Você prefere votar em mulheres ou em homens?

Você prefere votar em mulheres ou em homens?

Segundo a pesquisa “A cara da democracia: eleições 2020”, realizada pelo INCT/Instituto da Democracia, a preferência por votar em candidatas mulheres é maior entre as eleitoras do que entre os eleitores.

Questionadas sobre sua preferência por votar em mulheres ou em homens para a prefeitura de suas cidades, 27,1% das mulheres disseram preferir votar em mulheres, 25,4% disseram preferir votar em homens e 44,8% disseram que tanto faz. Entre os eleitores do sexo masculino, apenas 14,6% manifestaram a preferência por votar em mulheres e a preferência por votar em homens é de 25,2%, praticamente a mesma das eleitoras. A manifestação de indiferença, que entre eles sobe para 58,6%, pode indicar que é maior entre as mulheres a percepção de que as clivagens de gênero têm impacto na vida política e social.

Quando a mesma pergunta foi feita em relação ao cargo de vereador, as respostas tiveram uma pequena oscilação para cima na preferência de eleitores de ambos os sexos por votar em mulheres, indicando uma abertura um pouco maior no caso do Legislativo, assim como uma maior resistência a ligar as mulheres a posições de comando, em cargos executivos.

Gráfico 1: Preferência por votar em mulheres ou em homens, por sexo e cargo

A pesquisa também mediu o conservadorismo do eleitorado, perguntando se há concordância com a afirmação de que pessoas do mesmo sexo podem se casar. As mulheres mostraram uma postura mais liberal, manifestando sua concordância em 55,8% dos casos, enquanto entre os homens 47,7% disseram concordar.

Pudemos, também, verificar que entre as pessoas que concordam com o casamento homossexual, 25,5% disseram preferir votar em mulheres para a prefeitura e um percentual menor, de 18,5%, manifestou preferência por votar em homens. Já entre quem disse ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o percentual dos que preferem votar em homens é mais que o dobro do daqueles que preferem votar em mulheres – 34,2% no primeiro caso, 16,9% no segundo.

Há, assim, dois elementos que precisam ser considerados: um é que o conservadorismo é maior entre os homens; o outro é que a pesquisa capta uma relação entre ser conservador e preferir votar em homens.

Apesar disso, a religião não apareceu como uma variável forte na escolha por votar em homens ou em mulheres, uma vez que a maioria do eleitorado, independentemente de sua crença, respondeu que “tanto faz” – para ser mais precisa, no caso dos católicos foram 49% tanto no caso da prefeitura, quanto da vereança. Mas a preferência por votar em homens é maior entre católicos e evangélicos, manifestada por quase 30% das pessoas nos dois casos, contra cerca de 20% de preferências por votar em mulheres. Já entre espíritas, seguidores de outras religiões e aqueles que declararam não ter religião, a preferência é pelas mulheres, superando a preferência pelos homens em até 10 pontos percentuais. Assim, é na maioria cristã que o viés favorável aos homens é mais evidente.

Outro elemento que permite compreender o perfil do eleitorado é o voto nas últimas eleições presidenciais. Ele indica que a abertura para eleger mulheres é maior à esquerda do que à direita do espectro ideológico. Entre as pessoas que em 2018 votaram no candidato de extrema-direita (à época filiado ao PSL), uma fatia de 30,7% prefere votar em homens, apenas 15,9% dizem preferir votar em mulheres. Já entre as pessoas que votaram no candidato de centro-esquerda (PT), a preferência por votar em mulheres chega a 28,6%, e supera a preferência por votar em homens, que é de 23,5%, como se pode verificar no gráfico abaixo.

