Apoio do governador na eleição municipal: vale a pena?

Apoio do governador na eleição municipal: vale a pena?

Antes mesmo da finalização da apuração dos votos em São Paulo, o candidato a reeleição, Bruno Covas (PSDB), já fazia seu primeiro pronunciamento e dava início a sua campanha para o segundo turno, que já estava definido. A presença de João Doria ao lado de Bruno Covas, nessa ocasião, foi simbólica para o partido tucano.

A relação entre o atual prefeito paulistano e o governador teve aproximação em 2016, quando Covas foi vice de Doria na chapa vencedora à época. Quatro anos depois, Doria apadrinha a campanha de seu partidário para reeleição da sigla tucana na capital.

O caso, que traz envolvimento direto entre prefeito e governador, nos permite questionar a importância do governador para o sucesso de um prefeito em seu estado. Segundo a pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”, realizada pelo INCT/IDDC e pelo Cesop/Unicamp, ter o apoio do governador do estado parece ser importante para a decisão do voto.

Apenas 10% dos respondentes manifestaram que ter o apoio do governador não influencia o seu voto. E, se somarmos aqueles que poderiam votar ou que com certeza votariam num candidato apoiado pelo governador, chegamos a 50% das respostas.

Isso não significa que o partido do governador será vitorioso ou terá maior chance de sucesso, até porque 37% manifestam rejeição total a esse apoio. Mas o que os dados deixam claro é que o vínculo entre os dois cargos existe e é algo que precisamos considerar.

Entre as pessoas que não votariam de jeito nenhum em um candidato apoiado pelo governador, chama atenção que 54% não se identificam com nenhum partido político. Apesar da identificação partidária ser baixa no Brasil, essa não identificação associada a não vinculação do voto municipal com a indicação do governador acende uma luz de alerta para pensarmos possíveis estratégias partidárias nos pleitos posteriores. Afinal, em que medida é compensatório para uma candidatura municipal ter apoio da administração estadual e de seu partido?

O mesmo pode ser dito sobre a avaliação do governo para decisão do voto, um elemento bastante debatido na Ciência Política por sua capacidade de punir ou premiar os atuais gestores. Ainda de acordo com a pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”, quase 59% das pessoas que avaliam negativamente o governo estadual na gestão da pandemia declararam que não votariam de jeito nenhum em candidatos que têm o apoio do governador.

O resultado acima, que mais demonstra indiferença e até mesmo completa rejeição pelo apoio do governador do estado, provavelmente influenciou os resultados em 2020. Apesar de ainda termos 57 cidades com segundo turno, já conseguimos traçar algum panorama para explorar esse possível impacto. Desse total, temos o partido do governador no segundo turno em 18 municípios, pouco mais de 30%.

Dos 26 estados brasileiros, 11 deles tiveram o partido do governador como o maior em número de prefeituras em seu estado. Em 2016, o jogo foi mais equilibrado: 50% dos estados tiveram o partido de sua unidade federativa como o vencedor em prefeituras conquistadas. Ou seja, entre a indiferença e a rejeição, os dados do survey não trazem surpresas sobre o comportamento nas urnas e com o início das campanhas para o segundo turno.

O que também não surpreende é a análise a partir dos partidos que mais vencem prefeituras por estado. Para além de ser o partido com maior número de prefeitos eleitos em todo território, o MDB é também o que mais venceu estadualmente. Em 2016, o MDB teve o maior número de prefeituras conquistadas em 13 estados, com o PSDB logo em seguida com quatro estados. Já em 2020, o partido mais antigo do sistema partidário brasileiro caiu para oito estados com maior número de vitórias ao Executivo municipal, seguido pelo DEM com quatro e o PSD com três.

