Esquerda, centro ou direita? Como classificar os partidos no Brasil

Esquerda, centro ou direita? Como classificar os partidos no Brasil

É comum que dúvidas sejam levantadas sobre se um partido político insere-se no campo da esquerda ou da direita. Especialmente no caso brasileiro a resposta para esse problema é ainda mais complexa, dada a quantidade de legendas que competem nas eleições, atualmente 33 partidos.

Algumas soluções são possíveis. Há cientistas políticos que optam por perguntar para os parlamentares onde estes posicionam seus próprios partidos e os partidos dos adversários na escala esquerda-centro-direita.

Outra opção frequente é analisar a composição social do partido, quem são seus quadros e o perfil dos seus eleitores. Partidos que tendem a ter entre seus eleitos empresários estão mais próximos da direita, ao passo que partidos que elegem mais trabalhadores estão mais perto da esquerda.

Há quem prefira analisar a votação dos deputados em matérias específicas que separam as posições de esquerda e direita. Partidos que apoiam privatizações e redução de impostos tendem a ser considerados dentro do espectro da direita. Já aqueles que votam em matérias que defendem o papel do Estado na regulação da economia estariam na esquerda.

Existe ainda quem olhe para como o partido se comporta na eleição, com quem faz alianças: se com mais parceiros de um lado do que de outro do espectro ideológico. Ou quem olhe para o que os partidos dizem de si mesmos através de seus manifestos ou programas de governo.

Uma forma de entender ideologicamente os partidos é também olhar para seus financiadores. Partidos que possuem suas receitas advindas de sindicatos de trabalhadores, por exemplo, estão mais à esquerda do que legendas que recebem doações de associações religiosas, que tendem a estar ligadas à centro-direita. A crítica é que tais classificações são quase sempre realizadas para partidos europeus ou americanos e desconsideram as especificidades do Brasil.

Mas o problema principal é que não há partido que seja absolutamente coerente em suas posições, assim como a maioria dos seres humanos. Então os cientistas políticos costumam criar classificações intermediárias como centro-direita ou centro-esquerda. Há posições predominantes (e não exclusivas) vinculadas mais à direita no primeiro caso e mais à esquerda no segundo. Já os partidos de centro seriam aqueles que mesclam posições ora mais à direita, ora mais à esquerda, sem que ocorra o domínio de uma visão de mundo sobre a outra.

Para solucionar este tipo de dilema, onde exatamente os partidos políticos se posicionam, nós resolvemos perguntar para quem estuda, escreve e publica sobre partidos políticos: os próprios cientistas políticos.

Aplicamos então um questionário para 519 cientistas políticos, residentes no país e no exterior. A pesquisa foi realizada em julho de 2018, antes da campanha eleitoral daquele ano. A partir da resposta de cada um deles para os então 35 partidos existentes no Brasil fizemos a média da posição ideológica dessas legendas. Os respondentes foram instados a classificar os partidos em uma escala de zero a dez, em que zero representava a posição mais à esquerda e dez, mais à direita. As posições de cada partido aparecem na figura abaixo:

A pesquisa foi realizada pelo Laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários da UFPR e enseja alguns comentários. O primeiro é que, no momento da pesquisa, o presidente Jair Bolsonaro flertava com o Patriota, o que explica a posição deste sobreposta ao partido mais à direita da escala, o DEM e, também, uma posição mais moderada do PSL.

Quando foi feito o levantamento, a Unidade Popular (UP) não havia sido fundada. Posteriormente, o PRP foi incorporado ao Patriota, o PPL ao PCdoB e o PHS ao Podemos. Além disso, posteriormente a essa pesquisa houveram algumas mudanças de nomes em partidos: o PMDB mudou o nome para MDB, o PPS para Cidadania, e o PR hoje é PL.