Gráfico 2: Preferência por votar em mulheres ou em homens, de acordo com o voto em Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad no segundo turno das eleições, em 2018

A pesquisa “A cara da democracia: eleições 2020” mostra, assim que não temos razões para presumir que eleitores e eleitoras se recusem a votar em mulheres. Há, no entanto, a indicação de que eleitores mais conservadores e que se posicionam à direita no espectro ideológico tendem a preferir votar em homens. E que esses são, em sua maioria, eleitores do sexo masculino. Por outro lado, é entre as mulheres que encontramos uma visão mais liberal em termos morais, que captamos com a pergunta sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como uma disposição maior para votar em candidatas mulheres.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%.

Candidatas, política e vida privada: quem são essas mulheres?

Candidatas, política e vida privada: quem são essas mulheres?

Na última quinta-feira, durante o debate entre as candidaturas à prefeitura de São Paulo, as pessoas fizeram buscas no Google para conhecer mais quem pretende ocupar os cargos de prefeito e vice-prefeito da maior cidade do país.

O nome mais buscado, segundo matéria publicada no portal do UOL, foi o de Marina Helou. Deputada estadual eleita em 2018 pela Rede Sustentabilidade, ela é hoje candidata à prefeitura da cidade pelo mesmo partido. A busca mostrou que os eleitores ainda vinculam as mulheres à vida privada. E isso pode se acentuar se quem se candidata é uma mulher jovem para os padrões da política. Nas buscas, o nome de Helou foi associado à idade, mas também a “pai” e “marido”.

Após o debate, a candidata revelou ter recebido mensagens com comentários sobre seu corpo e perguntas sobre seu estado civil. A sexualização e o assédio são algumas das formas de violência contra as mulheres na política. Atingem candidatas e ocupantes de cargos eletivos e variam em sua forma e intensidade. O perfil racial e ideológico tem sido um dos aspectos importantes para se entender os padrões dessa violência.

No caso de Helou, além da violência, chama a atenção o esforço para posicionar as mulheres na vida familiar e privada. Para se conhecer uma mulher candidata, é preciso saber seu estado civil? Ou ainda, de quem é filha e com quem é casada?

Alguns números e reflexões sobre estado civil de candidatos

Os tempos mudaram e as mulheres hoje têm uma inserção na vida pública, profissional e política muito distinta da que tinham há algumas décadas. Mas o machismo segue forte. A vida doméstica e os laços familiares e de afeto ainda são chamados a explicar quem elas são. Seu sucesso ou fracasso, sua forma de vida e seu caráter, seriam revelados a partir dessa esfera. Não se reconhece para elas a autonomia que se reconhece para os homens. Se uma mulher se apresenta “sozinha” no espaço público, sobretudo em um espaço masculino como o da política, deve haver um homem a promovendo.

Nessas eleições, entre as candidaturas ao cargo de prefeito e vice-prefeito, 13% e 21% são de mulheres. No caso da disputa para vereador, que é regulada pela lei de cotas, esse percentual sobre para 34,4%. Globalmente, segundo estudo recente da ONU Mulheres, o percentual de mulheres que ocupam cargos eletivos na esfera local é de 36%. No Brasil, não alcançamos isso nem entre as candidaturas. Mas quem são as mulheres que conseguem chegar a esse estágio da construção das carreiras políticas? Seu perfil é semelhante ao dos homens?

Observando o perfil de candidatos e candidatas, salta aos olhos o fato de que eles são casados em percentual significativamente maior do que elas. Quando se observa o percentual de pessoas solteiras e divorciadas, a concentração se inverte, como se vê no gráfico abaixo.

Gráfico 1: Estado civil de candidatos e candidatas a todos os cargos (2020)

 

Fonte: Observatório das Eleições, a partir dos dados do TSE.

Entre candidatos e candidatas ao cargo de prefeito, o percentual geral de pessoas casadas é de 68,3%. Novamente, o percentual de homens casados é superior ao de mulheres. Quando observamos as candidaturas à Câmara de Vereadores, que têm média de idade abaixo daquelas à prefeitura, o percentual total de pessoas casadas é de 50,1%. Mais uma vez, há padrões significativos de gênero nos dois casos, mas é interessante observar que a menor concentração de pessoas casadas se encontra entre as mulheres candidatas ao cargo de vereador.