A aproximação com o partido do governador é uma variável importante para compreendermos a política municipal. Após as eleições estaduais, a migração para partido do candidato recém-eleito para o cargo tende a ocorrer – a fim de obter trânsito interno no partido e, assim, estreitar relações com governador e angariar maiores recursos ao seu município. Se a tendência a partir daqui for a mesma apresentada pelos dados, com queda do partido do governador em campanhas municipais, os prefeitos terão que realizar outra migração antes de concorrerem novamente em seus municípios.

Ainda vale chamar atenção para o apoio do governador poder ser para o mesmo partido, mas não necessariamente. Claro que, se seu partido estiver competindo, provavelmente ele que terá apoio do executivo estadual. Mas, para além disso, é preciso pensar o que apoios a outros partidos podem significar. Por que um partido “A” na cadeira de governador do estado apoiaria um partido “B” a nível municipal? A resposta talvez esteja nas movimentações para os pleitos futuros. E, por isso, nos mantemos atentos aos resultados do segundo turno e seguimos acompanhando o andamento das gestões locais até 2022, pelo menos.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%.

Abstenção e pandemia: qual a relação?

Abstenção e pandemia: qual a relação?

A apuração das eleições municipais de 2020 apontou 23,15% de abstenção. Este é o recorde de abstenção em eleições municipais, em um cenário de crescimento do não comparecimento que vinha ampliando-se desde 2012 e agora agravado pela pandemia de Covid-19.

Apesar do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, ter comemorado o índice, dizendo que esperava uma abstenção muito maior, os números mostram um aumento expressivo, que supera o ritmo de crescimento que vem sendo observado há anos.

No que tange as eleições municipais, o primeiro turno de 2020 registrou um aumento de 5% na abstenção, em contraposição a cerca de 2% entre 2008 e 2012 e 1% entre 2012 e 2016. Até 2008, a oscilação não era significativa.

Abstenção nas eleições municipais

Fonte: TSE

Enquanto a média nacional subiu de 17,58%, em 2016, para 23,15%, o aumento foi ainda mais significativo nas grandes cidades e nas regiões sul e sudeste.

Se analisarmos os maiores colégios eleitorais, chegamos a um aumento na casa de oito pontos percentuais. Em São Paulo, subiu de 21,84% para 28,30, no Rio de Janeiro foi de 24,28% para 32,79% e em Belo Horizonte de 21,66% para 28,34% – aumentos entre 6 e 8%.

No Nordeste, Salvador registrou um aumento de cinco pontos percentuais, de 21,25% para 26,46% e Fortaleza de quatro pontos, de 17,04% para 21,84%. Porto Alegre registrou a maior alta, de 22,51% para 33,08%.

Uma vez que o voto é secreto, fora a disposição geográfica da abstenção, não temos informações que permitam compreender o perfil das pessoas que deixaram de votar. Mas a pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, realizada entre 24 de outubro e 04 de novembro, pode nos dar algumas pistas.

Na ocasião, foi perguntado aos eleitores se eles poderiam deixar de votar por medo de contaminação. Com 95% de grau de confiança e 2.2% de margem de erro, 27 % dos respondentes afirmaram que sim. A pesquisa permite compreender como estas pessoas se distribuíam em relação à faixa etária, sexo, renda familiar, nível educacional e interesse por política.

Perfil

Como a pandemia coloca como grupo de risco a população acima de sessenta anos, já se esperava uma maior probabilidade de abstenção dentro deste grupo. Segundo a pesquisa, 32% da população nessa faixa etária declarou que poderia deixar de votar sem que, no entanto, se constatasse uma correlação entre as duas variáveis – idade e probabilidade de não votar por medo de contaminação. O percentual dos que admitiram não votar cresceu de 24% entre os jovens até 24 anos para 31% entre os brasileiros de 25 a 34 anos, mas volta a 24% entre aqueles de 45 a 59 anos e torna a subir para os acima de 60.

Quanto ao sexo, as mulheres se mostravam mais propensas ao não comparecimento (30%) do que os homens (25%).

