Eleições são momentos cruciais para as democracias. É por meio delas que escolhemos nossos representantes, consentimos em sermos governados e garantimos a legitimidade dos governos.
A ocorrência de desastres naturais apresenta um dilema: como e quando realizar eleições nessas situações? Por um lado, o adiamento de eleições torna a ida às urnas mais segura. Por outro, as datas e procedimentos escolhidos podem afetar os resultados, e adiamentos podem levar a crises de legitimidade.
Até a data de elaboração deste texto, 72 países e territórios haviam decidido adiar alguma eleição por causa da pandemia, de acordo com levantamento do Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA, em sua sigla em inglês). O mesmo levantamento mostra que 67 países e territórios realizaram eleições ao longo desse período. Essas disputas nos permitem antecipar o que esperar neste contexto.
Quais os impactos da realização de eleições durante a pandemia?
Estudos discutiram ao menos dois aspectos: o comparecimento às urnas e o desempenho dos detentores de cargos.
Em geral, o comparecimento em eleições realizadas neste período foi menor do que a média nesses países ao longo de 12 anos (2008-2019), segundo outro estudo do IDEA. Porém, ao menos 12 casos foram exceções.
O IDEA elenca três fatores relacionados ao aumento do comparecimento nessas exceções: (1) o fortalecimento de arranjos especiais de votação, como o voto por correio ou o voto antecipado; (2) o contexto político, com disputas mais apertadas ou cruciais para o destino de uma região; e (3) o momento em que a eleição ocorreu, já que locais pouco afetados pela Covid-19 durante as eleições tiveram bom comparecimento (como na Eslováquia e em Togo).
No Brasil, há risco de redução no comparecimento. A Justiça Eleitoral pretende mitigar este problema e reduzir o risco aos eleitores implementando uma série de medidas, como a ampliação do horário de votação, horário preferencial para idosos, equipamentos de proteção para mesários e disponibilização de álcool em gel para eleitores. Contudo, tais medidas ficam aquém de alguns arranjos especiais descritos no relatório, que exigiriam transformações profundas no processo eleitoral brasileiro.
Além disso, apesar da possibilidade do contexto político afetar eleições em algumas cidades, a disputa de 2020 não dá sinais de que isso seja generalizado (vale a ressalva de que, no Brasil, eleições locais têm um comparecimento maior do que as gerais).
Quanto ao momento da eleição, apesar de passarmos por uma redução no número diário de casos e mortes pela Covid-19, a situação da pandemia ainda é grave. Pesquisas do Ibope em 13 municípios mostram que, levando em conta a situação da pandemia e as medidas de prevenção, entre 69% e 79% dos eleitores dizem que irão às urnas com certeza (número abaixo do comparecimento nacional em 2016, que foi de 82,4%), enquanto entre 15% e 24% afirmam ter dúvidas sobre seu comparecimento.
As eleições em outros países e as pesquisas citadas ainda mostram que a queda não deve ser igual em todos os segmentos do eleitorado, o que pode influenciar no resultado de algumas disputas.
Figura: Percentual de eleitores que “com certeza comparecerá para votar”
E quanto aos resultados?
Meses atrás, analistas identificaram um aumento substantivo na avaliação de líderes mundiais, atribuindo-o ao efeito de união nacional, no qual a população se une em torno de seus líderes num momento de crise. Damien Bol e coautores mostraram que um lockdown estava associado a aumento de intenção de voto para o partido do Primeiro-Ministro na Europa Ocidental, atribuindo-o a este efeito.
Porém, ele não é sempre encontrado. Em estudo sobre as eleições locais na Baviera (Alemanha), Arndt Leininger e Max Schaub argumentam que a relação positiva entre o número de casos de Covid-19 e o voto no partido governante não refletia esse efeito, pois somente os candidatos da CSU (principal partido na região) se beneficiaram, enquanto outros partidos mandatários perderam votos.
Roberto Ramos e Carlos Sanz ainda chamam atenção para a duração deste efeito. Ao estudarem queimadas naturais na Espanha, o efeito positivo delas em votações de partidos da situação se restringiu aos meses mais próximos à eleição. Por aqui, já convivemos com a pandemia há vários meses. Apesar da melhora na avaliação de prefeitos e governadores no início deste período, há dúvidas se ele persiste e terá consequências nas urnas.
Sobre o Brasil, George Avelino lançou duas hipóteses sobre fatores que devem favorecer prefeitos que buscam a reeleição: o maior destaque deles ao longo deste período, com resultados concretos para a população; e as restrições a campanhas presenciais, especialmente em municípios pequenos onde as interações face-a-face são mais importantes.
Em análise neste Observatório, a partir das pesquisas de intenção de voto em algumas capitais, o professor Leonardo Avritzer identifica uma relação entre a chance de reeleição e o desempenho do prefeito no combate ao coronavírus.
De fato, trabalhos bem avaliados durante a pandemia devem ajudar mandatários neste ano, especialmente porque, mais uma vez, a saúde foi apontada como o principal problema dos municípios em pesquisas do Ibope em várias capitais brasileiras.
* Lucas Gelape é doutorando em Ciência Política pela USP e mestre pela UFMG. Foi pesquisador visitante (doutorado sanduíche) na Universidade Harvard.