Uma das expectativas que a eleição deste ano gerou foi a de que haveria uma diminuição na fragmentação partidária nas Câmaras Municipais. A razão para tanto estava na proibição das coligações para as eleições legislativas, o que obrigou cada partido a lançar uma chapa própria, e bloqueou aquela que sempre foi uma das vias de acesso das legendas mais fracas ao legislativo – a carona nos partidos eleitoralmente mais fortes.
No entanto, isso não aconteceu. Ou pelo menos não aconteceu nas capitais, onde o número de partidos nas Câmaras manteve-se mais ou menos o mesmo, sofrendo apenas pequenas oscilações. É preciso entender o que aconteceu e tentar explicar. Para situar o leitor, a tabela a seguir mostra quantos vereadores cada município elege – a menor Câmara é a de Vitória, com 15 vereadores e a maior, São Paulo, tem 55 – e quantos partidos conquistaram pelo menos uma das vagas em 2020.
As Câmaras nas capitais: número de vagas e de partidos – 2020
Um rápido passeio pela tabela basta para que a fragmentação salte aos olhos. Em Vitória e Palmas o número de partidos aproxima-se do total de vereadores. Apenas em 8 capitais – Florianópolis, Belém, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo – chega-se a uma proporção de dois vereadores para cada partido e somente a última ultrapassa três vereadores por partido.
A figura seguinte explora o fenômeno com outros dados. Nela é comparada a situação das Câmaras, levando em conta os valores médios de quatro fatores para os anos de 2016 e 2020. A fragmentação é dada pelo índice de fracionalização (F), um indicador clássico da Ciência Política. Seu valor vai de 0, situação em que um mesmo partido detém todas as vagas, a 1, quando cada vereador pertence a um partido diferente. Os outros fatores são auto explicativos: o percentual de bancadas compostas por um vereador e das que possuem pelo menos 10% das cadeiras, além da proporção entre vereadores e partidos. Todos os valores representam a média dos valores encontrados para as 25 Câmaras.
A fragmentação nas Câmaras Municipais. Valores médios para 2016 e 2020
Como se pode perceber, os valores médios para F são exatamente os mesmos! Mais do que uma coincidência, o resultado das urnas, nas duas eleições, gerou um quadro muito parecido em todas as Câmaras, sem exceção. Em 2016, Vitória apresentou o menor índice, com 0,85, enquanto BH e Goiânia chegaram a 0,95. Em 2020 foi a vez de Rio Branco e Recife apresentarem o menor índice – 0,87 – ao passo que Belém e, novamente, BH foram a 0,95. Mesmo nas menores Câmaras, a variação de um ano para outro foi pequena e na maior parte das vezes para cima: em Vitória foi de 0,85 para 0,91 e em Palmas, Maceió e Porto Velho, de 0,86 para 0,88. Diminuição só mesmo em Rio Branco – de 0,92 para 0,87. Em resumo, pouco ou nada mudou.
Impressiona também o contraste entre o percentual de partidos que elegeram apenas um vereador e aqueles com pelo menos 10% dos representantes eleitos. Em mais de 50% dos casos não faz sentido “reunir a bancada”. E, novamente, a mudança de 2016 para 2020 é mínima. De fato, as grandes bancadas de vereadores nas capitais em 2020 podem ser contadas nos dedos. O PSB com 12 vereadores em Recife, o PDT com 10 em Fortaleza, PT e PSDB com oito cada em São Paulo; DEM, PSOL e Republicanos com sete cada no Rio de Janeiro, e o MDB com seis em Goiânia. Por fim, dividindo o total de vereadores eleitos – 970 – pelo número de representações partidárias nas Câmaras, descobrimos que, a depender do ano, em média a cada 1,86 ou 1,92 vereadores “constituiríamos” um partido.
Esperava-se menor fragmentação. Por que não ocorreu? Há duas explicações possíveis. Uma aponta para o aumento do número de candidatos a prefeitos: prevendo dificuldades para eleger seus vereadores, os partidos teriam sido estimulados a lançar candidaturas próprias ao Executivo municipal para, com isso, “puxar” a votação na legenda. Mas não se deve apostar que uma legião de candidatos a prefeito com votações irrisórias tenha “puxado” alguma coisa.
O mais provável é que a manutenção da fragmentação em níveis elevados seja explicada pela própria situação do sistema partidário nos municípios. A nível local a atomização é ainda mais intensa do que a observada no plano federal. Com uma ou outra exceção, na disputa por vagas nas câmaras municipais já não se pode falar em partidos eleitoralmente mais fortes: legendas nacionalmente relevantes, DEM, PSDB ou PT, enfrentam quase que ombro a ombro aquelas que costumeiramente são designadas como “nanicas” no Congresso. A fragmentação nas capitais deverá, com o tempo, ser revertida. Mas seguirá a reboque do efeito que o fim das coligações, aliado à cláusula de desempenho, terá sobre o sistema partidário nacional.