por Pedro Gustavo de Sousa Silva | dez 18, 2020 | Destaque 3, Geral
Assim como os seres humanos vão mudando e moldando o comportamento ao longo das distintas fases da vida, os partidos políticos também são afetados pelo tempo e pelo ambiente no qual estão inseridos. A expectativa sobre o comportamento do partido varia conforme esteja na fase originária ou experimentando um processo de institucionalização mais incisivo. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) fez 15 anos de existência ao disputar as eleições 2020, revelando uma conduta que transita entre a rebeldia dos anos iniciais e uma maior aceitação do jogo duro das eleições por resultados.
Um fenômeno típico dos partidos socialistas que pode bater à porta do PSOL em breve reside no trade-off eleitoral. Isso implica o dilema entre (1) manter a “pureza ideológica” e dialogar com um eleitorado mais restrito da base ou (2) ampliar o discurso para alcançar um eleitorado mais amplo em detrimento do apelo classista. A opção (1) preza pela organização da classe social, enquanto a opção (2) foca nos resultados das urnas. Tal fenômeno perpassou muitos dos partidos socialistas europeus da virada do século XIX para o XX e, nas devidas proporções, também aparece na trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT).
O trade-off eleitoral petista ocorreu de maneira lenta e gradual. Nas décadas de 1980-90, o PT adotava um discurso classista e alianças com partidos do mesmo campo ideológico. Com essa estratégia, o desempenho nas urnas era tímido nas disputas municipais e estaduais. No âmbito nacional, a sigla surpreendeu com a ida ao segundo turno em 1989 e depois alcançou o posto de segundo lugar nas derrotas em primeiro turno nos anos 1990. A guinada em busca de uma candidatura competitiva deu-se em 2002, quando o “partido sem patrões” alçou ao posto de vice justamente um vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (o então senador José Alencar).
A mudança na estratégia eleitoral do PT desembocou na vitória de Lula-José Alencar no segundo turno de 2002, assim como nos conflitos internos subsequentes que terminaram por originar o PSOL em 2005, em função de uma dissidência parlamentar. Desde então, o PSOL disputou oito eleições nesses 15 anos de atuação e já demonstra alguns sinais de superação da fase originária. O PT, antes visto como traidor das bandeiras da classe trabalhadora, passou a dividir o mesmo palanque com o PSOL nas capitais do país em 2020.
São nas capitais que os partidos adotam um maior rigor e controle sobre a composição das coligações eleitorais. O PSOL foi a sigla com a maior quantidade de candidaturas próprias nas capitais neste ano, disputando – seja de forma isolada ou numa coligação – em 23 delas e indicando o vice para o PT nas outras três restantes. As composições mais recorrentes ocorreram com PCB, PT, UP e PC do B, chegando a formar uma coligação com seis siglas em Belém e Florianópolis. Esse cenário contrasta com a política de alianças na fase originária, quando o PSOL definia apenas o PCB e o PSTU como parcerias centrais. O fim do governo petista no âmbito federal gerou uma readequação dos papéis das forças partidárias, impulsionado a aproximação do PSOL a esse leque de novos parceiros.
O alto número de candidaturas do PSOL nas capitais contrasta com a quantidade modesta de competidores nas demais cidades. O resultado alcançado nas urnas em 2020 contempla uma capital (Belém) e mais quatro cidades com menos de 30 mil habitantes. É a segunda vez que a sigla venceu numa capital, pois saiu vitoriosa do pleito em Macapá nas eleições 2012. Contudo, o prefeito saiu do partido antes de concluir o mandato em busca “de fazer alianças maiores” com outros entes federativos. No mesmo dia, a sigla perdeu também o único senador que possuía entre os filiados.
Além das vitórias nas duas capitais da região Norte, cabe destacar o nível de competitividade obtido em outros centros urbanos. A sigla chegou ao segundo turno no Rio de Janeiro (2016) e em São Paulo (2020), projetando lideranças importantes para a cena nacional. O bom desempenho nesses casos, contudo, não decorre da mesma estratégia. As vitórias em Macapá e Belém contaram com coligações amplas, enquanto nas duas cidades da região Sudeste houve uma comunicação eficiente que compensou os poucos segundos da propaganda eleitoral no primeiro turno.
Antes apelidada de “Esquerda DCE” nos memes, o PSOL chega aos 15 anos de existência com responsabilidade de “gente grande”. Por conta do êxito em Belém, o partido entrou no grupo de siglas que terão a incumbência de governar um contingente superior a um milhão de pessoas. Por mais competitivo que o PSOL venha a ser nos próximos pleitos, o trade-off eleitoral não reside num fenômeno inexorável. A consolidação desse processo depende tanto do desempenho nas urnas quanto das decisões dos grupos internos no interior da agremiação. PSTU, PCB e PCO nunca fizeram uma movimentação em direção aos espaços institucionais. O PSOL, ao contrário dessas agremiações, nasceu em decorrência de uma dissidência no Parlamento. O lugar de origem do partido – se dentro ou fora dos espaços institucionais – constitui um ingrediente importante para entender o tipo de caminho trilhado pela organização.
No campo progressista, o resultado das eleições 2020 consolida a liderança do PDT e PSB tanto no número de prefeituras conquistadas quanto no quantitativo de eleitores que serão governados. O PT, por sua vez, não se recuperou do tombo de 2016 e ainda permanece numa tendência de declínio. O PSOL corre pelas beiradas diante desses partidos mais estruturados. Dentro de dois anos haverá um novo teste de forças. O PT, apesar do resultado modesto nas disputas municipais recentes, não pode ser descartado como um ator político relevante no xadrez eleitoral de 2022. Afinal de contas, o débil resultado do PT em 2016 não impediu que a sigla tivesse uma votação expressiva dois anos depois no pleito nacional. Mesmo quando era um partido de porte pequeno (anos 1980) ou médio (anos 1990), o PT sempre teve bons resultados nas disputas presidenciais. Portanto, não é uma carta fora do baralho.