Ainda que contemos com a valiosa contribuição da comunidade de Ciência Política, não sustentamos que erros ou equívocos não apareçam nos resultados. O que podemos afirmar é que a pesquisa com experts através de survey apresenta vantagens como contar com conhecimento especializado e despreocupado com pressões políticas como eleições ou votações legislativas. Essa metodologia possui alta validade. Quando comparada com outros métodos para mensurar ideologia, apresenta resultado semelhante.

Por fim, é interessante observar que a o espaço à direita é muito mais povoado do que o lado oposto. Isso não só dificulta posicionar ali os partidos, mas revela também uma indiferenciação muito maior entre as legendas à direita do que entre as que estão no centro e na esquerda.

Nota: Os autores agradecem a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) pelo apoio à pesquisa.

Bruno Bolognesi é cientista político e professor na UFPR
Ednaldo A. Ribeiro é cientista político e professor na UEM
Adriano Codato é cientista político e professor na UFPR

Apoio do governador na eleição municipal: vale a pena?

Apoio do governador na eleição municipal: vale a pena?

Antes mesmo da finalização da apuração dos votos em São Paulo, o candidato a reeleição, Bruno Covas (PSDB), já fazia seu primeiro pronunciamento e dava início a sua campanha para o segundo turno, que já estava definido. A presença de João Doria ao lado de Bruno Covas, nessa ocasião, foi simbólica para o partido tucano.

A relação entre o atual prefeito paulistano e o governador teve aproximação em 2016, quando Covas foi vice de Doria na chapa vencedora à época. Quatro anos depois, Doria apadrinha a campanha de seu partidário para reeleição da sigla tucana na capital.

O caso, que traz envolvimento direto entre prefeito e governador, nos permite questionar a importância do governador para o sucesso de um prefeito em seu estado. Segundo a pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”, realizada pelo INCT/IDDC e pelo Cesop/Unicamp, ter o apoio do governador do estado parece ser importante para a decisão do voto.

Apenas 10% dos respondentes manifestaram que ter o apoio do governador não influencia o seu voto. E, se somarmos aqueles que poderiam votar ou que com certeza votariam num candidato apoiado pelo governador, chegamos a 50% das respostas.

Isso não significa que o partido do governador será vitorioso ou terá maior chance de sucesso, até porque 37% manifestam rejeição total a esse apoio. Mas o que os dados deixam claro é que o vínculo entre os dois cargos existe e é algo que precisamos considerar.

Entre as pessoas que não votariam de jeito nenhum em um candidato apoiado pelo governador, chama atenção que 54% não se identificam com nenhum partido político. Apesar da identificação partidária ser baixa no Brasil, essa não identificação associada a não vinculação do voto municipal com a indicação do governador acende uma luz de alerta para pensarmos possíveis estratégias partidárias nos pleitos posteriores. Afinal, em que medida é compensatório para uma candidatura municipal ter apoio da administração estadual e de seu partido?

O mesmo pode ser dito sobre a avaliação do governo para decisão do voto, um elemento bastante debatido na Ciência Política por sua capacidade de punir ou premiar os atuais gestores. Ainda de acordo com a pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”, quase 59% das pessoas que avaliam negativamente o governo estadual na gestão da pandemia declararam que não votariam de jeito nenhum em candidatos que têm o apoio do governador.

O resultado acima, que mais demonstra indiferença e até mesmo completa rejeição pelo apoio do governador do estado, provavelmente influenciou os resultados em 2020. Apesar de ainda termos 57 cidades com segundo turno, já conseguimos traçar algum panorama para explorar esse possível impacto. Desse total, temos o partido do governador no segundo turno em 18 municípios, pouco mais de 30%.

Dos 26 estados brasileiros, 11 deles tiveram o partido do governador como o maior em número de prefeituras em seu estado. Em 2016, o jogo foi mais equilibrado: 50% dos estados tiveram o partido de sua unidade federativa como o vencedor em prefeituras conquistadas. Ou seja, entre a indiferença e a rejeição, os dados do survey não trazem surpresas sobre o comportamento nas urnas e com o início das campanhas para o segundo turno.

