Assim como os seres humanos vão mudando e moldando o comportamento ao longo das distintas fases da vida, os partidos políticos também são afetados pelo tempo e pelo ambiente no qual estão inseridos. A expectativa sobre o comportamento do partido varia conforme esteja na fase originária ou experimentando um processo de institucionalização mais incisivo. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) fez 15 anos de existência ao disputar as eleições 2020, revelando uma conduta que transita entre a rebeldia dos anos iniciais e uma maior aceitação do jogo duro das eleições por resultados.
Um fenômeno típico dos partidos socialistas que pode bater à porta do PSOL em breve reside no trade-off eleitoral. Isso implica o dilema entre (1) manter a “pureza ideológica” e dialogar com um eleitorado mais restrito da base ou (2) ampliar o discurso para alcançar um eleitorado mais amplo em detrimento do apelo classista. A opção (1) preza pela organização da classe social, enquanto a opção (2) foca nos resultados das urnas. Tal fenômeno perpassou muitos dos partidos socialistas europeus da virada do século XIX para o XX e, nas devidas proporções, também aparece na trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT).
O trade-off eleitoral petista ocorreu de maneira lenta e gradual. Nas décadas de 1980-90, o PT adotava um discurso classista e alianças com partidos do mesmo campo ideológico. Com essa estratégia, o desempenho nas urnas era tímido nas disputas municipais e estaduais. No âmbito nacional, a sigla surpreendeu com a ida ao segundo turno em 1989 e depois alcançou o posto de segundo lugar nas derrotas em primeiro turno nos anos 1990. A guinada em busca de uma candidatura competitiva deu-se em 2002, quando o “partido sem patrões” alçou ao posto de vice justamente um vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (o então senador José Alencar).
A mudança na estratégia eleitoral do PT desembocou na vitória de Lula-José Alencar no segundo turno de 2002, assim como nos conflitos internos subsequentes que terminaram por originar o PSOL em 2005, em função de uma dissidência parlamentar. Desde então, o PSOL disputou oito eleições nesses 15 anos de atuação e já demonstra alguns sinais de superação da fase originária. O PT, antes visto como traidor das bandeiras da classe trabalhadora, passou a dividir o mesmo palanque com o PSOL nas capitais do país em 2020.
São nas capitais que os partidos adotam um maior rigor e controle sobre a composição das coligações eleitorais. O PSOL foi a sigla com a maior quantidade de candidaturas próprias nas capitais neste ano, disputando – seja de forma isolada ou numa coligação – em 23 delas e indicando o vice para o PT nas outras três restantes. As composições mais recorrentes ocorreram com PCB, PT, UP e PC do B, chegando a formar uma coligação com seis siglas em Belém e Florianópolis. Esse cenário contrasta com a política de alianças na fase originária, quando o PSOL definia apenas o PCB e o PSTU como parcerias centrais. O fim do governo petista no âmbito federal gerou uma readequação dos papéis das forças partidárias, impulsionado a aproximação do PSOL a esse leque de novos parceiros.
O alto número de candidaturas do PSOL nas capitais contrasta com a quantidade modesta de competidores nas demais cidades. O resultado alcançado nas urnas em 2020 contempla uma capital (Belém) e mais quatro cidades com menos de 30 mil habitantes. É a segunda vez que a sigla venceu numa capital, pois saiu vitoriosa do pleito em Macapá nas eleições 2012. Contudo, o prefeito saiu do partido antes de concluir o mandato em busca “de fazer alianças maiores” com outros entes federativos. No mesmo dia, a sigla perdeu também o único senador que possuía entre os filiados.
Além das vitórias nas duas capitais da região Norte, cabe destacar o nível de competitividade obtido em outros centros urbanos. A sigla chegou ao segundo turno no Rio de Janeiro (2016) e em São Paulo (2020), projetando lideranças importantes para a cena nacional. O bom desempenho nesses casos, contudo, não decorre da mesma estratégia. As vitórias em Macapá e Belém contaram com coligações amplas, enquanto nas duas cidades da região Sudeste houve uma comunicação eficiente que compensou os poucos segundos da propaganda eleitoral no primeiro turno.
Antes apelidada de “Esquerda DCE” nos memes, o PSOL chega aos 15 anos de existência com responsabilidade de “gente grande”. Por conta do êxito em Belém, o partido entrou no grupo de siglas que terão a incumbência de governar um contingente superior a um milhão de pessoas. Por mais competitivo que o PSOL venha a ser nos próximos pleitos, o trade-off eleitoral não reside num fenômeno inexorável. A consolidação desse processo depende tanto do desempenho nas urnas quanto das decisões dos grupos internos no interior da agremiação. PSTU, PCB e PCO nunca fizeram uma movimentação em direção aos espaços institucionais. O PSOL, ao contrário dessas agremiações, nasceu em decorrência de uma dissidência no Parlamento. O lugar de origem do partido – se dentro ou fora dos espaços institucionais – constitui um ingrediente importante para entender o tipo de caminho trilhado pela organização.
No campo progressista, o resultado das eleições 2020 consolida a liderança do PDT e PSB tanto no número de prefeituras conquistadas quanto no quantitativo de eleitores que serão governados. O PT, por sua vez, não se recuperou do tombo de 2016 e ainda permanece numa tendência de declínio. O PSOL corre pelas beiradas diante desses partidos mais estruturados. Dentro de dois anos haverá um novo teste de forças. O PT, apesar do resultado modesto nas disputas municipais recentes, não pode ser descartado como um ator político relevante no xadrez eleitoral de 2022. Afinal de contas, o débil resultado do PT em 2016 não impediu que a sigla tivesse uma votação expressiva dois anos depois no pleito nacional. Mesmo quando era um partido de porte pequeno (anos 1980) ou médio (anos 1990), o PT sempre teve bons resultados nas disputas presidenciais. Portanto, não é uma carta fora do baralho.
O pleito de 2022 põe na mesa do campo progressista o debate sobre a viabilidade de construir uma frente ampla contra Bolsonaro. A estrela vermelha do PT guiou e aglutinou as esquerdas por um período, mas nada indica que ainda terá força para brilhar na mesma intensidade de antes. O PDT já demarca a própria candidatura, buscando parcerias para adquirir competitividade eleitoral e não morrer na praia como das outras vezes – a sigla nunca chegou ao segundo turno.
O PSOL adotou a estratégia da candidatura própria em todos os pleitos presidenciais, dando fôlego ao projeto de expansão e capilaridade partidária no território nacional. Resta saber se buscará aderir a uma frente ampla contra Bolsonaro ou manterá o caminho do próprio fortalecimento organizacional. O PSOL adquiriu um novo patamar de competitividade em 2020, colocando-o em condições mais robustas para debater com os demais componentes do campo progressista o lugar que ocupará no próximo desafio eleitoral. O sol sorridente do PSOL será capaz de brilhar mais uma vez em 2022? “A luz há de chegar aos corações” dos eleitores? A contagem regressiva para o pleito de 2022 já começou.
* Pedro Gustavo de Sousa Silva é doutor em Ciência Política pela UFPE e participa do grupo de pesquisa Partidos, Eleições e Comportamento Político também da UFPE.