O pleito de 2022 põe na mesa do campo progressista o debate sobre a viabilidade de construir uma frente ampla contra Bolsonaro. A estrela vermelha do PT guiou e aglutinou as esquerdas por um período, mas nada indica que ainda terá força para brilhar na mesma intensidade de antes. O PDT já demarca a própria candidatura, buscando parcerias para adquirir competitividade eleitoral e não morrer na praia como das outras vezes – a sigla nunca chegou ao segundo turno.
O PSOL adotou a estratégia da candidatura própria em todos os pleitos presidenciais, dando fôlego ao projeto de expansão e capilaridade partidária no território nacional. Resta saber se buscará aderir a uma frente ampla contra Bolsonaro ou manterá o caminho do próprio fortalecimento organizacional. O PSOL adquiriu um novo patamar de competitividade em 2020, colocando-o em condições mais robustas para debater com os demais componentes do campo progressista o lugar que ocupará no próximo desafio eleitoral. O sol sorridente do PSOL será capaz de brilhar mais uma vez em 2022? “A luz há de chegar aos corações” dos eleitores? A contagem regressiva para o pleito de 2022 já começou.
* Pedro Gustavo de Sousa Silva é doutor em Ciência Política pela UFPE e participa do grupo de pesquisa Partidos, Eleições e Comportamento Político também da UFPE.
por Rodolfo Marques | dez 17, 2020 | Cidades, Destaque 3
As eleições municipais no Pará apresentaram um cenário similar ao que foi observado no Brasil – com o predomínio dos partidos de centro e centro-direita nas capitais e em grandes cidades.
O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) venceu as eleições para a prefeitura em 58 dos 144 municípios paraenses, o que corresponde a mais de um terço, consolidando-se como uma agremiação municipalista e fortalecendo a base de apoio do governador, Helder Barbalho, principal liderança do partido no estado.
Já na capital, Belém, na contramão da maior parte das principais cidades brasileiras, reviveu-se uma polarização similar à que foi vista em 2018, quando Jair Bolsonaro (sem partido) e Fernando Haddad (PT) concorreram no segundo turno da eleição presidencial, dividindo o país.
O voto conservador e mais alinhado à direita ideológica sempre se manifestou em Belém, embora nos últimos pleitos o eleitor progressista e de esquerda também venha ocupando seu espaço.
Na segunda volta da decisão eleitoral, em 29 de novembro de 2020, o deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL) venceu o candidato do Patriota, o delegado Everaldo Eguchi, que se apresentou como outsider no pleito. A vitória deu-se por uma margem apertada de votos: Edmilson teve 51,76% dos votos válidos (390.723 votos), contra 48,24% do seu opositor (364.095 votos), com uma diferença inferior a 4% – ou pouco mais de 26 mil votos.
A favor de Edmilson, durante a eleição, pesaram a experiência de ter sido prefeito de Belém em duas ocasiões (1997-2000 e 2001-2004); o apoio de grupos sociais importantes, como boa parte da classe artística (Fafá de Belém, Gaby Amarantos, Gretchen, entre outros), jornalistas e outros trabalhadores em geral; e uma campanha nas plataformas digitais mais assertiva em relação às propostas para resolver os muitos problemas que existem na capital do Pará.
O delegado Eguchi apostou na tríade “Deus, Pátria e Família”, buscando uma conexão maior com o empresariado local e com as famílias tradicionais, reforçando os valores morais e apostando em um discurso de combate à corrupção. Tanto no primeiro quanto no segundo turno, Eguchi teve subestimadas suas intenções de votos nas principais pesquisas, indicando que a migração de votos para ele ocorreu na “última hora” – e reforçando um pouco a hipótese da chamada “maioria silenciosa”, que pode não declarar publicamente o seu voto real.
Também foi uma eleição em que houve o voto da rejeição, sendo Eguchi o candidato anti-esquerda e Edmilson o antibolsonarismo. Vale lembrar que, no primeiro turno, Belém registrou um recorde de candidaturas – 12, sendo todos homens, inclusive o candidato do Partido da Mulher Brasileira (PMB) – o médico José Jerônimo de Souza.
Mesmo derrotado e sem um passado de ocupação de cargos públicos, o delegado Eguchi pretende se manter na arena político-eleitoral, buscando se fortalecer junto a grupos da direita política, que tem no deputado federal Eder Mauro (PSD), seu principal expoente. Eder Mauro ficou em terceiro lugar nas eleições para a Prefeitura da capital em 2016 e não conseguiu aprovação partidária para se candidatar ao pleito de 2020.
As eleições em Belém também foram, mais uma vez, marcadas pelo intenso uso das fake news, gerando um grau de confusão com mensagens que versavam sobre enriquecimento ilícito, banheiros unissex nas escolas, envolvimento com corrupção, entre outros aspectos que despolitizaram por demais o debate propositivo sobre a situação da cidade e suas demandas por saúde, educação, segurança, meio ambiente, coleta do lixo/saneamento e mobilidade urbana.
Eleições no interior do Pará
Em Ananindeua, segundo maior colégio eleitoral do Pará, o atual presidente da Assembleia Legislativa, Dr. Daniel Santos, venceu as eleições ainda no primeiro turno. Em Santarém, no oeste do estado e terceiro maior colégio eleitoral, Nélio Aguiar (Democratas) venceu a Covid-19 e a ex-prefeita da cidade, Maria do Carmo Martins, no segundo turno, reelegendo-se para mais um mandato como prefeito da “Pérola do Tapajós”. Há ainda o cenário de sete municípios que têm suas eleições majoritárias sub-judice, aguardando deliberações posteriores, nas diversas mesorregiões do território paraense.
