Apesar da indefinição no Recife, segundo turno pode ser um duelo em família

Apesar da indefinição no Recife, segundo turno pode ser um duelo em família

Priscila Lapa e Luciana Santana*

As pesquisas de intenção de voto sinalizam, até o momento, uma disputa quadrangular: são quatro os candidatos que se posicionam com chances de chegar ao segundo turno das eleições. Fica evidente a consolidação da dianteira do candidato governista, o deputado federal João Campos (PSB). Com um crescimento expressivo na primeira quinzena do mês de outubro, tem mantido-se em posição estável nas pesquisas, com boa diferença em relação aos demais.

A briga pela segunda colocação está sendo protagonizada por três candidatos: Mendonça Filho (DEM), Marília Arraes (PT) e Delegada Patrícia (PODE). Como é possível observar na figura abaixo, há poucas variações no desempenho das candidaturas de uma pesquisa para outra, desde meados do mês de outubro. É importante, no entando, chamar a atenção para o desempenho da candidata petista nas duas últimas rodadas de pesquisas realizadas pelo Instituto DataFolha, que aponta crescimento na intenção de votos dos entrevistados, saindo de 16 para 21%.

Figura 1: Desempenho dos candidatos à prefeitura do Recife nas pesquisas eleitorais

Fonte: Pesquisas eleitorais IBOPE, DATAFOLHA e IPESPE

A formação desse quadrangular torna a disputa no Recife diferente do que geralmente ocorreu na cidade, caracterizada pela polarização entre duas candidaturas, com pouco espaço para terceira via.

A grande moldura das eleições 2020 era justamente a existência de uma oposição alicerçada no desgaste da gestão municipal, somada ao da gestão estadual, que está nas mãos do PSB há quatro mandatos consecutivos.

Ao mesmo tempo, havia a dissolução de uma aliança com o Partido dos Trabalhadores (PT), que, entre idas e vindas, compôs a Frente Popular com os socialistas em diversas ocasiões. O PT optou por um vôo solo, consolidando em 2020 um projeto que naufragou na eleição estadual de 2018: a candidatura da deputada Marília Arraes. Um quadro jovem e que simboliza um movimento de renovação do partido em Pernambuco. Àquela época, as pesquisas apontavam-na como uma candidata viável eleitoralmente, mas o partido acabou optando por apoiar a reeleição do governador Paulo Câmara (PSB), enxergando como a única maneira de viabilizar a reeleição do senador petista Humberto Costa (PT).

Desempenho de candidaturas bolsonaristas

A oposição não conseguiu se reunir em torno de uma candidatura única. Várias opções surgiram no cenário, fracionando as escolhas daqueles eleitores que não querem a permanência do PSB no poder.

Algumas dessas candidaturas tentaram viabilizar-se alinhando o discurso com Jair Bolsonaro, para ampliar popularidade em um momento em que, no âmbito nacional, o presidente tem sua avaliação ascendente. No entanto, conforme observado nas pesquisas, esses candidatos mais alinhados com o bolsonarismo tem tido um desempenho pouco competitivo no Recife. São eles: Coronel Feitosa (PSC); Marco Aurélio Meu Amigo (PRTB) e Carlos Andrade Lima (PSL).

A Delegada: uma surpresa na disputa recifense

A Delegada Patrícia (PODE) entrou na disputa como o elemento novo, já que é estreante na política, tendo filiado-se em março ao partido pelo qual concorre. Antes disso, ganhou popularidade em uma disputa com o governo do Estado pela titularidade da delegacia em que atuava de combate à corrupção.

À época, em 2018, foi realizada uma reforma administrativa, que culminou com o fechamento da delegacia, incorporando-a a outro departamento dentro da Polícia Civil. A partir de então, a delegada passou a percorrer diversas instâncias realizando palestras sobre o combate à corrupção, sempre citando o ex-juiz Sérgio Moro e a Operação Lava Jato como referências.

Após o rompimento de Moro com o governo Bolsonaro, tiveram início as especulações sobre como seria o discurso político da até então pré-candidata. O fato é que ela tem centrado seu discurso na oposição ao PSB, sobretudo nos indícios de corrupção na atual gestão municipal e não faz referências claras a quaisquer atores políticos. Oscilando entre 11% na primeira rodada e 14% na mais recente (Datafolha, 05/11), ela tem sido na reta final da campanha alvo dos demais postulantes da oposição, que tentam inviabilizá-la no segundo turno.

Candidatos mais competitivos e chances eleitorais

Dos quatro candidatos mais competitivos, apenas Mendonça posiciona-se como um político experiente, mostrando que é veterano e que, portanto, sabe como resolver os problemas da cidade. Ele começou a disputa em segundo lugar, em razão, inclusive, do desconhecimento dos eleitores em relação aos demais candidatos.

Ressalte-se que uma das características da eleição 2020 no Recife é a quantidade de “marinheiros de primeira viagem”. Disputam pela primeira vez uma eleição a Delegada Patrícia (PODE), Carlos Andrade Lima (PSL), Charbel (Novo) e Thiago Santos (UP).

João Campos carrega o legado do pai, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, e do avô Miguel Arraes, uma das maiores lideranças políticas do Estado. Antes de disputar a Prefeitura do Recife, Campos ocupou o cargo de chefe de gabinete do governador Paulo Câmara e elegeu-se deputado federal em 2018, quando se iniciaram os preparativos para a sua candidatura em 2020.