A pesquisa mostrou ainda que a taxa da população que admitia não votar por medo de contaminação diminuía conforme aumentava a faixa de renda. Dentre aqueles com mais de dez salários mínimos, 19% afirmaram poder deixar de votar, proporção que chegava a 28% para aqueles com até um salário mínimo. A faixa de 1 a 2 salários mínimos apresentava o índice mais alto, com uma taxa de 33% de não comparecimento. É o que mostra a figura a seguir.

Fonte: TSE

Em relação à escolaridade, a imagem abaixo ilustra a diferença expressiva entre os grupos que cursaram até o ginásio – mais de 30% admitiam não votar – e aqueles com colegial (ensino médio) e superior completo – 22% e 24%, respectivamente.

Fonte: TSE

Por fim, quando olhamos para a região dos entrevistados, destacava-se o Centro-oeste, onde 34% dos eleitores afirmavam que poderiam não comparecer às urnas. Entre os eleitores das regiões sul e sudeste os percentuais recuavam para 25 e 26% respectivamente.

Para além do risco de contaminação: desinteresse na política?

Por mais que o risco da contaminação afete todas as pessoas, a pesquisa constatou uma relação entre o interesse pelas eleições e a propensão a não votar devido à pandemia. Entre aqueles que se mostravam pouco interessados, 36% admitia não votar com medo de contaminação. O valor é muito superior do que entre aqueles que afirmaram estar muito interessados, quando apenas 12% disseram que poderiam deixar de votar. Entre os interessados, a taxa foi de 19%.

O risco de contaminação parecia ser um problema maior para aqueles que, à época, não estavam interessados nas eleições. Vale ressaltar que na pesquisa, realizada faltando aproximadamente 15 dias para o primeiro turno, o percentual dos pouco interessados nas eleições municipais era de 53,3%.

A incerteza provocada pela pandemia provavelmente reforçou a tendência já observada de crescimento da abstenção. Soma-se a este cenário o contexto atual em que as campanhas políticas perderam muito de sua intensidade, dado que as ações de rua foram evitadas e até proibidas em alguns municípios.

Nota: Tratamos aqui da abstenção, que junto aos votos nulos e brancos, compõe o fenômeno da alienação eleitoral. Hoje, publicamos também neste Observatório uma análise sobre a marginalidade eleitoral, que trata da discrepância entre a população e a população eleitoral – e que chega a 16 milhões de pessoas, praticamente 10% da população. Somados, são cerca de da população que não está interferindo no processo eleitoral.

Auxílio Emergencial e Popularidade do Bolsonaro

Auxílio Emergencial e Popularidade do Bolsonaro

Fabiano Santos e Tiago Ventura*

Em inícios de abril, o Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação divulgou pesquisa na qual a avaliação bom e ótimo de Bolsonaro, em franco declínio, girava em torno de 25%. Ao longo dos meses seguintes, contudo, o presidente inicia uma lenta e consistente recuperação de sua imagem, recuperação que acaba por alçá-lo, segundo o último levantamento do projeto “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, de outubro, a algo em torno de 40% de avaliação positiva.

Analistas e cronistas da política brasileira, corretamente a princípio, relacionam tal subida aos efeitos que a política de auxílio emergencial, aprovada por iniciativa do Congresso e executada pelo governo, teria produzido na renda, psicologia e opinião de eleitores a partir de meados de maio.

Se a política de auxílio é sustentável e o que ocorrerá com a popularidade do Bolsonaro após seu eventual esvaziamento não podemos prever, só especular. Entretanto, é possível e desejável examinar os dados envolvendo o padrão de resposta a perguntas sobre popularidade e sua relação com o recebimento ou não do auxílio, assim como sua incidência por estrato de renda. Fazemos isso a seguir.

Nossa sugestão é que a variável “renda”, ausente dos comentários feitos até o momento sobre auxílio e popularidade, afeta tanto as chances de se receber o auxílio quanto de apoiar o presidente, como mostra a figura abaixo.