O que também não surpreende é a análise a partir dos partidos que mais vencem prefeituras por estado. Para além de ser o partido com maior número de prefeitos eleitos em todo território, o MDB é também o que mais venceu estadualmente. Em 2016, o MDB teve o maior número de prefeituras conquistadas em 13 estados, com o PSDB logo em seguida com quatro estados. Já em 2020, o partido mais antigo do sistema partidário brasileiro caiu para oito estados com maior número de vitórias ao Executivo municipal, seguido pelo DEM com quatro e o PSD com três.

A aproximação com o partido do governador é uma variável importante para compreendermos a política municipal. Após as eleições estaduais, a migração para partido do candidato recém-eleito para o cargo tende a ocorrer – a fim de obter trânsito interno no partido e, assim, estreitar relações com governador e angariar maiores recursos ao seu município. Se a tendência a partir daqui for a mesma apresentada pelos dados, com queda do partido do governador em campanhas municipais, os prefeitos terão que realizar outra migração antes de concorrerem novamente em seus municípios.

Ainda vale chamar atenção para o apoio do governador poder ser para o mesmo partido, mas não necessariamente. Claro que, se seu partido estiver competindo, provavelmente ele que terá apoio do executivo estadual. Mas, para além disso, é preciso pensar o que apoios a outros partidos podem significar. Por que um partido “A” na cadeira de governador do estado apoiaria um partido “B” a nível municipal? A resposta talvez esteja nas movimentações para os pleitos futuros. E, por isso, nos mantemos atentos aos resultados do segundo turno e seguimos acompanhando o andamento das gestões locais até 2022, pelo menos.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%.

PT X PSL: o efeito das eleições presidenciais na disputa local

PT X PSL: o efeito das eleições presidenciais na disputa local

As eleições municipais tendem a colocar em evidência os partidos que disputaram a eleição presidencial anterior. Não por acaso, estuda-se o fenômeno da “presidencialização das disputas”, ou seja, avalia-se nas disputas de menor nível, como nos municípios, a importância dos principais partidos da corrida para a Presidência da República, especialmente os que foram adversários no segundo turno.

A fim de pensarmos a construção dos dois partidos mais fortes eleitoralmente em 2018, analisamos como se deram suas alianças até a disputa que os marcou. Avaliamos as coligações construídas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Social Liberal (PSL) para concorrer às prefeituras brasileiras entre 2012 e 2020. Pelos dados, é possível observar que a disputa de 2018 é um divisor de águas nas estratégias traçadas pelas siglas.

O PT, para além de triplicar suas candidaturas solitárias entre 2016 e 2020 (de 213 candidaturas solitárias para 649), também diminuiu sua participação em coligações alheias. O partido opta por especial cuidado quando se leva em consideração o PSL. O inverso também ocorre, como é possível observar no Gráfico 1.

Gráfico 1. Porcentagem de candidaturas do PT e do PSL nas quais houve aliança entre os dois partidos

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os partidos que disputaram a presidência em 2018 demonstram, dois anos depois, a importância do pleito municipal para construção de suas trincheiras. A aparente indiferença entre os partidos nos anos anteriores teve um contraponto estratégico no ano de 2020. Em 2016, o PT admitia o PSL como parceiro de coligação em 9,5% de suas candidaturas; em 2020, este número caiu para 0,5%. O PSL, por sua vez, fez aliança com os petistas em 28,5% de suas candidaturas em 2016; em 2020, este número passou para 1%.

Os dados ainda são prematuros para quaisquer conclusões, mas já apontam um novo movimento nos sistemas partidários municipais em 2020. Ainda que não possa mais contar com aquele que antes era seu principal filiado, o presidente Jair Bolsonaro, o PSL emergiu como ator fundamental nas eleições deste ano – triplicando suas candidaturas enquanto cabeça de chapa apoiado por outros partidos (de 105 candidaturas para 349). Além do natural crescimento após êxito na eleição de maior importância no país, os dados demonstram que as coligações do PSL com o PT, ainda que existam, são raras.