A narrativa desde a pré-campanha, e que tem sido explorada com força total pelos adversários, coloca a figura de João Campos como a de um príncipe herdeiro de uma família que desejaria perpetuar-se no poder a todo custo. Isso fez com que a rejeição do socialista fosse a maior entre os candidatos até a penúltima pesquisa (em torno de 33%).

A estratégia da sua campanha, no entanto, foi colocar João como um jovem destemido, portador das próprias ideias. Fora a máquina estadual e municipal a seu favor, ele tem a maior coligação e o maior número de candidatos a vereador, fazendo com que sua vantagem na competição tenha sido conquistada desde a primeira rodada das pesquisas.

No mesmo espectro político de João Campos (PSB), está a candidatura de Marília Arraes (PT), sua prima e também deputada federal. Marília igualmente se prepara para a eleição municipal de 2020 há dois anos. O seu partido, o PT, iniciou a campanha deste ano dividido entre abraçar o projeto de Marília ou apoiar João Campos, mantendo a aliança renovada entre os dois partidos na eleição de 2018.

Nas primeiras aparições na campanha, a petista parecia distante da identificação com o PT, por não utilizar os símbolos, as cores e nem fazer alusão às principais lideranças do partido. Da primeira para a última rodada das pesquisas, ela saiu de 14 para 21% das intenções de voto, crescendo em todos os segmentos do eleitorado.

Que mudanças foram percebidas em sua estratégia? A mais visível delas foi a presença de Lula em suas inserções no rádio, televisão e redes sociais, além da crítica aberta à gestão PSB e às propostas apresentadas por João Campos. Assim, ao que parece, ela reafirmou o seu posicionamento político-ideológico e conseguiu angariar a simpatia dos eleitores que se identificam como centro-esquerda, mas estão movidos pelo sentimento de mudança e rejeição ao PSB.

Duelo entre primos no segundo turno?

À medida que o dia da eleição vai se aproximando, o quadro configura-se com a tendência de segundo turno e de que a disputa se dará por um duelo entre primos.

João Campos decolou, mas agora aparece estável nas pesquisas. Dificilmente vencerá no primeiro turno. Marília segue em movimento ascendente. Essa configuração – duas candidaturas de centro-esquerda no segundo turno – parecia improvável, a partir da hipótese de que um tiraria votos do outro e que em 2020 a polarização seguiria a trilha de 2018: direita x esquerda. Além disso, opções mais alinhadas com o centro-direita não faltam.

Os dois – Marília e João – falam do legado de Miguel Arraes. Os dois são políticos jovens, que representam “renovação” nos quadros dos seus partidos. Como o eleitor compreenderá o que os divide? Apenas a filiação partidária seria suficiente?

Até o momento, Marília mostra-se como combativa e crítica ferrenha ao atual prefeito Geraldo Júlio. Sustenta posições contrárias às de João Campos. Isso parece estar funcionando para alavancar sua candidatura.

Por outro lado, João segue a estratégia do candidato que está consolidado na dianteira: é sutil nas críticas, focando mais em mostrar a sua performance, capacidade discursiva e popularidade. Posiciona-se como alguém que reconhece os avanços dos últimos anos, mas que sabe os desafios que a cidade ainda tem a vencer.

Quem representa a mudança para Recife?

A leitura que se pode fazer é de que a eleição no Recife molda-se pela narrativa da mudança versus continuidade mais do que pela disputa direita versus esquerda. Tem-se dois candidatos viáveis de centro-direita e dois de centro-esquerda.

João Campos, que lidera as pesquisas, simboliza a continuidade de um projeto político. Se esse projeto fosse claramente rejeitado pela maioria do eleitorado, o seu desempenho não seria o de liderança em todas as rodadas das pesquisas.

Ao mesmo tempo, os três candidatos que disputam a segunda colocação são justamente aqueles que centram fogo na atual gestão, associam o PSB à corrupção e tentam colar em João a imagem de alguém que não tem personalidade política própria. Mostram-se como protagonistas de novas propostas, de um novo olhar para os problemas da cidade.

Talvez pela proximidade dos discursos, nenhum dos três candidatos tenha conseguido capitalizar para si o sentimento de mudança, mostrando que não se pode subestimar o peso da máquina estadual e municipal para garantir a perpetuação do poder.

Proibição de carreatas e caminhadas

As cenas protagonizadas pelas campanhas eleitorais no estado faziam crer que em Pernambuco a pandemia havia sido superada. Aglomerações de pessoas e completo desrespeito às normas sanitárias levaram o TRE a proibir em todo território quaisquer tipos de eventos de campanha que pudessem gerar aglomerações. Isso a três semanas do pleito.

A reação da maior parte dos candidatos da capital foi dizer que acataria a decisão, sem qualquer tom crítico à medida. Mas é perceptível que, em uma disputa acirrada, as ruas vão fazer muita falta.

Correr atrás de cada voto, dar visibilidade à campanha, mostrar força, tudo isso se perde com o distanciamento físico. As redes sociais não tiveram até agora o mesmo peso que em 2018. Essa migração para o virtual não é simples, não é elementar.

O que esperar nesta reta final?

Dificilmente João Campos desidratará. Se as intenções de voto estão estagnadas em 31%, sua rejeição tampouco cresce, ao contrário da de outros candidatos. Ele vem sendo o alvo preferencial das críticas desde o início da campanha, mas isso não parece ser suficiente para desestabilizá-lo na disputa.