Os resultados levam a duas conclusões. Em primeiro lugar, não há, no estrato de renda inferior a dois salários mínimos diferença perceptível no apoio presidencial entre os que recebem ou não o auxílio. Dentre os respondentes que recebem até dois salários mínimos e recebem o auxílio, 33% consideram a administração de Jair Bolsonaro ótima ou boa, sendo que dentre os respondentes na mesma faixa de renda, mas que não recebem o auxílio, esta proporção é de 34%.

Mantendo o corte de renda e considerando o mesmo estrato (até dois salários), uma diferença também não significativa, e de magnitude pequena aparece entre aqueles que avaliam o governo como regular, ou péssimo. Portanto, receber ou não o auxílio emergencial, mantendo constante a faixa de renda, não afeta de forma robusta o apoio ao presidente Jair Bolsonaro.

As diferenças aparecem, todavia, onde menos se espera, vale dizer, nas faixas de renda média e alta. Entre os que recebem entre dois e dez salários mínimos e recebem o auxílio, há um crescimento na proporção de respondentes com avaliação negativa do governo. Por outro lado, há pouca variação entre os que não recebem o auxílio, oscilando entre 37%, 28%, e 35% dos respondentes se manifestando com uma avaliação do Bolsonaro ótima-boa, regular, ruim-péssima, respectivamente.

Tendência contrária, e isto é o mais interessante, aparece entre setores de renda alta. Neste caso, setores mais ricos que recebem o auxílio mostram forte apoio ao governo (53% dos respondentes neste grupo), e com uma diferença importante para os que não recebem (32%). Aqui é preciso alguma cautela com os dados. Em primeiro lugar, estamos diante de uma análise simples de proporção, com foco apenas em associação entre renda, recebimento do auxílio e apoio presidencial. Em segundo, trata-se somente de um retrato estático, uma fotografia do atual momento, sem parâmetro longitudinal comparativo, uma vez que a política de auxílio emergencial é muito recente

Feito o proviso, apresentamos hipótese até então não levantada e promissora para investigação futura. Mais do que efeito egotrópico no recebimento do auxílio emergencial, o que parecemos assistir é um processo de racionalização motivada por parte dos eleitores, sobretudo mais ricos, em relação ao auxílio. Explicamos.

Eleitores mais ricos, principais apoiadores de Jair Bolsonaro, parecem ser os únicos para quem o auxílio importa, uma vez diante de perguntas sobre avaliação do governo. Dado que o efeito econômico do auxílio nestes setores tende a ser diminuto, nossa hipótese é de que estes eleitores, já predispostos a apoiar o presidente, reforçam a associação entre receber o auxílio, ou conhecer pessoas que o recebem, e o apoio ao governo. O contrário acontece entre mais ricos e que avaliam o governo como ruim ou péssimo. Esperemos mais pesquisas, então.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%.

*Fabiano Santos (IESP-UERJ, Instituto da Democracia)
Tiago Ventura (University of Maryland, College Park)

Você prefere votar em mulheres ou em homens?

Você prefere votar em mulheres ou em homens?

Segundo a pesquisa “A cara da democracia: eleições 2020”, realizada pelo INCT/Instituto da Democracia, a preferência por votar em candidatas mulheres é maior entre as eleitoras do que entre os eleitores.

Questionadas sobre sua preferência por votar em mulheres ou em homens para a prefeitura de suas cidades, 27,1% das mulheres disseram preferir votar em mulheres, 25,4% disseram preferir votar em homens e 44,8% disseram que tanto faz. Entre os eleitores do sexo masculino, apenas 14,6% manifestaram a preferência por votar em mulheres e a preferência por votar em homens é de 25,2%, praticamente a mesma das eleitoras. A manifestação de indiferença, que entre eles sobe para 58,6%, pode indicar que é maior entre as mulheres a percepção de que as clivagens de gênero têm impacto na vida política e social.

