 15% e 24% afirmam ter dúvidas sobre seu comparecimento. 

As eleições em outros países e as pesquisas citadas ainda mostram que a queda não deve ser igual em todos os segmentos do eleitorado, o que pode influenciar no resultado de algumas disputas.

Figura: Percentual de eleitores que “com certeza comparecerá para votar”

E quanto aos resultados? 

Meses atrás, analistas identificaram um aumento substantivo na avaliação de líderes mundiais, atribuindo-o ao efeito de união nacional, no qual a população se une em torno de seus líderes num momento de crise. Damien Bol e coautores mostraram que um lockdown estava associado a aumento de intenção de voto para o partido do Primeiro-Ministro na Europa Ocidental, atribuindo-o a este efeito. 

Porém, ele não é sempre encontrado. Em estudo sobre as eleições locais na Baviera (Alemanha), Arndt Leininger e Max Schaub argumentam que a relação positiva entre o número de casos de Covid-19 e o voto no partido governante não refletia esse efeito, pois somente os candidatos da CSU (principal partido na região) se beneficiaram, enquanto outros partidos mandatários perderam votos.

Roberto Ramos e Carlos Sanz ainda chamam atenção para a duração deste efeito. Ao estudarem queimadas naturais na Espanha, o efeito positivo delas em votações de partidos da situação se restringiu aos meses mais próximos à eleição. Por aqui, já convivemos com a pandemia há vários meses. Apesar da melhora na avaliação de prefeitos e governadores no início deste período, há dúvidas se ele persiste e terá consequências nas urnas. 

Sobre o Brasil, George Avelino lançou duas hipóteses sobre fatores que devem favorecer prefeitos que buscam a reeleição: o maior destaque deles ao longo deste período, com resultados concretos para a população; e as restrições a campanhas presenciais, especialmente em municípios pequenos onde as interações face-a-face são mais importantes. 

Em análise neste Observatório, a partir das pesquisas de intenção de voto em algumas capitais, o professor Leonardo Avritzer identifica uma relação entre a chance de reeleição e o desempenho do prefeito no combate ao coronavírus.

De fato, trabalhos bem avaliados durante a pandemia devem ajudar mandatários neste ano, especialmente porque, mais uma vez, a saúde foi apontada como o principal problema dos municípios em pesquisas do Ibope em várias capitais brasileiras.

* Lucas Gelape é doutorando em Ciência Política pela USP e mestre pela UFMG. Foi pesquisador visitante (doutorado sanduíche) na Universidade Harvard.