Ao mesmo tempo, o entusiasmo com a possibilidade da Delegada Patrícia decolar parece estar perdendo força. Sua rejeição aumentou muito rapidamente, fazendo com que ela hoje tenha o maior índice (35%). Isso deve-se, possivelmente, à exploração por diversos candidatos de postagens antigas nas redes sociais da candidata do Podemos, nas quais se refere de forma pejorativa ao Recife e à população recifense (ela é carioca).

Mendonça Filho pode se beneficiar do voto útil, angariando a aprovação dos eleitores que abandonaram a candidatura da delegada, após a revelação das postagens que mexem com a tão conhecida identidade do recifense.

E Marília Arraes parece ter acertado o tom junto ao segmento mais de esquerda e mostra-se em movimento ascendente, apesar do desgaste da imagem do seu partido no estado.

* Priscila Lapa é doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo) e em Serviço Social. Professora na Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO) e Analista Técnica no SEBRAE-PE, atuando na área de Políticas Públicas.
Luciana Santana é doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.

Para entender o “fenômeno” Kalil: o apagão de PT, PSB, PSDB e MDB em BH

Para entender o “fenômeno” Kalil: o apagão de PT, PSB, PSDB e MDB em BH

A eleição de Belo Horizonte vem se mostrando talvez a mais “monótona” dentre as das capitais. O atual prefeito Alexandre Kalil (PSD), segundo pesquisa do IBOPE divulgada no dia 29/10, tem 55 pontos de vantagem sobre o segundo colocado e supera a soma de todos os competidores em cerca de 40 pontos.

Um dos fatores que podem explicar tal situação é a avaliação retrospectiva feita pelo eleitor: segundo o IBOPE, 70% avaliam a gestão de Kalil como ótima ou boa, mesmo índice obtido pelo Datafolha (22/10) no que se refere ao desempenho no enfrentamento pandemia. A boa imagem do atual prefeito é corroborada por um índice de rejeição de apenas 15%, ainda segundo a última pesquisa do IBOPE. E ajuda a entender por que as críticas feitas pelos seus adversários não vem surtindo qualquer efeito.

Mas há um outro fator a se considerar: o apagão dos partidos que desde a redemocratização tiveram protagonismo na disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Em 2020 nem PT, PSB, PSDB ou MDB credenciaram-se como competidores efetivos. A tabela 1 traça um breve resumo das eleições entre 1985 e 2016. Para cada ano eleitoral são apontados os principais competidores no 10 turno (do mais para o menos votado), o partido vencedor, e se a definição deu-se em primeiro ou segundo turno. Na segunda coluna são destacadas as ocasiões em que PT, PSB e PSDB se coligaram.

Tabela 1

Principais partidos na disputa pela PBH (1985-2016)

Como se pode observar, apenas por duas vezes (1985 e 1992) partidos de direita tiveram alguma expressão eleitoral na cidade. Nas duas primeiras eleições, Belo Horizonte foi governada por partidos situados ao centro (MDB e PSDB) e de 1992 até 2016, a esquerda esteve à frente da prefeitura, com PSB ou PT – em quatro ocasiões de forma coligada (1992, 1996, 2000, 2008).

Além da vitória em 1988, o PSDB lançou candidatos competitivos em quatro ocasiões e aliou-se ao PSB em três – em uma delas (2008) numa inusitada associação com o PT. O MDB perdeu espaço depois da vitória de 1985 e, nas quatro vezes em que voltou à cena, apenas em 2008 chegou ao 20 turno.

Em 2016, pela primeira vez, a eleição em BH foi vencida por alguém de “fora da política”. A bordo de um inexpressivo PHS, Kalil roubou a cena. Era o início do apagão. Sob o impacto da crise que se abateu sobre o partido após 2015, o PT teve seu pior desempenho na cidade desde 1985, chegando em quarto lugar com 7,27% dos votos válidos.

O PSB, depois de administrar a cidade por oito anos, limitou-se a ocupar a vice na chapa do PSD que obteve 5,5% dos votos. PSDB e MDB ainda se mantiveram, com os tucanos sendo derrotados no segundo turno e os emedebistas ficando com 10% dos votos no primeiro.

Em 2018, a direita reinou na cidade. Mas era uma “nova” direita e vinha no embalo da desestruturação do sistema partidário que, desde 1994, havia contribuído para organizar e fazer avançar a democracia no país. Bolsonaro, pelo PSL, teve 65,6% dos votos no segundo turno em BH.

Romeu Zema (NOVO), por sua vez, derrotou Anastasia (então no PSDB) com 59% – como se não bastasse, o eleitorado tucano, já no primeiro turno, havia abandonado o candidato do partido à Presidência da República (Geraldo Alckmin) e despejado seus votos em Bolsonaro. A crise que derrubara o PT começava a bater às portas do PSDB mineiro. O apagão prosseguia.

Na Câmara Municipal, na segunda metade da legislatura iniciada em 2017, enquanto o partido de Kalil (a esta altura, o PSD) atraia a adesão de vários vereadores e chegava a 32% dos votos, PT, PSB, PSDB e MDB minguavam. Juntos, os quatro partidos controlavam apenas 12% das cadeiras – muito longe de sua força em 2000 (46%).