Vale ressaltar que todos os municípios onde os dois partidos se aliaram possuem menos de 200 mil eleitores, ou seja, não têm possibilidade de segundo turno. São territórios de menor exposição nacional para as siglas, logo, de menor desgaste frente ao eleitorado.

A orientação mais criteriosa que ambos os partidos estabeleceram para as coligações entre si é importante para avaliarmos as pretensões das siglas frente ao eleitorado. Um alto número de alianças entre PT e PSL provavelmente seria alvo de críticas não apenas em 2020, mas com repercussões nos próximos pleitos. Nesse cenário hipotético de aproximação, não haveria vencedores. O afastamento, portanto, era a saída mais viável para o fortalecimento dos dois partidos enquanto líderes dos campos que se propõem a representar.

*Henrique Curi é doutorando em Ciência Política no IFCH-Unicamp e integra o Grupo de Estudos em Política Brasileira (PolBras/CESOP-Unicamp).
Otávio Z. Catelano é mestrando em Ciência Política no IFCH-Unicamp, membro do PolBras/CESOP-Unicamp e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Juntas e misturadas: política e religião no Brasil 2020

Juntas e misturadas: política e religião no Brasil 2020

Oswaldo E. do Amaral e Monize Arquer*

Em tempos de polarização ideológica em vários países, o mantra “política e religião não se discutem” voltou a ser dito em várias reuniões de família como forma de evitar aquela briga desagradável que separa irmãos, primos, etc., e acaba com a festa muitas vezes antes mesmo da sobremesa. Em 2017, pesquisadores nos EUA chegaram a demonstrar que a tradicional reunião do Dia de Ação de Graças por lá tendia a durar de 20 a 30 minutos menos quando as famílias misturavam republicanos e democratas.

Apesar do mantra e das boas intenções dos que não querem ver as reuniões de família consumidas por discussões intermináveis e nem sempre amistosas, cada vez mais política e religião estão conectadas no Brasil e sua relação deve ser discutida e analisada. Neste espaço, por exemplo, já mostramos como vem crescendo o número de candidatos que utilizam títulos religiosos (pastor, bispa, padre, etc.) na identificação de urna. Em tempos de campanhas eleitorais cada vez mais curtas, esse aumento indica que os candidatos julgam ser importante comunicar essa informação para o eleitor tomar sua decisão.

Uma série de trabalhos acadêmicos mostra que há alguns padrões de comportamento político e eleitoral específicos entre alguns grupos religiosos. Em 2018, por exemplo, o então candidato Jair Bolsonaro recebeu o apoio das principais lideranças evangélicas do país e foi muito bem votado nesse segmento. Estudos mostraram que ser evangélico dobrava a chance de votar em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais com relação aos católicos. Para além disso, pesquisas realizadas pelo Ibope durante a eleição presidencial e disponíveis no banco de dados do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp mostraram também que o antipetismo era maior entre os evangélicos do que entre os católicos.

Pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”

E em 2020? É possível distinguir preferências políticas a partir da filiação religiosa dos entrevistados? Tentamos responder a essa pergunta usando a recente pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”, realizada pelo INCT – Democracia e Democratização das Comunicações, um consórcio de universidades e pesquisadores financiado pelo CNPq e pela Fapemig. A pesquisa foi realizada com dois mil entrevistados em todo o Brasil entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro, e possui margem de erro de 2,2 pontos percentuais e Índice de Confiança de 95%.

Apoio ao Governo Bolsonaro é maior entre evangélicos

Começamos com aspectos relativos às eleições de 2020. Perguntados se poderiam votar em um candidato para prefeito indicado pelo ex-presidente Lula, 42% dos católicos (51% do total da amostra) e 52% dos evangélicos (23% do total) disseram que não votariam de jeito nenhum em uma pessoa indicada pelo líder petista. Quando o cabo eleitoral foi Jair Bolsonaro, o sentido se inverteu: 36% dos evangélicos e 47% dos católicos declararam que não seguiriam de forma alguma uma indicação do atual presidente.