No geral, percebeu-se uma tendência de escolhas por mais experiência e por menos novidades nas eleições do Pará. Foram priorizados os bons gestores e os que demonstram capacidade administrativa para tratar das principais questões urbanas e/ou rurais.
Diante de todas as peculiaridades das eleições de 2020 em meio à pandemia, a presença digital dos candidatos e partidos por um período mais duradouro evidenciou-se como uma vantagem. Prefeitos que tiveram ações de enfrentamento diante da Covid-19 saíram na frente de seus opositores, buscando a reeleição e/ou elegendo seus sucessores.
* Rodolfo Marques é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com período-sanduíche feito em Madrid/Espanha, e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É professor da Universidade da Amazônia (UNAMA) e da Faculdade de Estudos Avançados do Pará (FEAPA). É docente universitário desde 2002. Está lançando o livro “A mídia sob o império da Lei: as políticas de regulação dos meios de comunicação no Brasil e na Argentina no século XXI”, versão adaptada da sua tese de doutorado.
por Carlos Ranulfo | dez 2, 2020 | Destaque 3, Geral
Carlos Ranulfo Melo*
Terminadas as eleições, três questões ficam no ar: qual a dimensão da derrota de Bolsonaro? Quais as perspectivas do campo de centro-direita? Como a esquerda vai chegar em 2022?
Há um consenso: Bolsonaro perdeu. Começando pelas derrotas de repercussão nacional em São Paulo e Rio de Janeiro e terminando pelas 44 lives apoiando vereadores em diferentes rincões do país, o personagem que venceu em 2018 deu vexame.
Não se sabe ao certo se ele entendeu o recado, mas de todo modo a onda que o elegeu não se apresentou para o embate. Com algumas exceções, predominou uma busca por estabilidade, experiência e responsabilidade.
Nada que não se esperasse, afinal eram eleições locais e em meio a uma pandemia. Mas foram muitos os que tentaram reeditar o espírito de dois anos atrás. Na esmagadora maioria das vezes, fracassaram.
Bolsonaro pode argumentar que seus aliados se saíram bem. É verdade. Segundo levantamento do G1, partidos do Centrão, “vão comandar quase metade dos municípios do país” e, como já adiantaram lideranças do Progressistas, o atual presidente seria muito bem recebido na legenda.
Bolsonaro pode mergulhar de cabeça na “velha política” e aceitar o preço cobrado pela reeleição, mas é uma manobra difícil. Ainda que sua base mais radical aceite o gesto como uma dose necessária de sacrifício, o resultado pode ser caricato se Bolsonaro começar a pedir a todos que esqueçam seus inúmeros terraplanismos.
O problema é que tem coisas que “nem o dinheiro paga”. Uma delas é o apoio a um governo fracassado. Durante um tempo Bolsonaro enganou liberais, com Guedes, e lavajatistas, com Moro. Agora só engana os que não querem ver e as perspectivas não são boas.
No plano internacional, isolamento quase absoluto após a derrota de Trump. No plano interno, a insistência em levar a irresponsabilidade diante da pandemia ao paroxismo, minimizando a importância da vacina, e a ausência de qualquer plano minimamente coerente para lidar com a grave crise econômica e social que o país tem pela frente, projetam um cenário muito turbulento. Os “companheiros” do Centrão são pragmáticos e sabem que não vai dar para culpar o PT e o comunismo no caso de um fracasso.
Isso leva à segunda questão. De novo, uma obviedade: para além do Centrão, os partidos DEM, PSDB e MDB também têm muito a comemorar, apesar da diminuição no número de prefeituras conquistadas pelos dois últimos. Este conjunto de partidos compõe o que se pode caracterizar como um amplo campo de centro-direita no país. Um grupo que andou por um tempo sob o guarda-chuva tucano, “rachou” durante o período petista, se reagrupou sob Temer e Maia, e ensaia nova separação na disputa pela Presidência da Câmara.
Aqui o futuro encontra-se conectado à sorte do governo. Caso o naufrágio torne-se por demais evidente, a centro-direita pode se reagrupar, deixando isolados Bolsonaro e os seus. Caso contrário, ou seja, se o presidente mantiver o nariz fora d’água, com perspectivas de chegar ao segundo turno de 2022, um novo “racha” se produzirá.
Em qualquer dos casos, o Centrão se comportará como linha auxiliar ou, como preferem dizer suas lideranças, como fiador da governabilidade, seja apoiando Bolsonaro, seja chancelando o nome que sair das tratativas entre PSDB e DEM. Nesse último caso, o problema do campo está na construção de uma candidatura competitiva. Como bem disse FHC, a alternativa mais saliente, João Doria, é apenas uma liderança paulista. E contestada, como a campanha de Covas para a Prefeitura de São Paulo tratou de evidenciar.
Finalmente, a esquerda. No cômputo geral, foram 291 vitórias a menos que em 2016, um recuo de 26,6%. Nos municípios com mais de 200 mil habitantes um quadro semelhante, com queda de 23%: eram 26 em 2015 e agora foram vinte. PCdoB e PSB registraram os maiores reveses, com quedas de 44% e 39% no número de prefeituras. A situação se repete nas maiores cidades: os comunistas perderam as duas que administravam e os socialistas caíram de 13 para apenas seis.
O PDT saiu da eleição mais ou menos do mesmo tamanho. O PT viu seu número de vitórias reduzir em 28%, mas avançou nas grandes cidades, subindo de quatro para sete. O partido mostrou-se mais competitivo: foi a legenda com maior presença no segundo turno e o segundo colocado em número de vereadores eleitos nas capitais. Com Belém, o PSOL marcou sua estreia à frente das capitais.
No conjunto, a esquerda mostra-se dependente do Nordeste. Na região, que detém 32% dos municípios brasileiros, foram eleitos 49% de seus prefeitos, além de quatro de suas cinco capitais. Pelo país afora, destacaram-se os excelentes desempenhos de Boulos e Manoela.