Em 2020 o apagão se consuma

De acordo com os dados do IBOPE de 29/10, o candidato do PT tem 2% das intenções de voto, deixando ao PSOL o melhor desempenho na esquerda, com 5%. A candidata do PSDB não passa de 1%. O PSB integra a coligação do segundo colocado nas pesquisas (do Cidadania), que chega a 8% das intenções de voto. O MDB se rendeu a Kalil e integra sua coligação.

Segundo pesquisa DataTempo/Quaest, realizada no início de outubro, 40% dos belo-horizontinos se declaram de direita; 25% de centro e 25% de esquerda. O PT é, de longe, o partido mais rejeitado (40%).

A cidade com longa tradição de governos de centro-esquerda mudou ou isso é apenas sinal de tempos que logo passarão? É cedo para dizer. Mas seja como for, a direita que reina na cidade desde 2016 não é a “tradicional” – PP, DEM, PTB, PL ou PRB continuam não tendo expressão. Tampouco é a “nova”.

O candidato à prefeitura pelo NOVO, apesar de acompanhado pelo retrato do governador Zema, não passa de 1%. O mais bolsonarista de todos os candidatos, lançado pelo PRTB, esperneia e lança impropérios para chegar a 3%. Ambos acreditavam que 2020 iria repetir 2018 e se enganaram.

Sobra então o PSD, que segundo a célebre definição de seu mentor (Gilberto Kassab) não é “nem esquerda, nem direita, nem centro”. Alexandre Kalil, o “fenômeno”, é algo parecido com isso.

Lindbergh e sua candidatura: o melhor juiz são os eleitores

Lindbergh e sua candidatura: o melhor juiz são os eleitores

Lindbergh Farias (PT) pode ser apontado como um dos favoritos para a eleição no Rio de Janeiro. Ele já esteve em cargos eletivos de maior destaque e agora concorre à Câmara dos Vereadores da capital fluminense, assim com Chico Alencar (PSOL) e César Maia (DEM). Lindbergh, ex-líder estudantil, ex-deputado, ex-prefeito e ex-senador, é uma das esperanças do partido de Lula para ter uma bancada expressiva na cidade.

Embora não existam pesquisas confiáveis para essa eleição legislativa, o ex-senador tem presença forte nas mídias sociais, além de um recall alto por sua passagem marcante no Senado e participação na eleição de 2018, em que perdeu para o filho de Bolsonaro e para Arolde de Oliveira, ambos surfistas da onda anti-política e anti-PT. Este último, aliás, faleceu recentemente em consequência da Covid, doença da qual ele desdenhava nas mídias sociais.

Mas não sabia Lindbergh que seu maior adversário não seria os seus concorrentes na disputa, mas sim uma integrante do Ministério Público Estadual e uma juíza da 23º zona eleitoral. Por uma decisão desta última, motivada por uma provocação da primeira, a candidatura de Lindbergh está cassada. A juíza, baseando-se numa condenação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2019, a qual cabe recurso, cassou os direitos políticos do ex-senador, o que não permitiria que ele concorresse às eleições em 2020.

O imbróglio tem início em uma ação civil pública em torno de uma iniciativa de Lindbergh enquanto era prefeito de Nova Iguaçu no final de 2007. Candidato à reeleição, da qual saiu vitorioso, distribuiu caixas de leite em um programa da Prefeitura com a marca de sua administração, um sol, e escrito “Prefeito Lindbergh Farias”.

A cassação de sua candidatura, embora não envolva prisão, pune um cidadão de exercer plenamente seus direitos. Em termos políticos, uma pena capital para uma infração ainda pendente de recursos. Caso Lindbergh reverta a decisão em outras instâncias no futuro, mas seja realmente impedido de concorrer em 2020, como isso poderia ser reparado?

Cassação de Lindbergh e a instabilidade gerada pela Justiça Eleitoral

O exemplo da insegurança em relação ao futuro de Lindbergh ilustra o paradoxo da Justiça Eleitoral. Pensada como uma instituição organizada para assegurar a competitividade do processo e a observância das regras, muitas vezes funciona como um elemento de instabilidade. Não há duas eleições idênticas no país, e isso se deve por decisões do Tribunal Superior Eleitoral que criam legislação, essa é a palavra, em cada ciclo eleitoral. O que é permitido em um ano, não é em outro.

Ao assegurar autonomia e discricionariedade (o direito de escolher) para juízes e promotores, combinada com uma legislação que assegura ampla margem para interpretações, permite-se que decisões diferentes sejam tomadas por milhares de juízes e promotores responsáveis por fiscalizar o processo eleitoral em mais de cinco mil municípios. Tudo isso sem qualquer chance concreta de que, caso um dia se comprove alguma espécie de má fé dos atores judiciais, haja uma punição efetiva. E imprevisibilidade em eleições deveria ser somente dos resultados, não em relação ao processo em si.

A Justiça Eleitoral, e em especial o Ministério Público eleitoral, reproduz os problemas da Justiça comum – aliás, são os mesmos magistrados em ambas instituições. É possível que o eleitor do Rio de Janeiro seja privado de votar em um candidato, ou seu voto seja jogado no lixo em uma eventual cassação de mandato, enquanto políticos em situação análoga em outros municípios não sofram qualquer constrangimento.