Lógica semelhante foi encontrada no nível de aprovação da administração Bolsonaro: entre os evangélicos, o governo contou com a aprovação de 52% e, entre os católicos, de 42%.

Já com relação à preferência partidária, os evangélicos mostraram-se menos identificados com o PT do que os católicos, sendo o partido o mais mencionado entre os eleitores de uma maneira geral (16%). Entre os primeiros, 10% afirmou ser o PT o seu partido favorito e, no segundo grupo, a porcentagem foi de 17%.

O PT foi também o partido que mais foi citado quando os eleitores foram perguntados sobre a agremiação política de que menos gostavam (26%). Entre os católicos, a porcentagem foi de 25% e, entre os evangélicos, de 31%.

Com os dados de que dispomos, é possível afirmar que a religião continua sendo um componente que influencia a preferência dos eleitores e ajuda a explicar a política brasileira. Ao que parece, os padrões identificados a partir da última disputa presidencial continuam vigentes. Os eleitores evangélicos, em comparação com os católicos (os dois grandes grupos religiosos do país), continuam a apoiar mais o presidente Jair Bolsonaro e seu governo, e a rejeitar em maior porcentagem o PT e o ex-presidente Lula.

Conservadorismo social?

A influência de condições sociais sobre o comportamento eleitoral não é novidade na Ciência Política, e a religião não seria uma exceção. O fato dos eleitores escolherem candidatos que defendam suas demandas está diretamente ligado ao princípio da representatividade. Por exemplo, quando perguntados se pessoas do mesmo sexo poderiam se casar, 64% dos evangélicos discordaram, enquanto a porcentagem geral entre os entrevistados foi de 40%. Natural, então, que essa seja uma questão que preocupe os eleitores evangélicos em maior proporção do que os católicos.

Mas, se por um lado há a importância do princípio representativo de atender demandas específicas da população, por outro também é importante verificar os limites dessas demandas, principalmente quando tratamos de questões relacionadas à moralidade, algo que se relaciona diretamente com princípios religiosos. Isso porque, partindo do princípio da laicidade do Estado, presente na Constituição Federal de 1988, é importante ficarmos atentos para que pautas morais relativas à vida privada não levem a políticas públicas universais que privem ou limitem a liberdade e os direitos da população.

Ao defender uma visão tradicional de família e adotar uma postura conservadora nos costumes, o governo Bolsonaro e as bancadas religiosas parecem conseguir mobilizar e responder a uma parcela importante da sociedade. Se essa postura será capaz de criar uma identidade política duradoura entre alguns grupos ainda é cedo para dizer. Por agora, parece suficiente concluir que política e religião estão juntas e misturadas o bastante para atrapalharem muitos encontros de família e que muitas sobremesas ficarão intocadas – uma pena.

Oswaldo E. do Amaral é professor de Ciência Política na Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição.
Monize Arquer é doutora em Ciência Política pela Unicamp, com período sanduíche na Universidade de Oxford, e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop – Unicamp). Atua em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC.

Nota metodológica: todas as diferenças porcentuais mencionadas no texto são estatisticamente significativas a 95%. Os católicos representam 51% do total de respondentes e os evangélicos, 23% do total.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%. Todas as diferenças percentuais mencionadas no texto são estatisticamente significativas a 95%. Os católicos representam 51% do total de respondentes e os evangélicos, 23% do total.

O poder das regras: menos partidos nas eleições de 2020

O poder das regras: menos partidos nas eleições de 2020

O alto número de partidos no Brasil é um assunto que faz parte das conversas cotidianas sobre política. Recentemente, o Congresso aprovou o fim das coligações para eleições proporcionais (Emenda Constitucional 97/2017), uma medida que tem potencial para reduzir o número de partidos ao longo dos anos, como expôs Jairo Nicolau em texto publicado no Observatório das Eleições/UOL.