A essa altura do campeonato, e até onde a vista alcança, parece que a configuração de uma ampla frente contra Bolsonaro em 2022 vai ficar para o segundo turno. Tal probabilidade aumentará no caso de um fracasso do governo. Nesse quadro, a esquerda tem bala na agulha para um bom desempenho e comparada à centro-direita tem mais nomes de projeção nacional.
Mas algumas perguntas se impõem. Ciro Gomes topa conversar ou encontra-se apenas à espera de um vice? O PT percebeu que os tempos mudaram ou vai deixar que o núcleo em torno de Lula continue impondo escolhas equivocadas? Qual o lugar de Boulos em uma composição a ser feita?
Das respostas dependerá o papel da esquerda em 2022. A julgar pela postura dos partidos no Congresso e pelo quadro de 2020, PSB e PDT estão cada vez mais próximos do centro e mais distantes de PT e PSOL. A se configurarem duas chapas pela esquerda, aumenta a probabilidade de um segundo turno à direita. A ver como se desenrolam as conversas.
por Monize Arquer e Luiz Gabriel de Lima | dez 1, 2020 | Destaque 3, Sem categoria
As eleições de 2020 não acabaram e ainda precisamos esperar os dados oficiais para interpretações mais detalhadas sobre seus resultados. Apesar disso, já conseguimos traçar possíveis tendências para o segundo turno com base no que temos disponível.
Ao longo dos anos, a distribuição da força política dos partidos alterou-se consideravelmente, muito disso conectado ao contexto político nacional. Em 2020, esse padrão se repete. Os mapas abaixo mostram isso.
Começando em 2000, com PSDB na Presidência da República e DEM como um partido forte ao seu lado, eles juntos conquistaram 2016 municípios, aproximadamente 36% do total.
Já em 2012, um momento de intensa relevância do PT a nível nacional e logo após a eleição de Dilma Rousseff, sustentada pelos resultados positivos que a legenda vinha tendo entre o eleitorado, o partido, que tinha apenas 187 municípios em 2000, chega a 647 naquele ano. Porém, após o impeachment de Dilma durante seu segundo mandato e a crise política pela qual o partido passou, com a influência da Operação Lava-Jato, o PT encolhe e conquista apenas 250 prefeituras em 2016.
Esse movimento vem acompanhado de dois outros. O aumento do PSB que, ao lado do PT, conquistou espaços importantes na política nacional até 2016. E o surgimento do PSD em 2008, que atraiu diversas lideranças para a legenda, ainda recém-formada, e tem aumentado sua inserção territorial ao longo dos anos.
Em 2020, o desempenho do PSD segue chamando atenção. Até agora, com base na prévia que a tivemos acesso, o partido conseguiu eleger, aproximadamente, 20% mais prefeituras das que tinha em 2016. Ao seu lado, vem outros partidos de direita que, após longo período com resultados pouco significativos, voltam ao cenário após 2016. Hoje são atores importantes nessa disputa. Entre eles estão o DEM e o PP, que até agora elegeram, aproximadamente, 68% e 35% mais de prefeituras do que em 2016.
Com o segundo turno, no próximo domingo (29), parece que teremos o fortalecimento dessa tendência. Segundo as pesquisas de opinião que vem sido feitas nas capitais, principalmente Ibope e Datafolha, observa-se que partidos de direita, como DEM, PP e Podemos, dominam a corrida eleitoral nas capitais.
Em sete das dezoito capitais em disputa, as siglas de direita caminham rumo a vitória, como é o caso de Rio Branco (AC) e Rio de Janeiro (RJ) em que Tião Bocalom (PP) e Eduardo Paes (DEM) largam à frente com mais de trinta pontos de diferença.
Já o PSDB e MDB, diferentemente de 2016 quando conquistaram onze capitais, disputam hoje as primeiras colocações no segundo turno em pelo menos seis delas: Boa Vista (RR), Teresina (PI), Porto Velho (RO), São Paulo (SP), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS). Vale lembrar que, neste ano de 2020, os tucanos já venceram em Palmas e Natal logo no primeiro turno.
Por outro lado, quando analisamos os partidos de esquerda, como PT, PSB e PSOL, vemos que essas siglas lideram as outras cinco capitais restantes, em especial na região Nordeste. Nela, estes partidos estão na frente em quatro das sete capitais ainda indefinidas: Recife, Fortaleza, Aracaju e Maceió.
Campeões de intenções de voto
Arthur Henrique (MDB), em Boa Vista, e Tião Bocalom (PP), em Rio Branco, são os candidatos que mais pontuaram nas pesquisas para o segundo turno até agora. Ambos aparecem com mais de 60% das intenções de voto. Seguindo eles está Edvaldo (PDT), que busca a reeleição em Aracaju, o já citado Eduardo Paes (DEM) no Rio de Janeiro e Dr. Pessoa (MDB) em Teresina, os três à frente nas pesquisas com mais de 50% das intenções de voto.
Conforme apresentado nas imagens acima, cabe destacar que o segundo turno no Recife é entre dois candidatos situados à esquerda, João Campos do PSB e Marília Arraes do PT, e no Rio de Janeiro é entre dois situados à direita, Eduardo Paes (DEM) e o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos).
Pesquisas eleitorais acertaram as primeiras colocações
As pesquisas feitas nas capitais durante o primeiro turno apresentaram resultados muito próximos ao que vimos nas urnas. As últimas previsões do Ibope acertaram as primeiras colocações de todas as capitais, com exceção de Porto Alegre (RS). No Nordeste, o instituto indicou corretamente as três primeiras colocações em todas as capitais, exceto a terceira em Teresina (PI).
Além disso, as pesquisas Datafolha, realizadas em cinco capitais, acertaram as três primeiras colocações, com exceção da segunda e terceira em Belo Horizonte (MG). Ibope e DataFolha obtiveram seu melhor desempenho desde 2016, com erro médio próximo a margem declarada por eles.
