Alexandre Kalil (PSD) está entre os grandes vencedores desta eleição. Político com estilo próprio, não foi gerado e nem nutrido em nenhum dos grandes partidos. Tem se destacado desde a sua eleição para prefeito de Belo Horizonte, em 2016.
Duas características o diferenciam de quase todos os candidatos da atual onda de antipolítica: de um lado, Kalil preocupa-se com políticas públicas e resgata a tradição de atuação eficiente nesse campo criada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) na cidade desde 2003. De outro, adere a movimentos contra o establishment político e aproxima-se dos candidatos neopentecostais na Câmara dos Vereadores. Até a eleição deste domingo (15), Belo Horizonte tinha 13 pastores evangélicos vereadores. Kalil foi responsável pela eleição deles, mas não hesitou nenhum minuto em enfrentá-los quando foi necessário.
Alexandre Kalil parece ser dos poucos políticos que consegue ter um pé em cada um dos mundos da polarização política que existe no Brasil hoje. E isso lhe dá apoio popular.
Examinemos um pouco mais as políticas públicas da era Kalil. O prefeito reeleito em Belo Horizonte assumiu a Prefeitura no auge da crise econômica. Seu antecessor penalizou fortemente as políticas sociais para a população mais pobre nos dois primeiros anos da crise.
No início da sua administração, Kalil aproximou-se de políticos petistas com forte tradição na área de políticas sociais e com isso reconstruiu políticas sociais importantes na cidade. Aumentou o número de equipes que lidam com a população de rua e conseguiu melhorar uma situação de crise, ao reabrir o restaurante popular fechado por Márcio Lacerda (sem partido).
Kalil também seguiu a tradição existente em BH ao propor o novo Plano Diretor Municipal que diminui fortemente a possibilidade de construção na parte central da cidade reduzindo o coeficiente de aproveitamento das áreas urbanas para 1,0.
O plano, que foi gerado na IV Conferência Municipal de Política Urbana, recebeu a oposição de toda a área de especulação imobiliária da cidade, mas o prefeito seguiu em frente reforçando uma concepção construída em parceria com entidades da sociedade civil.
Quando olhamos Belo Horizonte pelo lado das políticas públicas, percebemos o porquê do sucesso de Kalil. Ele deu continuidade a um conjunto de iniciativas herdeiras da gestão do ex-prefeito Patrus Ananias (PT). Graças a isso não representou uma polarização com o eleitorado de esquerda na cidade.
Ao mesmo tempo, Kalil adotou uma política de enfrentamento verbal com a esquerda, especialmente com o PT, e de cooptação pontual da sua base de apoio conservadora na Câmara dos Vereadores.
No momento da votação do Plano Diretor Municipal na Câmara, quando o prefeito enfrentava a ira da poderosa Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do lobby das grandes empresas de engenharia da cidade, ele negociou pontualmente com a bancada evangélica a retirada de limitações para a construção e reforma em templos religiosos. Igrejas e templos foram excluídos do pagamento da outorga onerosa, a taxa que construções acima do coeficiente de 1,0 são obrigados a pagar.
O maior conflito de Kalil com a bancada evangélica deu-se em torno do projeto da “Escola Sem Partido”. Aprovado na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte em primeiro turno, até hoje não foi votado em segundo turno. Kalil conseguiu diminuir a velocidade da tramitação do projeto sem se opor abertamente a ele e o projeto acabou não sendo votado. Assim, uma proposta que entornaria o caldo na relação entre prefeito e bancadas conservadoras na Câmara foi posto em banho maria e provavelmente não terá apoio na próxima legislatura.
Kalil foi dos poucos políticos brasileiros que conseguiu equilibrar-se na polarização brasileira. Mas foi durante a pandemia que ele reforçou sua concepção de independente, tendo sido ali que fortaleceu a imagem de eficiente na implementação de políticas públicas.
Belo Horizonte foi a primeira grande capital a fechar o comércio e conseguiu ter baixos índices de transmissão do coronavírus até o início de junho. Foi também uma das poucas capitais a reverter a abertura do comércio no mês de julho, quando Kalil foi fortemente atacado pela Associação Comercial. Sua resistência aos lobbies de direita lhe valeram o apoio de parte da esquerda.
O segredo de Kalil é implementar agendas de esquerda e conseguir compor pontualmente com os interesses conservadores da cidade. A esquerda fica feliz porque sua agenda é implementada. E a direita fica feliz porque tem acesso ao prefeito e compõe pontualmente em causas de interesse próprio que é a grande agenda dos setores conservadores em nosso país.