As coligações para eleições proporcionais funcionavam de maneira que os votos de partidos coligados fossem somados. Assim, partidos pequenos podiam fazer alianças para sobreviverem na política. Com o fim dessa possibilidade, candidatas (os) a cargos proporcionais – vereadoras (es), por exemplo – tendem a concentrar suas forças em poucos partidos.

Gráfico 1. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O Gráfico 1 mostra a média do número de partidos disputando cargos de vereadoras (es) nos municípios brasileiros nos anos de 2012, 2016 e 2020. Neste ano, observa-se uma redução drástica dessa média, o que mostra a força da nova regra. No entanto, há diferenças entre municípios grandes e pequenos. Aplicando o corte de 200 mil eleitoras (es) – número utilizado pelo TSE para definir quais municípios terão segundo turno na disputa para prefeita (o) –, é possível observar que as cidades que ultrapassam esta marca têm uma média mais alta de partidos na disputa.

Gráfico 2. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município – Recorte: 200 mil eleitoras (es)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No Gráfico 2, nota-se que nos municípios maiores o número médio de partidos disputando cargos das Câmaras Municipais também passou por redução em 2020, mas ainda assim é mais alto que o observado em municípios menores. Uma das explicações para este fenômeno está no limite de candidaturas por chapa: para o cargo de vereador (a), cada partido só pode lançar um número de candidaturas que corresponda a 150% do número de vagas disponíveis (segundo a Lei nº 9.504/1997). Ou seja, em uma cidade com dez vagas na Câmara, um partido só pode lançar 15 candidaturas. Em municípios maiores, os partidos tendem a não preencher completamente suas chapas. Logo, há um “mercado” de votos maior, abrindo-se espaço para que mais legendas entrem na disputa.

Nos municípios maiores, a média de cadeiras disponíveis nas Câmaras Municipais é de 23,8, podendo variar entre 15,9 e 31,7. Se separarmos os municípios que possuem 15 vagas ou menos, como foi feito no Gráfico 3, o número médio de partidos disputando vagas nos Legislativos municipais é ainda menor, atingindo 6,7 partidos em 2020. Em contrapartida, neste ano os municípios com 16 cadeiras ou mais possuem uma marca média de 20,2 legendas em disputa.

Gráfico 3. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município – Recorte: 15 vagas na Câmara

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número de vagas utilizado é referente ao ano de 2016, por não ser possível captar as variações que ocorreram nos municípios ao longo da última legislatura.

Em termos de estratégia, os partidos estão se adaptando à nova regra. As tendências são duas. Primeira, que o número de legendas nas competições reduza ao longo do tempo. Segunda, que essas legendas lancem o maior número possível de candidaturas, para reduzir os efeitos do fim das coligações.

Por fim, não se pode ignorar o fato de que o Brasil apresenta o sistema partidário mais fragmentado do mundo. Desta maneira, o fim das coligações proporcionais pode minar a força de um partido apenas em determinadas regiões, e ele pode sobreviver se tiver força em outras. Assim, um outro desdobramento possível para os próximos anos é um processo de regionalização dos partidos políticos brasileiros.

*Otávio Z. Catelano é Mestrando em Ciência Política na Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (Cesop/Unicamp).

A disputa entre o DEM e o bolsonarismo nas eleições

A disputa entre o DEM e o bolsonarismo nas eleições

As forças de centro-direita foram as principais derrotadas nas eleições de 2018, em especial o PSDB e o DEM, que concorreram coligados na candidatura de Geraldo Alckmin. No entanto, alguns meses depois das eleições de 2018, os Democratas (DEM) já haviam recuperado influência política a despeito da derrota eleitoral. É interessante observar que, à exceção de Rodrigo Maia – cuja liderança da Câmara já é consolidada desde o governo Michel Temer –, nos demais casos o que agiu foi a fortuna.