Lindbergh pode recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral. Sua defesa alega, entre outros pontos, que não houve enriquecimento ilícito e que a defesa não foi considerada em todas as suas alegações. Ele segue fazendo sua campanha. Mas, agora, não basta apresentar suas propostas para a cidade. Lindbergh precisa convencer o eleitor de que será candidato, que sempre teve uma atuação correta e que, se vencer, poderá assumir seu mandato. Todo o planejamento da campanha foi prejudicado graças à atuação de atores do Sistema de Justiça responsáveis por supostamente assegurar o equilíbrio das eleições. O julgamento que o ex-senador merece, pelo menos neste momento, é o dos eleitores cariocas.

Sarto parte para o ataque e ultrapassa Luizianne em Fortaleza

Sarto parte para o ataque e ultrapassa Luizianne em Fortaleza

Monalisa Torres *  Luciana Santana**

Em Fortaleza, três candidaturas têm se mostrado competitivas e disputado vagas para o segundo turno. São elas capitão Wagner (PROS), Luizianne Lins (PT) e José Sarto (PDT).

A primeira pesquisa Datafolha/O Povo, de 17 de outubro, trouxe os seguintes números: Wagner despontava na frente, com 33% das intenções de votos; Luizianne, com 24% das intenções; e em seguida Sarto, que aparecia com 15%.

Já a última pesquisa do mesmo instituto, divulgada no dia 28 de outubro apresenta movimentações no cenário. Sarto dispara e alcança 22%, ultrapassando Luizianne que aparece com 19%. Wagner oscilou para menos, mas continua na liderança com 31% das intenções de voto.

A expectativa era grande em relação à Luizianne, entretanto, dentre os três candidatos, ela é a que apresenta a maior taxa de rejeição, 42%. Capitão Wagner, apoiado por Bolsonaro, é o segundo, 34%, e Sarto tem o menor índice, 20%.

Sarto partiu para o ataque

Com quatro minutos de propaganda eleitoral, o maior tempo de TV/rádio entre todos os candidatos à prefeitura da capital, Sarto tem explorado a imagem de Roberto Cláudio (PDT), atual prefeito, e as parcerias com o governo do Estado. Impedido de usar a imagem do governador Camilo Santana (PT), disputada também pela sua partidária Luizianne Lins, Sarto tem mobilizado outros personagens do entorno do governador, como seu pai, Eudoro Santana, e a vice-governadora Izolda Cela (PDT).

Apesar da tendência de crescimento apontada nas primeiras rodadas de pesquisas, Sarto ainda aparecia atrás de Luizianne Lins. O quadro começou a mudar quando Wagner, em entrevista concedida à TV (programa Ponto Poder Eleições da TV Diário), passou a negar e se eximir da participação nos motins da PM no Ceará em 2020.

Este episódio, já explorado em 23 de outubro neste Observatório, teve reação dura de Camilo Santana, e a partir daí as críticas de Camilo a Wagner passaram a ser frequentes.

Luizianne na mira de Sarto

Os ataques não se limitaram a Wagner. Luizianne também passou a ser alvo da campanha pedetista. Ao longo da semana, em peças com críticas a gestão da petista, comparavam-se os feitos da ex-prefeita com a gestão Roberto Cláudio.

Figura 2 – Trecho de HGPE de Sarto sobre a avaliação da gestão Luizianne Lins

O objetivo era interpelar se o eleitor estaria disposto a dar um “passo para trás, dar um salto no escuro” ou continuar avançando, numa clara referência aos adversários Luizianne e Wagner, respectivamente.

Luizianne tem buscado mobilizar o legado petista em suas campanhas. Apesar de dados divulgados na pesquisa Ibope do dia 14 de outubro que sinalizavam que o apoio de Lula importa para o eleitor da capital, a presença do ex-presidente em seus programas eleitorais ou mesmo a tentativa de colar à imagem de Camilo não conseguiram o efeito desejado.

No domingo, 25 de outubro, Luizianne viajou a São Paulo para gravar programas com Lula. Há ainda expectativas de que o ex-presidente viaje ao Ceará para participar das campanhas da correligionária, mas não há nenhuma confirmação oficial.

Sobre um possível embate entre Bolsonaro e Lula na capital cearense, Luizianne encenou movimentos na pré-campanha. Sobretudo ao se posicionar como antagonista ao que denominou de candidatura bolsonarista, referindo-se a Wagner. Mas a narrativa foi abandonada quando do início das campanhas eleitorais.

Sarto – o candidato que mais cresce nas pesquisas

Sem um candidato natural que pudesse representar a continuidade das gestões do prefeito Roberto Cláudio (PDT), o bloco governista se viu diante do desafio de apresentar uma candidatura competitiva que pudesse fazer frente aos já conhecidos dos fortalezenses: Luizianne (ex-prefeita por dois mandatos) e Wagner (vereador, deputado estadual e federal), adversários nas eleições de 2016 para a prefeitura de Fortaleza.

A escolha recaiu sobre o presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (ALECE), José Sarto. Apesar de longa trajetória política, Sarto nunca disputou uma eleição majoritária. O fato de ser um nome relativamente desconhecido pelo eleitor de Fortaleza trouxe vantagens e desvantagens.

Com baixa rejeição, quando comparado aos principais personagens que despontavam no cenário eleitoral, Sarto tem a seu favor os bons índices de aprovação do prefeito e a máquina partidária. Por outro lado, o desafio de conquistar o eleitorado de Fortaleza numa campanha mais curta exigiu intensificar as atividades em diferentes frentes.