Gráfico 2: Candidaturas por gênero, cargo e estado civil

Fonte: Observatório das Eleições, a partir dos dados do TSE.

Uma primeira hipótese poderia ser que essa diferença se explica pela faixa etária de mulheres e homens. Os dados das candidaturas mostram, no entanto, que não existe discrepância significativa. A maior parte das candidaturas está concentrada na faixa entre 40 e 59 anos (60,74% das deles, 64,69% das delas). E se consideramos o intervalo entre 21 e 39 anos, a discrepância praticamente inexiste (18,64% das candidaturas deles e 18,86% das delas se concentram nessa faixa, que é justamente aquela em que ocorre o maior percentual dos casamentos no país). Também procurei observar a diferença de estado civil entre o conjunto de candidatos brancos e negros. A diferença também não se explica pela clivagem racial.

Com base na literatura sobre participação política feminina, deixo, então, algumas interpretações possíveis para essa diferença no perfil conjugal de mulheres e homens.

Os laços conjugais parecem jogar contra as oportunidades de mulheres candidatarem-se. É possível que elas não encontrem apoio em seus cônjuges. Além disso, a divisão sexual do trabalho pode reduzir as condições para que as mulheres participem, uma vez que toma delas tempo e energia. As mulheres são as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos e pela vida doméstica. Como demonstram as pesquisas de uso do tempo no Brasil, a dedicação a essas atividades se torna maior se são casadas e, sobretudo, se têm filhos. Em sentido oposto, o casamento pode significar um suporte para as candidaturas deles, já que poderiam assim contar com alguém para cuidar ou ao menos organizar o cuidado dos filhos e da vida doméstica.

O que tem sido dito há décadas sobre as relações de trabalho precisa ser lembrado quando falamos da participação das mulheres na política. É preciso avançar em direção a arranjos e compreensões dos papéis, que permitam que as mulheres não tenham que escolher entre a vida profissional ou política e a vida pessoal. Ou, ao menos, que as condições em que fazem suas escolhas não sejam tão diferentes daquelas que se apresentam para os homens.

Cotas para mulheres: mais recursos e menos laranjas

Cotas para mulheres: mais recursos e menos laranjas

Muita gente não se lembra, mas no Brasil as cotas eleitorais para mulheres existem desde 1995. A lei 9.100, daquele ano, estabelecia as normas para as eleições municipais do ano seguinte. Ela definia que “vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres”.

Uma reportagem publicada na Folha de S. Paulo no dia 29 de julho de 1996 (“Cota limita candidaturas de mulheres”, de Patrícia Zorzan), tratava da resistência dos partidos a registrar candidaturas femininas. No texto, um membro da Executiva Estadual do Partido Progressista Brasileiro, hoje Progressistas, dizia que “sobrou candidata” e que elas eram “excelentes”, mas o partido não poderia “preterir os homens”. Naquelas eleições, elas foram 18% das candidatas e 11,2% das eleitas, um resultado fraco, mas 50% maior que o do pleito de 1992, em que as mulheres haviam sido 7,5% das eleitas.

Pouco depois, a legislação se alteraria. A lei 9.504, de 1997, definiu o percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para cada um dos sexos nas listas eleitorais, aplicável às eleições para os cargos de vereador, deputado estadual e deputado federal. Em um sistema de lista aberta, as cotas nas eleições (e não como reserva de assentos) não deveriam assustar. Mesmo assim, os partidos entenderam que era melhor garantir que os homens não seriam “preteridos”. A obrigatoriedade de preencher foi substituída pela de reservar vagas, ao mesmo tempo que se ampliou o percentual de candidaturas em relação aos cargos disponíveis em até 200%.