Davi Alcolumbre era um político desconhecido até a ascensão do bolsonarismo. O principal candidato a presidente do Senado em 2019 era Renan Calheiros, que foi derrubado por uma campanha do bolsonarismo nas redes sociais pela abertura dos votos dos senadores. A presidência do Senado caiu do nada nas mãos de um político desconhecido e o Democratas inesperadamente passou a controlar as duas casas do Congresso.

No início de 2020, o DEM encontrou-se em situação inédita, detendo a presidência das duas casas e com o único político de capaz de desafiar a popularidade de Jair Bolsonaro, o ex-ministro da saúde, Henrique Mandetta. Ele agora parece estar se posicionando muito bem nas eleições de 2020.

A tabela 1 abaixo aborda as seis capitais nas quais os candidatos do DEM têm mais de 10% das intenções de voto segundo pesquisas do Ibope e do Datafolha.

Tabela 1:Candidatos do Democratas nas capitais com mais de 10% de intenções de voto

Podemos notar um processo interessante que vale a pena analisar: a concentração das candidaturas de direita ou de centro direita no DEM e a forte tendência à reeleição dos seus candidatos mais fortes. Em primeiro lugar, o DEM não parece estar ameaçado nas três capitais que ele governa: Salvador, Florianópolis e Curitiba. Em todos estes casos, seus candidatos têm mais de 40% de intenção de voto.

Nos outros casos, candidatos da centro direita se aproximaram do DEM vindo de outros partidos, o que aponta na direção de uma certa hegemonia do DEM na centro direita. O caso mais relevante parece ser o do Rio de Janeiro, onde Eduardo Paes saiu do MDB, outro partido de centro fortemente derrotado em 2018, e está concorrendo pelo DEM. Paes encontra-se em primeiro lugar, na frente do atual prefeito Marcelo Crivella que é apoiado por Jair Bolsonaro.

A ascensão do DEM enquanto representante da centro direita contrasta com a incapacidade de candidatos do campo bolsonarista motivarem o eleitorado e colocarem-se em uma posição confortável na disputa eleitoral. A tabela 2 mostra a dificuldade da direita bolsonarista em importantes cidades nestas eleições.

Tabela 2: Candidatos apoiados por Bolsonaro em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte

Na tabela estão os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro em três capitais (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) tendo ou intenção de voto muito baixa ou perdendo apoio.

O que podemos perceber é que Bolsonaro não é um grande eleitor nas capitais em que há apenas alguns meses antes estavam batendo panelas nas varandas contra a sua política sanitária. Nenhum dos seus candidatos está bem colocado nas maiores cidades. Pelo contrário, a candidatura de Celso Russomano parece estar derretendo apesar do apoio do presidente, o mesmo acontecendo com a candidatura de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro. Por último, o candidato de Bolsonaro contra o prefeito que mais se distanciou das políticas do presidente na pandemia, o prefeito de Belo Horizonte, parece não ter nenhuma chance nessa eleição.

Assim, vemos dois fenômenos diferentes: de um lado, não há indicações de que o eleitorado tenha se movido em direção à esquerda desde 2018, ainda que ela possa ter vitórias importantes em 2020, se as pesquisas de Porto Alegre e Recife estiverem certas. De outro, observa-se um movimento de moderação no conservadorismo que parece estar desaguando em candidatos do Democratas e não naqueles apoiados pelo presidente Bolsonaro.

Assim, o resultado das eleições de 2020, a se manter a tendência da pesquisa Datafolha de 22 de outubro, é de maior equilíbrio entre Bolsonaro e o DEM. Se o presidente parece manter um nível de popularidade alto, em especial se levarmos em conta o desastre da sua política sanitária e o número de mortos no país, ele também  parece ter perdido um dos seus principais ganhos de 2018: o benefício da dúvida que lhe foi dado pelo eleitorado de classe média das grandes capitais.

Como nas principais democracias do mundo, o eleitorado brasileiro está optando por um poder dividido, ao invés de transferir todo o seu poder a um candidato ou a um clã que não se mostrou nem democrático, nem eficiente em combater a pandemia e nem capaz de gerir a economia.