Afastado das ruas ainda no dia 5 de outubro, quando foi diagnosticado com Covid-19, coube ao seu maior cabo eleitoral, Roberto Cláudio, a difícil tarefa de mantê-lo vivo nas disputas

Mas, pelo que os dados apontam, as estratégias de campanha negativa de Sarto parecem ter cumprido seu papel. Apesar de não alterar as intenções de voto do Capitão Wagner, que se manteve na casa dos 30%, parece ter contribuído para aumentar sua rejeição. Quem mais sentiu o baque foi Luizianne, com quem disputa o mesmo nicho eleitoral.

Apesar da liderança, situação do capitão não é confortável

Wagner segue liderando as pesquisas de intenção de voto, mas a disparada de Sarto não o deixa em uma situação confortável na reta final da campanha.

Além de não apresentar tendência de crescimento nas pesquisas de intenção de voto e do aumento na taxa de rejeição, o candidato não tem conseguido apresentar argumentos consistentes para responder aos ataques que vem sendo disparados por Sarto e, principalmente, pelo governador Camilo.

Wagner subiu o tom. Peças de campanha do capitão insinuando que o candidato pedetista seria alvo da Operação Lava Jato em 2014 foram veiculadas. Por falta de provas objetivas e conteúdo inverídico, as peças foram suspensas por determinação judicial.

Figuras políticas bolsonaristas ligadas ao capitão apostam em postagens de conteúdo similar. É possível que esse expediente se intensifique e que a rede bolsonarista, que dá suporte a Wagner, tente seguir o caminho adotado na eleição presidencial de 2018, utilizando estratégias de desinformação como arma de campanha, sobretudo em espaços de difícil controle como WhatsApp e Telegram.

Sarto pode continuar em ritmo crescente, e por ter a menor taxa de rejeição, suas chances de crescimento tornam-se maiores. Soma-se a seu favor a associação de Bolsonaro à imagem de Wagner – e não custa lembrar que a rejeição ao presidente é alta em Fortaleza. O apoio do presidente a Wagner pode acionar o “voto útil” em favor de Sarto, voto esse que pode ser o fiel da balança num eventual segundo turno.

As respostas de Luizianne aos ataques miraram Sarto, Roberto Cláudio e não pouparam críticas aos irmãos Ferreira Gomes. Por outro lado, há expectativa de aumento de inserções de vídeos com apoio de Lula e de imagens junto a Camilo Santana.

E quais são os cenários para o segundo turno?

O Datafolha também simulou cenários de segundo turno na capital cearense em sua última pesquisa. De acordo com a opinião dos entrevistados, caso a disputa fosse entre Capitão Wagner e Luiziane, o militar teria 49% e a petista 37%. 13% dos entrevistados responderam que votariam branco ou anulariam e 1% não soube responder.

Capitão Wagner aparece tecnicamente empatado na simulação de segundo turno contra Sarto. Wagner teria 44% e Sarto 43%. 12% dos entrevistadores votariam nulo ou branco e 1% não soube responder. Considerando a margem de erro, neste cenário qualquer um dos dois candidatos poderia ser o prefeito eleito.

Faltam só 15 dias – mas o cenário pode mudar

Nova rodada de pesquisas Ibope/Diário do Nordeste está prevista para os próximos dias e, no meio do caminho, teremos o primeiro debate entre os candidatos. Resta saber se os números se consolidam ou se continuam em movimentação. Parece pouco, mas em 15 dias a situação ainda pode se alterar.

*Monalisa Torres é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. É professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Políticas, Eleições e Mídia (Lepem/UFC)

 ** Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.

As eleições municipais em Porto Alegre: Manuela e suas circunstâncias

As eleições municipais em Porto Alegre: Manuela e suas circunstâncias

A campanha para as eleições municipais de Porto Alegre em 2020 necessita ser analisada a partir de um conjunto de aspectos que a torna muito particular: a história eleitoral da cidade; as características das candidaturas em disputa; o fato de que, pela primeira vez, desde sua fundação, o PT não é cabeça de chapa; a presença de Manuela D’Ávila como candidata do PCdoB, coligado com o PT, que aparece na liderança da intenção de votos nas últimas pesquisas.

Nas eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro ganhou em 2º turno em Porto Alegre, com 56,85% dos votos, contra 43,15% dados a Fernando Haddad. Considerando todo o estado, a vitória do capitão foi ainda maior: ele obteve 63,24 % contra 36,76% dados para o candidato petista. Os resultados expressivos indicam uma tendência conservadora no estado e em sua capital. Isso é verdade, mas não é toda a verdade, pois o estado teve uma história petista significativa.

Porto Alegre foi governada pelo PT por 16 anos, a partir da eleição de Olívio Dutra, em 1988. Durante este período, teve um vigoroso orçamento participativo e sediou quatro edições do Fórum Social Mundial (2001/2002/2003/2005), tornando-se internacionalmente conhecida por ser um município com experiências inovadoras de esquerda. O Rio Grande do Sul elegeu duas vezes governadores do PT: em 1998, Olívio Dutra e, em 2010, Tarso Genro, este último quando já não havia prefeitos do partido na capital.

Mesmo nas derrotas do PT antes de 2018 no estado, os resultados eleitorais mostram uma Porto Alegre ainda eleitora bastante fiel ao partido. Em 2002, o governador eleito foi do PMDB, mas o PT ganhou em Porto Alegre (50,1% versus 49,8%). O mesmo aconteceu em 2006, quando o PSDB se elegeu mas, em Porto Alegre, Olívio Dutra perdeu por centésimos. A partir de 2014, o PT começou a mostrar fragilidades cada vez maiores. Naquele ano, Tarso Genro não se reelegeu e, em 2018, a esquerda não chegou ao 2º turno nas eleições para governador.

