Carlos Ranulfo Melo*
Terminadas as eleições, três questões ficam no ar: qual a dimensão da derrota de Bolsonaro? Quais as perspectivas do campo de centro-direita? Como a esquerda vai chegar em 2022?
Há um consenso: Bolsonaro perdeu. Começando pelas derrotas de repercussão nacional em São Paulo e Rio de Janeiro e terminando pelas 44 lives apoiando vereadores em diferentes rincões do país, o personagem que venceu em 2018 deu vexame.
Não se sabe ao certo se ele entendeu o recado, mas de todo modo a onda que o elegeu não se apresentou para o embate. Com algumas exceções, predominou uma busca por estabilidade, experiência e responsabilidade.
Nada que não se esperasse, afinal eram eleições locais e em meio a uma pandemia. Mas foram muitos os que tentaram reeditar o espírito de dois anos atrás. Na esmagadora maioria das vezes, fracassaram.
Bolsonaro pode argumentar que seus aliados se saíram bem. É verdade. Segundo levantamento do G1, partidos do Centrão, “vão comandar quase metade dos municípios do país” e, como já adiantaram lideranças do Progressistas, o atual presidente seria muito bem recebido na legenda.
Bolsonaro pode mergulhar de cabeça na “velha política” e aceitar o preço cobrado pela reeleição, mas é uma manobra difícil. Ainda que sua base mais radical aceite o gesto como uma dose necessária de sacrifício, o resultado pode ser caricato se Bolsonaro começar a pedir a todos que esqueçam seus inúmeros terraplanismos.
O problema é que tem coisas que “nem o dinheiro paga”. Uma delas é o apoio a um governo fracassado. Durante um tempo Bolsonaro enganou liberais, com Guedes, e lavajatistas, com Moro. Agora só engana os que não querem ver e as perspectivas não são boas.
No plano internacional, isolamento quase absoluto após a derrota de Trump. No plano interno, a insistência em levar a irresponsabilidade diante da pandemia ao paroxismo, minimizando a importância da vacina, e a ausência de qualquer plano minimamente coerente para lidar com a grave crise econômica e social que o país tem pela frente, projetam um cenário muito turbulento. Os “companheiros” do Centrão são pragmáticos e sabem que não vai dar para culpar o PT e o comunismo no caso de um fracasso.
Isso leva à segunda questão. De novo, uma obviedade: para além do Centrão, os partidos DEM, PSDB e MDB também têm muito a comemorar, apesar da diminuição no número de prefeituras conquistadas pelos dois últimos. Este conjunto de partidos compõe o que se pode caracterizar como um amplo campo de centro-direita no país. Um grupo que andou por um tempo sob o guarda-chuva tucano, “rachou” durante o período petista, se reagrupou sob Temer e Maia, e ensaia nova separação na disputa pela Presidência da Câmara.
Aqui o futuro encontra-se conectado à sorte do governo. Caso o naufrágio torne-se por demais evidente, a centro-direita pode se reagrupar, deixando isolados Bolsonaro e os seus. Caso contrário, ou seja, se o presidente mantiver o nariz fora d’água, com perspectivas de chegar ao segundo turno de 2022, um novo “racha” se produzirá.
Em qualquer dos casos, o Centrão se comportará como linha auxiliar ou, como preferem dizer suas lideranças, como fiador da governabilidade, seja apoiando Bolsonaro, seja chancelando o nome que sair das tratativas entre PSDB e DEM. Nesse último caso, o problema do campo está na construção de uma candidatura competitiva. Como bem disse FHC, a alternativa mais saliente, João Doria, é apenas uma liderança paulista. E contestada, como a campanha de Covas para a Prefeitura de São Paulo tratou de evidenciar.
Finalmente, a esquerda. No cômputo geral, foram 291 vitórias a menos que em 2016, um recuo de 26,6%. Nos municípios com mais de 200 mil habitantes um quadro semelhante, com queda de 23%: eram 26 em 2015 e agora foram vinte. PCdoB e PSB registraram os maiores reveses, com quedas de 44% e 39% no número de prefeituras. A situação se repete nas maiores cidades: os comunistas perderam as duas que administravam e os socialistas caíram de 13 para apenas seis.
O PDT saiu da eleição mais ou menos do mesmo tamanho. O PT viu seu número de vitórias reduzir em 28%, mas avançou nas grandes cidades, subindo de quatro para sete. O partido mostrou-se mais competitivo: foi a legenda com maior presença no segundo turno e o segundo colocado em número de vereadores eleitos nas capitais. Com Belém, o PSOL marcou sua estreia à frente das capitais.
No conjunto, a esquerda mostra-se dependente do Nordeste. Na região, que detém 32% dos municípios brasileiros, foram eleitos 49% de seus prefeitos, além de quatro de suas cinco capitais. Pelo país afora, destacaram-se os excelentes desempenhos de Boulos e Manoela.
A essa altura do campeonato, e até onde a vista alcança, parece que a configuração de uma ampla frente contra Bolsonaro em 2022 vai ficar para o segundo turno. Tal probabilidade aumentará no caso de um fracasso do governo. Nesse quadro, a esquerda tem bala na agulha para um bom desempenho e comparada à centro-direita tem mais nomes de projeção nacional.
Mas algumas perguntas se impõem. Ciro Gomes topa conversar ou encontra-se apenas à espera de um vice? O PT percebeu que os tempos mudaram ou vai deixar que o núcleo em torno de Lula continue impondo escolhas equivocadas? Qual o lugar de Boulos em uma composição a ser feita?
Das respostas dependerá o papel da esquerda em 2022. A julgar pela postura dos partidos no Congresso e pelo quadro de 2020, PSB e PDT estão cada vez mais próximos do centro e mais distantes de PT e PSOL. A se configurarem duas chapas pela esquerda, aumenta a probabilidade de um segundo turno à direita. A ver como se desenrolam as conversas.