Se as pesquisas estiverem corretas, como tudo indica, já sabemos qual o provável cenário em que amanheceremos na segunda-feira (30). No entanto, surpresas podem ocorrer. Acompanharemos atentamente os resultados e as previsões feitas pelos principais institutos.
Luiz Gabriel Lima é graduando em Ciências Sociais pela Unicamp e bolsista do INCT/ IDDC.
Monize Arquer é doutora em Ciência Política pela Unicamp, com período sanduíche na Universidade de Oxford, e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop – Unicamp). Atua em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC e tem interesse nas áreas de partidos políticos, eleições e comportamento eleitoral.
por Flávia Biroli e Leonardo Avritzer | dez 1, 2020 | Destaque 3, Geral
Enquanto os resultados das eleições de 15 de novembro eram ainda lentamente divulgados, comentaristas políticos já falavam em “vitória do centro” e na tendência dos eleitores à moderação nas eleições municipais de 2020. Além de motivações ideológicas que estão presentes em alguns casos, é a comparação com 2018 – mais do que com 2016 – que está na base desses diagnósticos.
Jair Bolsonaro (sem partido) mostrou pouca ou nenhuma capacidade de influência nessas eleições. Dos 12 candidatos por ele recomendados, apenas dois se elegeram. O PSL, partido pelo qual se elegeu e com o segundo maior fundo partidário, recebeu uma quantidade pequena de votos e não elegeu prefeitos. Está em apenas duas disputas no segundo turno. Assim, a antipolítica perdeu fôlego e os problemas locais em tempos de pandemia pesaram nas escolhas, levando a taxa de reeleição de prefeitos, que em 2016 havia sido de 46,4%, a 63%.
Mas os partidos que mais cresceram em número de prefeituras são de direita, ainda que seja uma direita mais tradicional nas suas posições e em seu enraizamento em estruturas partidárias e nas disputas locais. É preciso algum esforço para situar DEM, PP, PSD e Republicanos no centro do espectro político. Os seus próprios parlamentares se situam na direita ou na centro-direita, tal como mostra o gráfico abaixo, em que se pode verificar o posicionamento dos diferentes partidos em relação ao centro. Na extrema-direita, o PSL está 8 pontos distante do centro, o DEM está entre 8 e 5 pontos distante do centro, a depender do índice utilizado. O PSD, que chega a ser situado 6 pontos distante do centro, está mais próximo do PSDB e do MDB, que se posicionam 4 pontos à direita, no primeiro caso, e entre 2 e 4, no segundo. À esquerda do espectro política, a distância do PT em relação ao centro é de 5 a 6 pontos.
Obs: Todas as medidas foram convertidas em uma escala de 1 a 20. Valores mais altos indicam posições mais à direita.
Fontes: V-Party (V-DEM) 2018; Brazilian Legislative Survey 2017; PREPPS 2019. Montado por André Borges.
O que os dados das eleições mostram é que os partidos que de fato ocupam o centro do espectro ideológico, MDB e PSDB, foram os que perderam o maior número de prefeituras em relação a 2016 – até o 1º turno, 269 a menos e 285 a menos, respectivamente.
Nesse quadro, o que aconteceu com a esquerda?
Em primeiro lugar, a esquerda manteve-se mais estável em número de prefeituras do que o centro. Também quando se observa o número de vereadores eleitos, é significativo que o PSDB tenha encolhido 18%, enquanto o PT reduziu em 5% sua fatia nos legislativos locais – ainda que existam variações nos dois espectros ideológicos, com um melhor desempenho do MDB, e um pior do PCdoB, por exemplo. Em algumas Câmaras Municipais das capitais, partidos de esquerda mantiveram ou conquistaram o maior número de cadeiras. É o caso de São Paulo, em que o PT tem, junto com o PSDB, o maior número de cadeiras (oito cada), enquanto PSOL e DEM estão empatados em segundo lugar, com seis cadeiras cada. Em Porto Alegre, PT, PSOL e PSDB tiveram o maior número de votos, com quatro cadeiras cada. No Rio de Janeiro, o PSOL está empatado em primeiro lugar com DEM e Republicanos (cada um com sete cadeiras) e o PT em segundo, juntamente com PSD e Avante (três cada).
Houve perdas, é verdade. Esta, que não foi uma eleição fortemente nacionalizada, mostrou que os processos políticos recentes tiveram impacto na estrutura partidária e na capilaridade dos partidos. Política é correlação de forças, como bem sabemos. As oportunidades que permitiram que o DEM renascesse das cinzas de uma direita que, até 2014, vinha perdendo a capacidade de mobilizar o eleitorado, e que PP e PSD operassem com máquinas partidárias fortalecidas, tiveram como contraparte um impacto na posição ocupada pelo PT em diferentes regiões e, em alguma medida, na identidade deste que permanece como o principal partido da esquerda brasileira.
Seria estranho, portanto, se o abalo de 2016 tivesse sido completamente superado em uma eleição que, mais do que as anteriores, privilegiou quem buscava um segundo mandato e confirmou que um processo como o que o Brasil viveu nos últimos anos teria consequências por algum tempo, a favor da direita.
Foi nas eleições municipais de 2016, e não nas de 2018, que o PT sofreu de maneira mais aguda os efeitos da lava-jato e do antipetismo orquestrado por parte da mídia nacional, determinantes para os movimentos pelo impeachment de Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Lula. Naquele ano, o partido, que havia conquistado 636 prefeituras em 2012 e ficado na liderança no número de prefeitos entre as maiores cidades brasileiras, recuou para 254 prefeituras, vencendo em apenas uma capital (Rio Branco/AC). Ainda assim, em 2018 elegeria a maior bancada da Câmara dos Deputados e disputaria o segundo turno das eleições presidenciais, conquistando com Fernando Haddad 44,8% dos votos válidos.