Quando a mesma pergunta foi feita em relação ao cargo de vereador, as respostas tiveram uma pequena oscilação para cima na preferência de eleitores de ambos os sexos por votar em mulheres, indicando uma abertura um pouco maior no caso do Legislativo, assim como uma maior resistência a ligar as mulheres a posições de comando, em cargos executivos.

Gráfico 1: Preferência por votar em mulheres ou em homens, por sexo e cargo

A pesquisa também mediu o conservadorismo do eleitorado, perguntando se há concordância com a afirmação de que pessoas do mesmo sexo podem se casar. As mulheres mostraram uma postura mais liberal, manifestando sua concordância em 55,8% dos casos, enquanto entre os homens 47,7% disseram concordar.

Pudemos, também, verificar que entre as pessoas que concordam com o casamento homossexual, 25,5% disseram preferir votar em mulheres para a prefeitura e um percentual menor, de 18,5%, manifestou preferência por votar em homens. Já entre quem disse ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o percentual dos que preferem votar em homens é mais que o dobro do daqueles que preferem votar em mulheres – 34,2% no primeiro caso, 16,9% no segundo.

Há, assim, dois elementos que precisam ser considerados: um é que o conservadorismo é maior entre os homens; o outro é que a pesquisa capta uma relação entre ser conservador e preferir votar em homens.

Apesar disso, a religião não apareceu como uma variável forte na escolha por votar em homens ou em mulheres, uma vez que a maioria do eleitorado, independentemente de sua crença, respondeu que “tanto faz” – para ser mais precisa, no caso dos católicos foram 49% tanto no caso da prefeitura, quanto da vereança. Mas a preferência por votar em homens é maior entre católicos e evangélicos, manifestada por quase 30% das pessoas nos dois casos, contra cerca de 20% de preferências por votar em mulheres. Já entre espíritas, seguidores de outras religiões e aqueles que declararam não ter religião, a preferência é pelas mulheres, superando a preferência pelos homens em até 10 pontos percentuais. Assim, é na maioria cristã que o viés favorável aos homens é mais evidente.

Outro elemento que permite compreender o perfil do eleitorado é o voto nas últimas eleições presidenciais. Ele indica que a abertura para eleger mulheres é maior à esquerda do que à direita do espectro ideológico. Entre as pessoas que em 2018 votaram no candidato de extrema-direita (à época filiado ao PSL), uma fatia de 30,7% prefere votar em homens, apenas 15,9% dizem preferir votar em mulheres. Já entre as pessoas que votaram no candidato de centro-esquerda (PT), a preferência por votar em mulheres chega a 28,6%, e supera a preferência por votar em homens, que é de 23,5%, como se pode verificar no gráfico abaixo.

Gráfico 2: Preferência por votar em mulheres ou em homens, de acordo com o voto em Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad no segundo turno das eleições, em 2018

A pesquisa “A cara da democracia: eleições 2020” mostra, assim que não temos razões para presumir que eleitores e eleitoras se recusem a votar em mulheres. Há, no entanto, a indicação de que eleitores mais conservadores e que se posicionam à direita no espectro ideológico tendem a preferir votar em homens. E que esses são, em sua maioria, eleitores do sexo masculino. Por outro lado, é entre as mulheres que encontramos uma visão mais liberal em termos morais, que captamos com a pergunta sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como uma disposição maior para votar em candidatas mulheres.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%.

Juntas e misturadas: política e religião no Brasil 2020

Juntas e misturadas: política e religião no Brasil 2020

Oswaldo E. do Amaral e Monize Arquer*

Em tempos de polarização ideológica em vários países, o mantra “política e religião não se discutem” voltou a ser dito em várias reuniões de família como forma de evitar aquela briga desagradável que separa irmãos, primos, etc., e acaba com a festa muitas vezes antes mesmo da sobremesa. Em 2017, pesquisadores nos EUA chegaram a demonstrar que a tradicional reunião do Dia de Ação de Graças por lá tendia a durar de 20 a 30 minutos menos quando as famílias misturavam republicanos e democratas.

