Monalisa Torres e Luciana Santana*
Com a finalização do segundo turno em Fortaleza e a vitória do pedetista Sarto é possível identificar com maior clareza o peso dos partidos políticos no Ceará, bem como a força das lideranças no âmbito local. O PDT destaca-se como o principal partido no estado.
Em número de prefeituras, o partido que abriga duas das grandes lideranças do estado, os irmãos Cid e Ciro Gomes, foi o que obteve o melhor desempenho, conforme se pode verificar no gráfico abaixo. Dos 184 municípios cearenses, o partido conquistou 67 prefeituras. Dos cinco maiores colégios eleitorais do estado, a legenda teve sucesso eleitoral na capital, com Sarto Nogueira, e em Sobral, com a reeleição de Ivo Gomes.
Figura 1: Desempenho partidário nas eleições municipais
* Foram considerados no gráfico apenas partidos com lideranças estaduais que ocupam ou ocuparam cargos eletivos no Executivo ou Senado.
O desempenho de PSD, PT e PL
O PSD, legenda que abriga o ex-vice-governador Domingos Filho, é a segunda maior força política no estado e garantiu 27 prefeituras. Embora tenha perdido sua cidade mais importante, Caucaia, do ponto de vista de eleitorado, o PSD teve bom desempenho conquistando importantes colégios eleitorais em cidades de médio porte como Tauá, Quixadá e Iguatu.
O partido do governador Camilo Santana, PT, ampliou o número de prefeituras. Em 2016 elegeu 14 prefeitos. Em 2020 este número subiu para 18, com destaque para a região do Cariri, reduto político de Camilo Lá, o partido venceu a disputa pela prefeitura de Crato, importante colégio eleitoral da região. Itapipoca também foi conquistada pela legenda.
O PL é outro partido que se destacou. Com 13 prefeituras, a agremiação acomoda Acilon Gonçalves, político que tem buscado consolidar seu grupo na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Em 2020, Acilon foi reeleito prefeito de Eusébio e seu filho, Bruno Gonçalves, de Aquiraz.
Outras quatro prefeituras serão ocupadas por aliados muito próximos a Acilon: Beberibe, Cascavel, Pindoretama e Itaitinga. Político da base aliada do governo estadual, Acilon sai fortalecido em 2020 e poderá ter lugar na mesa de negociações sobre a sucessão de Camilo Santana em 2022.
Enfraquecimento de MDB e PSDB no Ceará
O MDB, do ex-senador Eunício Oliveira, teve seu pior desempenho. O partido, que já foi a segunda maior força política no Ceará – entre as eleições de 2008 e 2016 – vem perdendo espaço nas prefeituras, conforme pode ser observado na figura 2.
Se em 2016 alcançou a marca de 28 prefeituras, segundo melhor desempenho naquele pleito, em 2020 reduziu para 17. A maior derrota ocorreu na cidade natal e berço político do senador Eunício, Lavras da Mangabeira. Lá, seu sobrinho, Ildsser Alencar (MDB), perdeu a reeleição para Ronaldo da Madeireira (PSD), apoiado por Cid e Ciro Gomes.
Apesar da aproximação do atual governador, após perder a eleição para o Senado em 2018, Eunício, que hoje comanda o MDB no estado, parece ainda não ter encontrado o melhor caminho para fortalecer a legenda.
Pelo histórico de aliados em eleições passadas e considerando os atritos frequentes com Ciro Gomes, não seria surpresa, em 2022, uma composição do MDB de Eunício Oliveira com o novo bloco de oposição que se forma. Não custa lembrar que o ex-senador já concorreu ao governo do estado em 2014, quando teve como principal aliado o PR, então legenda de Wagner e Roberto Pessoa.
Chama atenção o fraco desempenho do PSDB, sigla que abriga o ex-governador e senador Tasso Jereissati. Os tucanos conquistaram apenas quatro prefeituras em 2020. O PSDB já figurou como a mais importante legenda do estado ao longo da Era Tasso, entre as décadas de 1990 a 2000, e arrastava o maior número de prefeituras no interior, chegando a conquistar 83 prefeituras nas eleições municipais de 2000, recorde de desempenho partidário no período da Nova República.
A cidade mais importante a ser administrada pelos tucanos a partir de 2021 será Maracanaú. Município da Região Metropolitana de Fortaleza, com o segundo maior PIB do estado, tem se consolidado como território da oposição. Muito embora Tasso Jereissati tenha selado acordo de apoio à candidatura de Sarto e reaproximado-se dos irmãos Ferreira Gomes, Maracanaú será administrada (novamente) por Roberto Pessoa (PSDB), atualmente uma das vozes mais fortes de oposição ao grupo governista a nível estadual e aliado de primeira hora de Wagner e Girão.
Já os partidos da oposição, PROS e PODEMOS, legendas de Capitão Wagner e Eduardo Girão, levaram três e uma prefeituras, respectivamente. São elas Caucaia (PROS) e São Gonçalo do Amarante (PROS), na região metropolitana, além de Salitre (PROS) e Juazeiro do Norte (PODEMOS), no Cariri.
Sarto vence em Fortaleza com resultado apertado
Com 51,69% dos votos válidos, Sarto foi sagrado o novo prefeito de Fortaleza. Seu adversário, capitão Wagner (PROS), obteve 48,31% dos votos. Importantes fiadores da candidatura pedetista, o prefeito Roberto Cláudio (PDT) e o governador Camilo Santana (PT) saem fortalecidos do pleito.