Em 2020, o PT perdeu em número de municípios governados, como mencionado, mas é o partido que disputa o maior número de cidades no segundo turno, entre elas uma capital, Recife (PE), com Marília Arraes (PT), e cidades de médio porte como Contagem (MG), Juiz de Fora (MG), Mauá (RJ), Guarulhos (SP), Pelotas (RS), Caxias do Sul (RS), Diadema (SP) e Santarém (PA). Vale a pena mencionar que nas poucas cidades nas quais o PT disputou o segundo turno em 2016, o seu candidato estava em segundo lugar nas pesquisas. Em 2020, os candidatos do PT se encontram em primeiro lugar em sete disputas.
Assim, houve perdas da esquerda em número de municípios, mas alguns avanços em cidades de maior porte. A fragmentação da esquerda, indicada, entre outras coisas, pelo fato de o PT ter apresentado o maior número de candidaturas isoladas em 2020, 630, ainda precisa ser melhor analisada. Ela pode ser um dos fatores para o encolhimento de todo o campo.
E, claro, é preciso falar do PSOL. Fundado em 2004, o Partido Socialismo e Liberdade é uma exceção à retração no campo da esquerda nos anos recentes. Menos robusto do que os que foram mencionados anteriormente, ele demonstra, no entanto, uma capacidade de tomar parte no debate nacional e posicionar lideranças importantes, em particular lideranças de movimentos sociais e feministas que buscam o partido. Em 2016, chamou a atenção com a eleição de vereadoras com votação significativa, como a campeã de votos Áurea Carolina, em Belo Horizonte (MG), que seria eleita deputada federal em 2018 e disputaria a prefeitura de BH em 2020. Como ela, outras mulheres jovens e feministas, algumas delas negras, tiveram visibilidade nos legislativos locais, estaduais e na Câmara dos Deputados, em um período em que os movimentos feministas e antirracistas ampliaram sua presença no debate público e na resistência à extrema-direita. A capacidade do partido de se identificar com uma linguagem política que é constitutiva de uma agenda de justiça social renovada, dando prioridade a ela, é um dos fatores que explicam seu crescimento.
No segundo turno, o PSOL disputa duas capitais, Belém (PA), com Edmilson Rodrigues, e São Paulo (SP), com Guilherme Boulos. Rodrigues, que foi prefeito de Belém por dois mandatos pelo PT, filiou-se ao PSOL em 2005 e, depois disso, foi eleito deputado estadual e deputado federal com votações muito significativas. Seu vice é Edilson Moura, do PT, numa coligação que também inclui Rede, PCdoB e PDT. Boulos, que é hoje a liderança de maior destaque do PSOL, apresentou sua candidatura em uma dobradinha com Luiza Erundina, que participou da fundação do PT e foi, por aquele partido, a primeira mulher a governar a cidade de São Paulo.
Tem sido comum a comparação, na mídia, entre Guilherme Boulos e Lula. Além da busca de associações que rendem notas e comentários, a capacidade e o potencial de Boulos como liderança nacional no campo da esquerda justificam essa associação. Mas a distinção entre eles é que pode nos ajudar a entender melhor o momento atual.
Enquanto Lula se afirmou como um dos maiores líderes da esquerda brasileira em um contexto em que os sindicatos tinham peso na mobilização e construção das identidades, Boulos, com sua trajetória no MTST, dialoga com facilidade com novos movimentos sociais e com um eleitorado que tem se mobilizado a partir de outras identidades. Assim, se Lula era o candidato de uma São Paulo industrial na qual esse setor se aproximava de 30% do PIB nacional, Boulos é liderança no país que mais fortemente se desindustrializou nas últimas décadas e em uma cidade com mais de 200 mil trabalhadores por aplicativos. Ainda assim, eles aproximam-se na capacidade de incluir amplos grupos, além de suas bases mais imediatas, e de construir um discurso capaz de mobilizar diferentes setores da esquerda.
Os desafios para a esquerda estão, assim, em duas frentes.
A primeira tem relação com os efeitos ainda presentes de um processo político que enfraqueceu o centro e, em menor medida, segundo argumentamos aqui, a esquerda. Seu impacto sobre o PT se faz sentir, entre outras razões, porque não é possível explicar 2020 sem 2016, nem as eleições atuais sem a forte tendência do eleitorado a reeleger.
O fracasso de Bolsonaro ocorreu, mas a direita mais tradicional tem aproveitado bem as oportunidades que se abriram desde 2016. Por outro lado, o entendimento da nova conjuntura pelo PT parece ser limitado. O sucesso das candidaturas da esquerda em Belém e Porto Alegre, assim como a vitória de Boulos (que já é vitorioso em SP, independentemente do resultado do 2º turno), devem despertar o partido para uma análise mais realista, capaz de apontar para um novo equilíbrio na esquerda.
A segunda se apresenta, é claro, nesse ambiente. Mas não é dependente dele e ultrapassa o contexto brasileiro. A renovação geracional e os desafios das novas linguagens e agendas de justiça social são incontornáveis. O PSOL, por suas características e composição, tem tido maior capacidade de lidar com eles do que outros partidos da esquerda brasileira. Para alguns, o papel dos feminismos e do antirracismo nas esquerdas se resumiria a uma indigesta “política identitária”.
Talvez esteja na hora de ler com mais atenção a mensagem que vem de candidaturas para as quais a esquerda será feminista e antirracista, ou não será. Para muitas delas, as desigualdades de classe, assim como aquelas que se apresentam no mundo do trabalho e das relações de cuidado, não perderam prioridade, mas são mais complexas, exigindo novas linguagens, sobretudo nas disputas políticas.
por Helena Martins e Luciana Santana | nov 26, 2020 | Cidades, Destaque 3, Fake News
A poucos dias do segundo turno das eleições, o pleito parece ser atravessado por estratégias danosas ao debate democrático, com grupos valendo-se de disseminação de desinformação contra candidaturas que lideram pesquisas, como está claro nos casos de Recife, Belém, Fortaleza e Rio de Janeiro.