Apesar do mantra e das boas intenções dos que não querem ver as reuniões de família consumidas por discussões intermináveis e nem sempre amistosas, cada vez mais política e religião estão conectadas no Brasil e sua relação deve ser discutida e analisada. Neste espaço, por exemplo, já mostramos como vem crescendo o número de candidatos que utilizam títulos religiosos (pastor, bispa, padre, etc.) na identificação de urna. Em tempos de campanhas eleitorais cada vez mais curtas, esse aumento indica que os candidatos julgam ser importante comunicar essa informação para o eleitor tomar sua decisão.

Uma série de trabalhos acadêmicos mostra que há alguns padrões de comportamento político e eleitoral específicos entre alguns grupos religiosos. Em 2018, por exemplo, o então candidato Jair Bolsonaro recebeu o apoio das principais lideranças evangélicas do país e foi muito bem votado nesse segmento. Estudos mostraram que ser evangélico dobrava a chance de votar em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais com relação aos católicos. Para além disso, pesquisas realizadas pelo Ibope durante a eleição presidencial e disponíveis no banco de dados do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp mostraram também que o antipetismo era maior entre os evangélicos do que entre os católicos.

Pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”

E em 2020? É possível distinguir preferências políticas a partir da filiação religiosa dos entrevistados? Tentamos responder a essa pergunta usando a recente pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”, realizada pelo INCT – Democracia e Democratização das Comunicações, um consórcio de universidades e pesquisadores financiado pelo CNPq e pela Fapemig. A pesquisa foi realizada com dois mil entrevistados em todo o Brasil entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro, e possui margem de erro de 2,2 pontos percentuais e Índice de Confiança de 95%.

Apoio ao Governo Bolsonaro é maior entre evangélicos

Começamos com aspectos relativos às eleições de 2020. Perguntados se poderiam votar em um candidato para prefeito indicado pelo ex-presidente Lula, 42% dos católicos (51% do total da amostra) e 52% dos evangélicos (23% do total) disseram que não votariam de jeito nenhum em uma pessoa indicada pelo líder petista. Quando o cabo eleitoral foi Jair Bolsonaro, o sentido se inverteu: 36% dos evangélicos e 47% dos católicos declararam que não seguiriam de forma alguma uma indicação do atual presidente.

Lógica semelhante foi encontrada no nível de aprovação da administração Bolsonaro: entre os evangélicos, o governo contou com a aprovação de 52% e, entre os católicos, de 42%.

Já com relação à preferência partidária, os evangélicos mostraram-se menos identificados com o PT do que os católicos, sendo o partido o mais mencionado entre os eleitores de uma maneira geral (16%). Entre os primeiros, 10% afirmou ser o PT o seu partido favorito e, no segundo grupo, a porcentagem foi de 17%.

O PT foi também o partido que mais foi citado quando os eleitores foram perguntados sobre a agremiação política de que menos gostavam (26%). Entre os católicos, a porcentagem foi de 25% e, entre os evangélicos, de 31%.

Com os dados de que dispomos, é possível afirmar que a religião continua sendo um componente que influencia a preferência dos eleitores e ajuda a explicar a política brasileira. Ao que parece, os padrões identificados a partir da última disputa presidencial continuam vigentes. Os eleitores evangélicos, em comparação com os católicos (os dois grandes grupos religiosos do país), continuam a apoiar mais o presidente Jair Bolsonaro e seu governo, e a rejeitar em maior porcentagem o PT e o ex-presidente Lula.

Conservadorismo social?

A influência de condições sociais sobre o comportamento eleitoral não é novidade na Ciência Política, e a religião não seria uma exceção. O fato dos eleitores escolherem candidatos que defendam suas demandas está diretamente ligado ao princípio da representatividade. Por exemplo, quando perguntados se pessoas do mesmo sexo poderiam se casar, 64% dos evangélicos discordaram, enquanto a porcentagem geral entre os entrevistados foi de 40%. Natural, então, que essa seja uma questão que preocupe os eleitores evangélicos em maior proporção do que os católicos.