A previsão era de uma eleição tranquila e favorável ao candidato pedetista, apontada por sondagens eleitorais divulgadas na véspera do pleito (Ibope e Datafolha dos dias 27 e 28 de novembro, respectivamente). No entanto, Fortaleza experimentou a disputa mais acirrada de sua história. A diferença percentual de votos válidos entre os candidatos foi de apenas 3,38%.
Interessante destacar o nível de polarização e nacionalização que marcaram as campanhas no segundo turno. As estratégias e discursos visando ampliação do desgaste do adversário foram expedientes explorados por ambas as candidaturas.
Sarto colocou-se como liderança capaz de unificar diferentes legendas numa “frente suprapartidária de oposição ao bolsonarismo”, que estaria representada na candidatura de Wagner. Este, por seu turno, explorava a associação de Sarto a Ciro Gomes, acusando-o de candidato sem independência política.
Apesar da grande frente que se montou contra Wagner em Fortaleza, sobretudo a partir de um discurso antibolsonarista, a pecha de apadrinhado do presidente Bolsonaro foi relativamente neutralizada pela sua campanha.
Ela conseguiu despersonalizar o apoio do presidente e explorar a importância do prefeito manter boas relações institucionais com o Governo Federal. Em algumas peças publicitárias que circularam na reta final da campanha, por exemplo, críticas pontuais foram tecidas à gestão de Bolsonaro.
E não custa lembrar que capitão Wagner é uma liderança política já consolidada no estado com votações recordes em 2012, 2014 e 2018, quando disputou cargos no legislativo. Sua entrada na política é anterior à emergência de Bolsonaro e sua aproximação com o presidente data de 2018, quando disputou uma vaga à Câmara Federal e montou palanque no Ceará para o então candidato à Presidência da República pelo PSL.
Ainda que tenha sido derrotado em Fortaleza, Wagner e seu grupo saem fortalecidos do pleito. Seu aliado e coordenador de campanha, o senador Eduardo Girão (PODEMOS), que endossou a retórica anti-ferreiragomista, engrossa a oposição no estado e consolida-se como nome forte para a disputa a sucessão de Camilo em 2022.
A diferença de apenas 43.760 votos entre Sarto e Wagner é sintomática do desgaste de um grupo político que há oito anos governa a capital do estado e que, lançando uma candidatura relativamente desconhecida às vésperas da eleição, confiou que a força da máquina e o tamanho da base aliada seriam suficientes para garantir a vitória.
Eleições em Caucaia
Caucaia, segundo maior colégio eleitoral do Ceará, também escolheu seu prefeito na noite de 29 de novembro. O atual gestor, Naumi Amorim (PSD), disputou a reeleição contra Vitor Valim (PROS). Contrariando os institutos de pesquisa, que davam vitória com ampla vantagem a Naumi, Valim foi eleito prefeito de Caucaia com 51,08% dos votos válidos, contra 48,92% do candidato à reeleição.
A disputa, que em muito assemelhou-se aos embates travados no município vizinho, Fortaleza, colocou em polos opostos lideranças da base do governo que apoiaram Amorim e o grupo político liderado por Wagner e Girão.
No saldo geral e considerando as eleições em Fortaleza e Caucaia, a base governista (leia-se o grupo político dos Ferreira Gomes) manteve a hegemonia política, sobretudo pela quantidade de municípios conquistados por partidos e lideranças aliadas. Ganharam em aproximadamente 150 das 184 prefeituras cearenses. Mas vitórias importantes da oposição colocaram novas peças no tabuleiro que se monta para 2022.
Dos cinco maiores colégios eleitorais do estado, o grupo liderado por Wagner e Girão levou três: Caucaia (Vitor Valim, PROS), Maracanaú (Roberto Pessoa, PSDB) e Juazeiro do Norte (Glêdson Bezerra, PODEMOS). Além de São Gonçalo do Amarante (Professor Marcelão, PROS), onde fica o terminal portuário do Pecém. Estas vitórias indicam não apenas o fortalecimento da oposição, dado o peso econômico, eleitoral e simbólico desses municípios, mas revelam também a real possibilidade de alternativa ao grupo dos Ferreira Gomes.
A força política da família Ferreira Gomes
Apesar da hegemonia do grupo político estadual, a relativa fragmentação partidária observada no novo mapa político do Ceará reflete o modelo de composição de alianças ferreiragomistas: a extensa base de apoio com agremiações dos mais distintos matizes ideológicos. Muito diferente do modelo centralizado de decisões no PSDB, marca da Era Tasso.
O modelo ferreiragomista de incorporação de aliados e compartilhamento de poder garantiu não apenas governabilidade como também capilaridade em todo território cearense. Mas impôs a difícil tarefa de acomodar aliados e coordenar interesses divergentes. Cid Gomes tem cumprido esse papel com desenvoltura.
Em 2022, outro desafio deverá se impor ao grupo dos Ferreira Gomes. O fortalecimento de aliados e a sucessão de Camilo Santana, que deixará o Palácio da Abolição muito mais forte politicamente e deverá, mais uma vez, testar a habilidade de articulador do ex-governador Cid Gomes.
*Monalisa Torres é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. É professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Políticas, Eleições e Mídia (Lepem/UFC)
Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.