No Recife, pesquisa Ibope divulgada nesta quarta-feira (25) apontou liderança de João Campos (PSB), com 43%, ao passo que Marília Arraes (PT) soma 41%. A mudança no posicionamento dos candidatos pode ter como um dos motivos a campanha de desinformação em curso contra Marília, que se dá de forma explícita e implícita. Circula no Recife panfleto apócrifo com o título “Cristão de verdade não vota em Marília Arraes”. Nele, uma foto da candidata e, ao redor dela, balões com aquilo que a autoria não identificada quer relacionar com ela: defesa do aborto, legalização das drogas, ideologia de gênero. Há uma citação atribuída a ela na qual se posicionaria contra o costume de ler a Bíblia e falar em nome de Deus, cujo contexto não é explicitado. A questão foi parar no programa eleitoral de João Campos na TV, que também usou o argumento de que a petista era contra a Bíblia.
A defesa de Marília argumentou que a frase foi proferida durante discurso na Câmara Municipal, em que defendia a laicidade do Estado no âmbito das instituições públicas. A Justiça Eleitoral determinou a retirada do ar da propaganda, pois avaliou que falas foram tiradas de contexto e que tentam “confundir o eleitorado”. Além da referência à Bíblia, Campos dizia em sua propaganda que “a candidata Marília assinou documento para acabar com o Prouni Recife”, posicionamento que também foi retirado de contexto, de acordo com a decisão judicial.
Ainda que não seja possível comparar pesquisas de intenções de votos entre diferentes institutos, pois cada um segue metodologia própria, é útil ter em vista que, na última pesquisa Datafolha, realizada nos dias 18 e 19, Marília aparecia com 41% e João com 34%. 21% dos entrevistados mencionaram que votarão nulo ou branco e apenas 3% disseram-se indecisos. Ao serem questionados se a intenção de voto mencionada ainda pode mudar, 12% afirmaram que sim. Ou seja, embora a pesquisa tenha apontado vantagem da petista, muitos votos não estão consolidados. A forma como o eleitor recebe a “informação” nos panfletos pode comprometer a credibilidade dos candidatos – e provavelmente este efeito já está acontecendo, dado o resultado do Ibope do dia 25, em que João ultrapassou Marília.
Ainda naquela pesquisa Datafolha, dentre os entrevistados que se declararam evangélicos, 33% mencionaram ter preferência por Marília e 38% por João Campos. Entre os católicos, 44% preferiam Marília e 35% por Campos. Aqui já era possível verificar uma margem considerável de diferença que deve ter sido visualizada como espaço para crescimento para o candidato do PSB, que passou a buscar dar destaque a temas que mobilizam eleitores evangélicos. Demonstrando preocupação com o impacto da questão junto a este público, Marília, além de utilizar suas redes sociais, participou de um encontro com lideranças religiosas no domingo.
Outro tema que mobiliza bastante o eleitorado também tem sido levantado contra Marília: a corrupção. Reportagem da revista Veja destacou gravação de Túlio Gadelha (PDT-PE) que reforçaria suspeita de cobrança de ‘rachadinha’ pela candidata. O deputado divulgou nota rotulando a questão como “fake news” e detalhando que Marília já foi absolvida de acusações do tipo e que ação contra ela sobre possível ‘rachadinha’ está arquivado desde 2019. Mencionou ainda que o áudio está descontextualizado e que solicitou perícia para comprovar manipulação. O estrago, contudo, já está feito, como comprova a circulação, por meio do WhatsApp, de uma música irônica sobre a questão que trata a candidata como “Marília rachadinha”, adjetivo que também tem conotação sexual.
Em disputa acirrada, apologia conservadora à família é arma em Belém
Em Belém, a situação também é delicada. O candidato Edmilson (PSOL), que já foi prefeito por duas vezes, lidera as pesquisas de intenção de voto desde o primeiro turno, e chegou ao segundo turno com 34,2% dos votos válidos. Seu adversário é o Delegado Eguchi (Patriota), que obteve 23,06% dos votos e ultrapassou candidatos tradicionais na capital.
A pesquisa Ibope divulgada no último dia 20 apresenta empate técnico entre eles. Edmilson tem 45% e Eguchi 43%. Diante de um cenário indefinido e muito acirrado, campanhas de desinformação têm dominado o cenário.
Como verificado em Recife, São Paulo ou em outras capitais com candidaturas mais à esquerda, Edmilson tem sido alvo de ataques pelas redes sociais. Uma das notícias falsas que circula diz que ele irá construir banheiros de uso comum (unissex) e tornará a ideologia de gênero obrigatória nas escolas públicas e privadas, de forma que “as crianças escolherão se querem ser meninos ou meninas”. As notícias parecem ser requentadas em outros municípios – em Porto Alegre, Manuela D’Ávila fez uma publicação nessa semana dizendo que não irá tornar todos os banheiros unissex e declarando que essa era mais uma desinformação circulando.
No Instagram, também é possível encontrar postagens que ligam o candidato à pedofilia, zoofilia, aborto e outros temas que variam do polêmico ao absurdo. Apesar do candidato ser um defensor da diversidade, tais postagens não são verdadeiras. Por outro lado, o lema da campanha de seu adversário é “Deus, Pátria e Família”. Todo esse cenário tem esquentado nas campanhas, inclusive o debate da RBA (grupo Bandeirantes) foi marcado por acusações entre os prefeituráveis.
Evangélicos: último reduto para Wagner em Fortaleza
A desinformação pode pesar bastante em situações de disputa acirrada, como vimos nos casos já mencionados e no de Manuela D’Ávila. Mas também parece haver apelo a esse tipo de ataque diante da derrota iminente, ainda que seus resultados dificilmente levem a uma alteração significativa do quadro eleitoral.