Em eleições para prefeito na capital, após 16 anos de hegemonia, a esquerda não chegou mais ao poder. Nas quatro eleições que se sucederam, em duas chegou ao 2º turno. Em 2016, pela primeira vez, desde 1988, a esquerda não chegou ao 2º turno nas eleições para prefeito de Porto Alegre.

Se, por um lado, não há dúvidas de que a esquerda tem perdido espaço na política gaúcha, particularmente em Porto Alegre, seguindo uma tendência nacional, por outro é preciso considerar esta história de vitórias, que forjou uma memória eleitoral e um núcleo duro de votos em partidos de centro-esquerda e esquerda que não podem ser menosprezados em qualquer eleição na cidade.

Cenário eleitoral em Porto Alegre em 2020

Porto Alegre atualmente é governada por um prefeito do PSDB, Nelson Marchezan Júnior, filho do líder do governo na Câmara de Deputados na presidência do General Figueiredo (1979-1980) e ele próprio ex-deputado federal. Ele conseguiu a façanha de juntar o conjunto dos vereadores da cidade contra si em um processo de impeachment cujas razões são tão políticas quanto têm sido as da grande maioria dos processos de impeachment no Brasil.

Mesmo assim, é candidato à reeleição, junto com outros 12 candidatos. Além dele, três estão realmente na disputa. Em um arco da esquerda para a direita: Manuela D’Ávila, da aliança PCdoB-PT; Sebastião Melo do MDB e José Fortunati do PTB.

Em pesquisa do Ibope publicada em 29/10, Manuela apareceu com 27% das intenções de votos, Marchezan Júnior com 14%, Melo com 14% e Fortunati com 13%.

Antes de focar na candidatura de Manuela e suas circunstâncias, vale uma rápida mirada nos três outros candidatos. Primeiro, o atual prefeito, que tem potência eleitoral por sua posição, mas pode ser impedido de concorrer, se a Câmara votar seu impeachment antes das eleições.

Melo, do MDB, é atualmente deputado estadual, tendo sido vice-prefeito na administração Fortunati e vereador por duas legislaturas. Na última eleição para prefeito, perdeu no 2º turno para Marchezan Júnior.

E Fortunati, que foi líder sindical, fundador do PT, vice-prefeito pelo PT, prefeito pelo PDT e atualmente é candidato pelo PTB. Depois de romper com o PT, por não conseguir a candidatura para prefeito, Fortunati tem buscado, com algum sucesso, partidos que lhe dêem legendas para concorrer. Tem história na cidade e, inclusive, articula uma certa nostalgia dos eleitores de seu tempo de esquerda.

Frente a este trio de homens políticos está Manuela D’Ávila. Não é a única mulher candidata – há também Fernanda Melchiona, do PSOL, e Juliana Brizola, do PTD – nem é a primeira vez que se candidata a prefeita: em 2008 ficou em terceiro lugar e, em 2012, ficou em segundo, quando Fortunati se elegeu em 1º turno.

Também em eleições anteriores mulheres com carreiras políticas sólidas foram candidatas à prefeitura, como Maria do Rosário, do PT, e Luciana Genro, do PSOL. Entretanto, esta campanha está sendo muito particular. Manuela possui longa carreira política, apesar de ter apenas 39 anos (foi vereadora de Porto Alegre com 22 anos) e tem sido uma campeã de votos. Nas eleições de 2006 e 2010, foi a deputada federal mais votada do estado, e na última teve 8.06% dos votos válidos para deputado federal. Em 2014, candidatou-se a deputada estadual e foi a mais votada do estado. Não se pode deixar de pontuar que Manuela foi candidata a vice-presidenta da república na chapa com Fernando Haddad nas últimas eleições

Na atual campanha, sua história de vitórias eleitorais somada ao fato de ser a única, entre os candidatos com reais possibilidades de vitória, que faz uma campanha antibolsonarista radical, provocou violentas ameaças a sua integridade física e a de sua família, bem como fakenews que anunciam um pretenso comunismo venezuelano, acusações de pedofilia e atitudes morais inaceitáveis para uma mulher.

Aqui, cabe mencionar que Fernanda Melchiona, do PSOL, também representa o antibolsonarismo radical. É uma jovem que saiu de seu primeiro mandato de vereadora para a Câmara de Deputados com excelente votação. Deve provocar na extrema-direita o mesmo ódio que Manuela provoca, mas não tem chances de se eleger em Porto Alegre.

Os ataques a Manuela, na verdade, começaram muito tempo antes e se intensificaram a partir de sua candidatura à vice-presidenta na chapa de Fernando Haddad, em 2018. Afirmar que Manuela sofre ataques machistas, sexistas, pornográficos a si e a sua família, não a diferencia de muitas outras mulheres que foram para a frente da luta política na esquerda.

A história da ex-presidenta Dilma Roussef é o melhor exemplo. Também não seria verdade afirmar que ataques misóginos são monopólio da direita ou da extrema-direita. Vetustos senhores, de todos os matizes ideológicos, são rápidos em apontar a condição de mulher de suas companheiras, quando sentem-se ameaçados e querem desqualificá-las.

