por Monize Arquer e Oswaldo Amaral | nov 12, 2020 | Destaque 1, Grupos de interesse, Opinião Pública
Oswaldo E. do Amaral e Monize Arquer*
Em tempos de polarização ideológica em vários países, o mantra “política e religião não se discutem” voltou a ser dito em várias reuniões de família como forma de evitar aquela briga desagradável que separa irmãos, primos, etc., e acaba com a festa muitas vezes antes mesmo da sobremesa. Em 2017, pesquisadores nos EUA chegaram a demonstrar que a tradicional reunião do Dia de Ação de Graças por lá tendia a durar de 20 a 30 minutos menos quando as famílias misturavam republicanos e democratas.
Apesar do mantra e das boas intenções dos que não querem ver as reuniões de família consumidas por discussões intermináveis e nem sempre amistosas, cada vez mais política e religião estão conectadas no Brasil e sua relação deve ser discutida e analisada. Neste espaço, por exemplo, já mostramos como vem crescendo o número de candidatos que utilizam títulos religiosos (pastor, bispa, padre, etc.) na identificação de urna. Em tempos de campanhas eleitorais cada vez mais curtas, esse aumento indica que os candidatos julgam ser importante comunicar essa informação para o eleitor tomar sua decisão.
Uma série de trabalhos acadêmicos mostra que há alguns padrões de comportamento político e eleitoral específicos entre alguns grupos religiosos. Em 2018, por exemplo, o então candidato Jair Bolsonaro recebeu o apoio das principais lideranças evangélicas do país e foi muito bem votado nesse segmento. Estudos mostraram que ser evangélico dobrava a chance de votar em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais com relação aos católicos. Para além disso, pesquisas realizadas pelo Ibope durante a eleição presidencial e disponíveis no banco de dados do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp mostraram também que o antipetismo era maior entre os evangélicos do que entre os católicos.
Pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”
E em 2020? É possível distinguir preferências políticas a partir da filiação religiosa dos entrevistados? Tentamos responder a essa pergunta usando a recente pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”, realizada pelo INCT – Democracia e Democratização das Comunicações, um consórcio de universidades e pesquisadores financiado pelo CNPq e pela Fapemig. A pesquisa foi realizada com dois mil entrevistados em todo o Brasil entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro, e possui margem de erro de 2,2 pontos percentuais e Índice de Confiança de 95%.
Apoio ao Governo Bolsonaro é maior entre evangélicos
Começamos com aspectos relativos às eleições de 2020. Perguntados se poderiam votar em um candidato para prefeito indicado pelo ex-presidente Lula, 42% dos católicos (51% do total da amostra) e 52% dos evangélicos (23% do total) disseram que não votariam de jeito nenhum em uma pessoa indicada pelo líder petista. Quando o cabo eleitoral foi Jair Bolsonaro, o sentido se inverteu: 36% dos evangélicos e 47% dos católicos declararam que não seguiriam de forma alguma uma indicação do atual presidente.
Lógica semelhante foi encontrada no nível de aprovação da administração Bolsonaro: entre os evangélicos, o governo contou com a aprovação de 52% e, entre os católicos, de 42%.
Já com relação à preferência partidária, os evangélicos mostraram-se menos identificados com o PT do que os católicos, sendo o partido o mais mencionado entre os eleitores de uma maneira geral (16%). Entre os primeiros, 10% afirmou ser o PT o seu partido favorito e, no segundo grupo, a porcentagem foi de 17%.
O PT foi também o partido que mais foi citado quando os eleitores foram perguntados sobre a agremiação política de que menos gostavam (26%). Entre os católicos, a porcentagem foi de 25% e, entre os evangélicos, de 31%.
Com os dados de que dispomos, é possível afirmar que a religião continua sendo um componente que influencia a preferência dos eleitores e ajuda a explicar a política brasileira. Ao que parece, os padrões identificados a partir da última disputa presidencial continuam vigentes. Os eleitores evangélicos, em comparação com os católicos (os dois grandes grupos religiosos do país), continuam a apoiar mais o presidente Jair Bolsonaro e seu governo, e a rejeitar em maior porcentagem o PT e o ex-presidente Lula.
Conservadorismo social?
A influência de condições sociais sobre o comportamento eleitoral não é novidade na Ciência Política, e a religião não seria uma exceção. O fato dos eleitores escolherem candidatos que defendam suas demandas está diretamente ligado ao princípio da representatividade. Por exemplo, quando perguntados se pessoas do mesmo sexo poderiam se casar, 64% dos evangélicos discordaram, enquanto a porcentagem geral entre os entrevistados foi de 40%. Natural, então, que essa seja uma questão que preocupe os eleitores evangélicos em maior proporção do que os católicos.