Mas, se por um lado há a importância do princípio representativo de atender demandas específicas da população, por outro também é importante verificar os limites dessas demandas, principalmente quando tratamos de questões relacionadas à moralidade, algo que se relaciona diretamente com princípios religiosos. Isso porque, partindo do princípio da laicidade do Estado, presente na Constituição Federal de 1988, é importante ficarmos atentos para que pautas morais relativas à vida privada não levem a políticas públicas universais que privem ou limitem a liberdade e os direitos da população.

Ao defender uma visão tradicional de família e adotar uma postura conservadora nos costumes, o governo Bolsonaro e as bancadas religiosas parecem conseguir mobilizar e responder a uma parcela importante da sociedade. Se essa postura será capaz de criar uma identidade política duradoura entre alguns grupos ainda é cedo para dizer. Por agora, parece suficiente concluir que política e religião estão juntas e misturadas o bastante para atrapalharem muitos encontros de família e que muitas sobremesas ficarão intocadas – uma pena.

Oswaldo E. do Amaral é professor de Ciência Política na Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição.
Monize Arquer é doutora em Ciência Política pela Unicamp, com período sanduíche na Universidade de Oxford, e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop – Unicamp). Atua em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC.

Nota metodológica: todas as diferenças porcentuais mencionadas no texto são estatisticamente significativas a 95%. Os católicos representam 51% do total de respondentes e os evangélicos, 23% do total.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%. Todas as diferenças percentuais mencionadas no texto são estatisticamente significativas a 95%. Os católicos representam 51% do total de respondentes e os evangélicos, 23% do total.

Não votaria “de jeito nenhum”: Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais

Não votaria “de jeito nenhum”: Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais

Carlos Ranulfo Melo*

Qual a influência de Lula e Bolsonaro sobre os eleitores nessa eleição? Com base em pesquisa nacional realizada pelo projeto “A cara da democracia: eleições 2020”, este artigo compara o desempenho dos dois líderes como cabos eleitorais. A pesquisa foi realizada por telefone, entre 24 e 30 de outubro, entrevistou duas mil pessoas e tem margem de erro de 2,2%.

Para avaliar a influência de Lula e Bolsonaro foi utilizada a seguinte pergunta: “Pensando na eleição para prefeito, o sr.(a) votaria em um candidato apoiado por________”? A figura a seguir mostra o resultado.

Como se percebe, a diferença é pequena, ainda que Lula se saia um pouco melhor – 23,4% disseram que votariam com certeza, enquanto 19,6% fariam o mesmo sob a influência de Bolsonaro. Agregando-se a este percentual o dos que “poderiam votar”, Lula chega a 47,9% e Bolsonaro a 43,5%. Por outro lado, 44,5% não votariam “de jeito nenhum” em um nome indicado pelo petista e 48,5% teriam o mesmo comportamento diante de uma indicação do atual presidente.

Nas duas figuras seguintes, é analisado o perfil dos que afirmaram não votar “de jeito nenhum” em um candidato apoiado por Lula ou por Bolsonaro. Ao se levar em conta a distribuição dos entrevistados por região do país, idade, sexo, educação e renda, percebe-se que onde Lula se sai melhor é justamente onde Bolsonaro tem mais dificuldades.

A próxima figura tem como objetivo evidenciar o contraste, utilizando, para tanto, o percentual dos que não votariam em candidatos apoiados por Lula ou Bolsonaro no Nordeste, entre os jovens de 16 a 24 anos, entre as mulheres, entre os que têm renda familiar de até dois salários mínimos e entre os que chegaram a completar o ginásio.