É o caso da capital cearense, onde a última pesquisa Ibope, divulgada na segunda-feira (23), registra que José Sarto (PDT) lidera com 53% e Capitão Wagner (PROS) tem 35%. Panfletos apócrifos têm sido distribuídos em templos religiosos. Um deles traz as seguintes frases em destaque: “Por que meu pastor não vota no Sarto?”, “Sou evangélico(a), por que não devo votar no Sarto?” e “Portanto, no próximo domingo não se omita, vote em defesa da família e da sua fé”.
Além de fazer referências a supostos posicionamentos de Ciro Gomes, apoiador de Sarto, sobre fechamento de templos e “fim da moral cristã”, diz que o grupo do candidato é “totalmente comprometido com a política gay para as crianças” e teria implementado, na cidade de Sobral, o “ensino da ideologia de gênero, que visa erotizar nossos filhos”. Afirma ainda que o grupo é favorável ao aborto. Recortes de manchetes de jornais são utilizados para “confirmar” todo o exposto, sem vinculação a cada denúncia e desprovidos de contexto. Ocorre que Sarto está longe de ser um candidato radical, sendo melhor classificado como um político tradicional, sem participação em debates mais polarizados pelos diferentes espectros políticos.
O panfleto, embora não seja assinado, repete argumentos que têm sido espalhados também por meio de vídeos nas redes sociais. Em um deles, o pastor Silas Malafaia cita que os partidos de esquerda foram a favor da “ideologia de gênero”, que seria um “lixo moral”. Menciona ainda que os partidos teriam entrado no Supremo Tribunal Federal para impedir que mulheres denunciassem estupradores. Na verdade, a ação movida pelo PT, PCdoB, PSB, PSOL e PDT contesta portaria do Ministério da Saúde que estabelece uma série de diretrizes sobre o aborto em caso de estupro, que é permitido por lei.
A estratégia volta-se ao único setor em que Wagner lidera as intenções de voto. De acordo com pesquisa Datafolha divulgada em 20 de novembro, entre eleitores que se declararam evangélicos, o candidato do PROS concentra 53%, contra 35% de Sarto. Sarto aparecia com 59% e Wagner, com 41%. A necessidade de apelar para a mobilização do voto evangélico deve ter ficado clara para a equipe do candidato. Considerando as demais variáveis, Sarto lidera ou, no máximo, empata. Interessante perceber que, nesta pesquisa, a diferença era menor que a visualizada pelo Ibope. Mesmo entre católicos, Sarto contava com 60% das intenções. O adversário, com 35%.
A mobilização de conteúdos de cunho religioso não tem sido a única estratégia contra Sarto. No sábado (21), a Justiça concedeu direito de resposta após Capitão Wagner disseminar conteúdo ligando o pedetista a facções criminosas, afirmando que estas permitiriam a campanha dele, o que seria indício de proximidade.
Por outro lado, assim como desde o início da campanha, os ataques contra Wagner centram-se na participação na greve da Polícia Militar em fevereiro deste ano, apontadas como motim em comunicações de candidatos e políticos, como já mostramos neste Observatório, e em imagens que povoam grupos de WhatsApp e redes sociais em geral. É difícil não associar o limite de crescimento de Wagner exatamente à vinculação com a pauta e grupos que o alçaram à política institucional. Com dificuldades de tornar o teto mais distante, seus apoiadores buscam aproximá-lo do setor mais conservador, com o qual ele buscou evitar ser rotulado no primeiro turno, o que, inclusive, o fez evitar a presença explícita de Jair Bolsonaro na campanha.
O “kit gay” volta às eleições no Rio de Janeiro
A mobilização do sentimento religioso conservador tem ocorrido com força também no Rio de Janeiro. O bispo e atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) aparece bastante distante do primeiro lugar na última pesquisa Datafolha, Eduardo Paes (54%), registrando apenas 21% das intenções de voto. O levantamento foi divulgado no dia 19. De lá para cá, como noticiou o UOL, moradores receberam panfleto apócrifo que dizia, sem provas, que Paes (DEM) é a favor da legalização do aborto, da liberação das drogas e do “kit gay” nas escolas municipais. No folheto, assinado pela própria campanha de Crivella, Paes aparece ao lado de Marcelo Freixo (PSOL), apresentado como “amigo” do candidato.
Não parou por aí. Em vídeo divulgado nas redes, Crivella disse que o PSOL tentaria implementar “pedofilia nas escolas”, em um eventual governo de Eduardo Paes (DEM). A mentira acabou gerando muita reação negativa. Levantamento feito a pedido de O Globo no Twitter mostrou que 95% das mensagens foram de crítica à declaração de Crivella. O principal influenciador do debate foi o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL). Não é possível mensurar, contudo, o alcance desse tipo de conteúdo em grupos menos abertos ao contraditório, como grupos religiosos no WhatsApp. De todo modo, o exemplo do Twitter e os resultados das pesquisas no Rio são úteis para notarmos que não basta produzir um conteúdo apelativo para crescer.
Complexidade no processo de comunicação e decisão do voto
O processo de comunicação e a própria decisão pelo voto são muito complexos. Na reta final da corrida eleitoral, como em 2018, fica nítida a tentativa de mobilização do eleitorado conservador por meio do destaque a temas relacionados a gênero e religião, com o objetivo de influenciar especialmente o voto de evangélicos conservadores. Se, no primeiro turno, as campanhas estavam pulverizadas entre diversas candidaturas e optaram por um discurso mais ameno, de apresentação dos prefeituráveis e de suas propostas, agora a polarização parece voltar à tona. Superar esse tipo de instrumentalização com amplo debate na sociedade é necessário para frear ou, ao menos, reduzir o impacto das campanhas de desinformação.