Mas, se por um lado há a importância do princípio representativo de atender demandas específicas da população, por outro também é importante verificar os limites dessas demandas, principalmente quando tratamos de questões relacionadas à moralidade, algo que se relaciona diretamente com princípios religiosos. Isso porque, partindo do princípio da laicidade do Estado, presente na Constituição Federal de 1988, é importante ficarmos atentos para que pautas morais relativas à vida privada não levem a políticas públicas universais que privem ou limitem a liberdade e os direitos da população.
Ao defender uma visão tradicional de família e adotar uma postura conservadora nos costumes, o governo Bolsonaro e as bancadas religiosas parecem conseguir mobilizar e responder a uma parcela importante da sociedade. Se essa postura será capaz de criar uma identidade política duradoura entre alguns grupos ainda é cedo para dizer. Por agora, parece suficiente concluir que política e religião estão juntas e misturadas o bastante para atrapalharem muitos encontros de família e que muitas sobremesas ficarão intocadas – uma pena.
Oswaldo E. do Amaral é professor de Ciência Política na Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição.
Monize Arquer é doutora em Ciência Política pela Unicamp, com período sanduíche na Universidade de Oxford, e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop – Unicamp). Atua em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC.
Nota metodológica: todas as diferenças porcentuais mencionadas no texto são estatisticamente significativas a 95%. Os católicos representam 51% do total de respondentes e os evangélicos, 23% do total.
A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%. Todas as diferenças percentuais mencionadas no texto são estatisticamente significativas a 95%. Os católicos representam 51% do total de respondentes e os evangélicos, 23% do total.
por Monize Arquer e Oswaldo Amaral | out 20, 2020 | Destaque 1, Opinião Pública
As eleições municipais obedecem a lógicas locais. Essa é uma máxima muito comum entre os analistas políticos e é, em grande medida, verdadeira. Descolados das eleições gerais, questões e temas municipais tendem a dominar as discussões nas disputas para prefeituras e câmara de vereadores.
No entanto, políticos e partidos não disputam as eleições municipais pensando apenas nelas. Pensam também em suas carreiras e em como ampliar as chances de sucesso em seus eventuais mandatos e eleições futuras. Ou seja, há um pedaço da estratégia que está conectado com dinâmicas políticas que estão além das questões locais.
Ao analisarmos os dados de lançamento de candidaturas para prefeitos e vereadores entre 2000 e 2020 por bloco ideológico (esquerda, centro e direita), é possível observar movimentos compatíveis com a distribuição de poder em nível nacional.
Esquerda cresceu entre 2000-2012
Entre 2000 e 2012, houve um crescimento na porcentagem de candidaturas dos partidos de esquerda no país tanto para as prefeituras como para as câmaras dos vereadores. Em boa medida, isso reflete o aumento da capilaridade do PT no período. Ocupando o governo federal desde 2003, o partido ampliou os incentivos para a migração de políticos e para a abertura de diretórios no interior do Brasil. Desde 2016, porém, os partidos de esquerda perderam espaço e apresentaram queda na proporção de candidatos lançados.
A crise que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e a subsequente conquista do governo federal por um presidente abertamente hostil a qualquer partido de esquerda reduziram os incentivos para os candidatos locais se lançarem por esses partidos.
O PSB e o PV, por exemplo, estão entre os partidos que mais perderam candidatos que disputam novamente as eleições em 2020. Entre os que mais obtiveram ganhos, nenhum partido é de esquerda.
Os partidos de centro mantiveram o viés de queda verificado desde os anos 2000. Ou seja, não se beneficiaram da nova conjuntura política do país e perderam espaço entre 2016 e 2020 para partidos de direita.
O PSDB, por exemplo, assim como os partidos mencionados, está entre as agremiações que mais perderam candidatos que disputam novamente a eleição em 2020. O destino preferido, neste caso, foi o PSD, legenda que já nasceu com alguma força eleitoral por ter atraído lideranças importantes do cenário político e que segue buscando ampliar sua capilaridade no interior do país.
Direita ganhou espaço a partir de 2016
Entre 2000 e 2008, houve uma pequena queda na porcentagem de candidatos de partidos de direita. A partir de 2016, no entanto, houve um crescimento expressivo na porcentagem de candidatos que pertencem a esse bloco ideológico. Em 2020, quase 60% dos candidatos a vereador e a prefeito estão filiados a partidos de direita – recorde na série entre 2000 e 2020. O DEM foi o partido que mais se beneficiou com a migração de candidatos que disputaram as eleições de 2016, seguido pelo PP e pelo PSD.
Quando observamos os dados por UF, vemos que o crescimento das candidaturas em partidos de direita é generalizado em todo o Brasil. Apenas no Rio Grande do Norte, há menor proporção de candidatos de partidos de direita em 2020 do que em 2016 nas disputas para as prefeituras. Para as câmaras dos vereadores, em apenas quatro estados (BA, CE, RN e RR) não houve aumento da proporção de candidaturas por legendas de direita.
Os dados mostram duas coisas: (a) as eleições locais não se restringem apenas a dinâmicas políticas locais; (b) no cálculo de políticos e lideranças partidárias, de uma maneira geral, candidatar-se por um partido de direita na atual conjuntura política do Brasil, parece aumentar as chances de sucesso.