Assim, embora as cotas fossem agora de 30%, nas eleições municipais de 2000 as mulheres corresponderam a 19% das candidaturas e 11,6% das eleitas. Pouco mudaria nos resultados dos pleitos seguintes. Com a lei 12.034, de 2009, que alterou a redação adotada em 1997, passando a determinar o preenchimento das vagas pelos partidos, o percentual de candidaturas femininas ultrapassou 30%. Mas o de eleitas atingiu 13,5% em 2016, confirmando uma sub-representação que se agrava entre as mulheres pardas e negras, que foram apenas 5% do total de candidaturas vitoriosas. Vale observar, ainda, que uma em cada quatro cidade brasileiras não elegeu mulheres para a Câmara de Vereadores.

É possível esperar mudanças para o pleito de 2020?

Em 2018, provocado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 5617 da Procuradoria Geral da República, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que 30% dos recursos do Fundo Partidário para financiamento de campanhas deve ser dirigido às mulheres. Antes disso, vigorava legislação que definia um teto de 15%. No mesmo ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou a decisão e a ampliou, definindo que esse percentual valeria também para a propaganda eleitoral partidária, garantindo o mínimo de 30% do tempo de rádio e TV para as mulheres. Essas determinações são um fator no aumento de 50% no percentual de eleitas para a Câmara dos Deputados e de 41,2% no total de eleitas para as Assembleias estaduais e no Distrito Federal. Luciana Oliveira Ramos e Catarina Barbieri, da FGV-SP, mostraram que houve menor concentração dos recursos para financiamento das campanhas, mas que as desigualdades raciais ficaram ainda mais evidentes. E, claro, a obrigação legal de financiar as candidaturas femininas encontrou reações nas candidaturas-laranja, uma das formas encontradas pelos partidos para, mais uma vez, não “preterir os homens”.

Julgamentos relativos ao mínimo de mulheres nas chapas nas eleições de 2016 e consultas sobre as decisões de 2018, levaram a novas resoluções do TSE, em 2019, com o objetivo de impedir fraudes. A resolução 23.609/2019 deixa claro que o não atendimento do mínimo de 30% de candidaturas é suficiente para o indeferimento do pedido de registro do partido. Essas candidaturas devem ter sido devidamente autorizadas por escrito pelas mulheres e a ausência dessa autorização pode levar ao indeferimento de toda a lista. Já a resolução 23.607/2019 determina que os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas destinados às candidaturas de mulheres devem ser aplicados pelas candidatas no interesse de suas campanhas ou no de outras candidaturas femininas. As dobradinhas com homens podem ser financiadas, desde que em seu interesse.

Além das mudanças legais, há algo menos direto, mas com efeito potencial importante, que precisa ser considerado. Multiplicaram-se as plataformas e movimentos voltados para a candidatura de mulheres e, mais especificamente, de mulheres negras, assim como os cursos para sua capacitação. Após décadas de debates e ações, difundiu-se no Brasil o entendimento de que há algo de errado no largo controle masculino sobre os cargos. Ele passa por processos internacionais, com forte impacto regional – ao menos 16 países na América Latina têm hoje leis de cotas ou paridade. Passa também pela maior capilaridade dos feminismos, pelas candidaturas coletivas, pela mudança nas coberturas jornalísticas.

Persiste, no entanto, a recusa dos partidos a apoiar as candidaturas das mulheres. Numa dinâmica que se repõe a cada eleição, as mulheres é que são preteridas na organização das listas partidárias, do financiamento e da propaganda. A esse fator bem conhecido, tem se somado outro, que ainda precisamos mapear melhor, a violência contra as mulheres na política. Ela se manifesta nas redes sociais e nas ruas, nas reuniões partidárias e nos trâmites do subfinanciamento, tornando o custo da participação política ainda maior para as mulheres. As instituições eleitorais precisam estar atentas às fraudes, mas também à violência que se apresenta na forma de constrangimentos, ameaças e coerção. Dos partidos, esperamos o que é seu dever legal, compromisso com a democracia, respeito e o apoio devido às mulheres.