No Nordeste, Lula tem sua menor rejeição: 31,9% afirmam não votar de jeito nenhum em um candidato por ele indicado, enquanto 60,8% votariam ou poderiam votar. Já Bolsonaro encontra maior resistência: 54,5% rejeitariam sua indicação, enquanto 39,1% votariam ou poderiam votar. Nas demais regiões, o percentual dos que rejeitam uma indicação de Lula varia entre 46% e 50%. Bolsonaro tem melhor trânsito no Centro-Oeste, onde 58,4% dos entrevistados votariam ou poderiam votar e 39,1% não o fariam de forma alguma.

Dentre os jovens (16-24 anos), 60,4% rejeitariam uma indicação de Bolsonaro – a rejeição diminui entre os mais velhos, com pouca variação entre as faixas de idade. Nessa mesma faixa etária encontra-se o público mais receptivo a Lula: 59% votariam ou poderiam votar, enquanto 33,2% não o fariam. A rejeição sobe com a idade, ainda que não o faça linearmente, e aqueles com mais de 60 anos são os mais arredios ao petista.

Também quando se considera o sexo, opera-se uma inversão. A rejeição de Lula entre as mulheres é de 40,5% e entre os homens de 48,8%. Para Bolsonaro os percentuais são de 53,7% e 43,1% respectivamente.

Entre aqueles cuja renda familiar vai até dois salários, 53,5% não seguiriam uma indicação de Bolsonaro e 41,1% fariam o mesmo no caso de Lula. A situação se inverte quando são considerados aqueles com mais de dez salários: a rejeição a Bolsonaro diminui em 16,1 pontos percentuais enquanto a de Lula cresce 9,1 pontos. As trajetórias são lineares; a cada faixa de renda a rejeição sobe ou desce, a depender do caso.

Por fim, o quadro se repete com a variável educação. Entre os que cursaram até o ginásio, 40% não votariam com Lula. A partir daí a rejeição cresce e chega 49,2% daqueles com  ensino superior (mesmo incompleto). Dentre os de menor nível educacional, 52,1% não aceitariam uma indicação de Bolsonaro, mas 47,7% o fariam entre aqueles com ensino superior.

Na próxima figura, são levados em conta aspectos políticos ou comportamentais dos entrevistados. Como seria de se esperar, 72,9% dos que não votariam de jeito nenhum com Lula, estiveram com Bolsonaro na eleição de 2018. O que chama a atenção é que dentre os eleitores do atual presidente da República, 20,1% já o descartam como cabo eleitoral.

O quadro é semelhante quando se considera a aprovação do governo Bolsonaro ou sua atuação frente à pandemia. Entre os que rejeitam Lula, 64,2% aprovam o governo e 46,9% consideram ótima ou boa a atuação de Bolsonaro no enfrentamento da COVID 19. Para efeito de comparação, os dados gerais da pesquisa indicam uma aprovação de 40,6% do governo, enquanto 31,2% classificaram sua atuação na pandemia como ótima ou boa. Entre os que não votariam em um candidato indicado por Bolsonaro, 12,6% aprovam o governo e 9,7% a condução das ações na pandemia.

Por fim, as duas últimas colunas mostram que os que rejeitam Lula compõem um conjunto mais autoritário e conservador. Quando considerados todos os entrevistados, 22,2% consideram justificado um golpe de estado em caso de muita corrupção no país;  entre os que rejeitam Lula o percentual sobe para 30,3% e entre os que não votariam com Bolsonaro cai para 15,4%.

Perguntados sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, 43,5% dos entrevistados discordaram e 56,5% concordaram. Entre os que rejeitam Lula a discordância sobe para 52,1%. Entre os que não votariam no candidato de Bolsonaro, ela cai para 29,2%.

Para além do contraste evidenciado em todos os aspectos aqui examinados, os dados mostram a dificuldade encontrada por Bolsonaro no Nordeste e entre a população de menor nível educacional e mais pobre. Uma última evidência nesse sentido: entre quem teve alguém da família beneficiado por pelo menos uma parcela do auxílio emergencial, 51,2% rejeitariam uma indicação de Bolsonaro, enquanto 41% fariam o mesmo com Lula.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2011. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%.