A julgar pelas preferências dos políticos, a direita larga na frente para 2022. Agora resta combinar com os “russos”: os eleitores, a partir de 15 de novembro.
Nota metodológica
Os partidos foram classificados da seguinte forma:
Esquerda – PCdoB, PCB, PCO, PDT, PMN, PPL, PROS, PSB, PSOL, PSTU, PT, PV, Rede e UP.
Centro – MDB, PPS, PSDB.
Direita – Novo, PAN, Patriota, PTB, DEM, PGT, PHL, PL, PMB, PP, PRN, PR, PRB/Republicanos, Prona, PRP, PRTB, PSC, PSDC/DC, PSL, PST, PTdoB/Avante, PTC, PTN/Podemos, Solidariedade.
por Monize Arquer e Oswaldo Amaral | set 30, 2020 | Opinião Pública
A eleição de 2018 confirmou a crescente influência de dois grupos sociais na política eleitoral brasileira: militares e religiosos, em especial os ligados às várias denominações evangélicas. Surfando na onda conservadora que resultou na vitória de Jair Bolsonaro, os dois grupos ampliaram sua representatividade no país todo.
Não sabemos ainda o que vai acontecer em 2020, mas a julgar pela análise do número de candidaturas que usaram títulos religiosos e militares no nome de urna, é possível imaginar que esse movimento não tenha atingido seu teto em 2018. O nome de urna não é capaz de indicar a quantidade de candidatos militares e religiosos em uma eleição, mas é uma boa medida para mostrar o quanto vinculações religiosas e militares parecem importantes para os candidatos impressionarem os eleitores – funcionando como um atalho informacional para a decisão do voto.
Aumento de mais de 300% no número de candidatos à prefeito com títulos militares
O Observatório das Eleições compilou os dados divulgados pelo TSE sobre os registros de candidaturas às prefeituras e às câmaras municipais em 2016 e em 2020 e chegou aos seguintes resultados: o número de candidatos com títulos militares para as prefeituras no país todo saltou de 53, em 2016, para 243, em 2020, um aumento de mais de 300%, bem acima do aumento geral de candidatos, que foi de 18%.
Em 2020, mais de 1% dos candidatos a prefeito apresentam-se ao eleitorado como militares. Em 2016, foram 0,4%. Em 23 estados, o número de candidatos usando títulos militares às prefeituras foi maior do que em 2016.
Entre os candidatos a vereador, aumento é de 56%
Para as câmaras municipais, o número de candidatos com essas características também cresceu bastante. Em 2016, foram 1903 candidatos. Em 2020, o número saltou para 2965, um aumento de 56%, bem acima dos 16% de crescimento no número de candidatos. A elevação deu-se em 25 estados.
Candidatos com títulos religiosos
O crescimento entre candidatos com títulos religiosos no nome de urna foi mais modesto. Em 2016, foram 77 candidatos às prefeituras de todo o Brasil. Agora, o número foi de 87, um crescimento de pouco mais de 10%. Para as câmaras municipais, foram 3165 candidatos em 2016. Neste ano, o número foi de 4500, um aumento de mais de 40%, novamente acima do crescimento geral e com ampliação no número absoluto em todos os estados.
Entre os partidos políticos, o PSL foi o que mais lançou candidatos com títulos militares às câmaras municipais (308), e o Republicanos, próximo à Igreja Universal, foi o que mais acolheu postulantes com títulos religiosos (367). Ambos são partidos claramente conservadores.
Diferentes estratégias
Os militares parecem reconhecer em suas carreiras um ativo importante tanto nas disputas majoritárias quanto nas proporcionais. Como mostrou ontem Fabio Zanini, um aplicativo conservador que busca influenciar os eleitores recomenda o voto em militares, pois sua carreira “é pautada em valores, deveres, ética e defesa da pátria”.
Entre os religiosos, como vem acontecendo nos últimos pleitos, a ênfase recai nas eleições proporcionais, em que conseguem se beneficiar de nichos eleitorais e de um grande número de vagas em disputa e mobilizar pautas conectadas aos costumes e ao tradicionalismo sexual.
Com esse aumento de oferta, a disputa pelo eleitorado conservador será bem acirrada em 2020.
Nota metodológica
Os dados foram calculados com base no nome de urna de cada candidato registrado para as disputas de 2016 e de 2020. A categoria “religiosos” inclui as palavras bispo, pastor, padre e reverendo, assim como suas versões no gênero feminino e respectivas abreviações e derivados. Já a categoria “militares” agrega as palavras soldado, cabo, sargento, tenente, capitão, major, coronel, general e comandante, e, igualmente, suas respectivas versões no gênero feminino, abreviações e derivados.
*Monize Arquer é doutora em Ciência Política pela Unicamp e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição
Oswaldo E. do Amaral é professor do departamento de Ciência Política da Unicamp e Diretor do Cesop/Unicamp