Mas é necessário pontuar que os ataques machistas são contra mulheres de esquerda. Nas últimas eleições gerais, um grupo significativo de mulheres de direita, apoiadoras de Bolsonaro, foram eleitas deputadas federais, sempre elogiadas pela condição de mulheres “exemplares”.

Mesmo considerando este cenário, a violência de gênero contra Manuela D’Ávila tem uma natureza própria do momento político que estamos vivendo. Desvenda a relação entre o projeto (des)democratizante, fundamental para que alguma forma de neoliberalismo se concretize, e o patriarcado branco estruturante que garante o quadro das desigualdades e dos privilégios. Mais do que nunca uma repatriarcalização radical é central em um projeto do tipo que se trata de levar a efeito no Brasil. E o Brasil não está sozinho, mas isso é tema para outro artigo.

A Manuela que é desqualificada pelo discurso da extrema-direita não é a Manuela mãe, mas a Manuela mãe que deveria ficar em casa cuidando da filha em vez de fazer política. Não é a mulher que veste rosa, mas a que veste a cor que quiser e luta pelo direito de homens e mulheres terem autonomia sobre seus corpos. Manuela representa, no imaginário da extrema-direita, a ameaça à família “natural”, defendida pelo Chanceler e pela Ministra Damares Alves, entre outros próceres desta república.

Não interessa se a mulher protegida por este governo mata o marido e manda as filhas fazerem sexo com as visitas, se ela mesma faz com os filhos que adota, ou se a pretensa líder de um movimento de extrema-direita autodenominado os “300 do Brasil” (na verdade, nunca passaram de 30) desafia as autoridades constituídas e promove atos contra a democracia. Estas mulheres dão alma ao patriarcado, até seus atos desvairados reforçam a imagem que querem passar de mulheres que não cumprem sua “divina missão”.

Mesmo vítima de ataques violentos, Manuela deve chegar ao 2º turno e terá, possivelmente, de enfrentar Fortunati, Melo ou o atual prefeito. Nenhum dos três deverá fazer uma campanha claramente bolsonarista no 1º turno, o que vem marcando as manifestações do atual vice-prefeito Gustavo Paim, do PP, e de Valter Nagelstein, do PSD, ambos sem qualquer chance eleitoral.

É mister chamar a atenção que estes discursos misóginos absurdos geralmente não partem dos candidatos de centro-direita ou mesmo de direita, eles circulam nas redes sociais, sendo de responsabilidade de outros interlocutores, que municiam cabos eleitorais, eleitores e os próprios candidatos em situações especiais.

Destarte as brigas comezinhas entre Fortunati e Melo, devem se apoiar no 2º turno e tomar a posição da direita para obter o apoio da família presidencial. Portanto, há um dilema para o adversário de Manuela e seus apoiadores no 2º turno: ou se perdem em um centro anódino, muito parecido com o que foi a administração de Marchezan Júnior, ou reforçam o discurso agressivo, misógino, anticomunista contra Manuela, buscando o apoio da classe média bolsonarista de raiz, que ainda resta na cidade. O 2º turno em Porto Alegre não vai ser fácil.

*Céli Pinto é cientista política e Professora Emérita da UFRGS

Rio: o espírito do bolsonarismo e os órfãos de Marcelo Freixo

Rio: o espírito do bolsonarismo e os órfãos de Marcelo Freixo

Antonio C. Alkmim*

Sinais. Foi o que apresentou a eleição de 2016 para a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, com uma nova alternativa à continuidade do prefeito Eduardo Paes (PMDB). A emergência de uma máquina política que iria sinalizar os novos tempos, com a eleição do bispo evangélico Marcelo Crivella (PRB), após uma disputa com o candidato da esquerda Marcelo Freixo (PSOL).

Crivella é diretamente ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), sendo sobrinho do seu fundador, o bispo Edir Macedo. De um galpão no subúrbio inaugurado em 1977, a Universal se tornaria um complexo religioso multinacional. Filiado à igreja desde o início, Crivella torna-se missionário e cantor gospel de sucesso. Daí para a carreira política que culmina em 2016.

A força evangélica que acompanha Crivella mobiliza um contingente expressivo de adeptos. A sua proporção na cidade do Rio, como no país, é ascendente há décadas: 27,9%, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2010, contra 18,4% em 2000. Uma força em expansão, que convive com a diversidade de crenças peculiar da cidade que não opõe ou distingue apenas católicos e evangélicos. Há uma proporção importante dos que se declaram sem filiação religiosa (13,6% de ateus, agnósticos, ou acreditam em alguma força espiritual) e os que se filiam a outras religiões (11%).

O movimento das lideranças evangélicas criou uma máquina política e eleitoral, com uma contraprestação de atendimentos e redes de proteção, aliados à uma temática conservadora. Por outro lado, a ocupação direta de cargos públicos e de representação, seja no executivo ou legislativo.

Em 2016 a religião, dentre outros fatores (sexo, idade, escolaridade e renda) foi o mais discriminante. Cerca de 70% ou mais dos evangélicos, segundo pesquisas eleitorais, mostravam a intenção de voto estimulada em Crivella. Pelo peso dos evangélicos (um terço do eleitorado), isto justifica os 842 mil votos recebidos no primeiro turno, e 1,7 milhões no segundo.

A atual disputa, de acordo com a pesquisa do Datafolha fechada em 21 de outubro, mostra uma rejeição ao prefeito e à sua candidatura que alcança mais de 50%, inclusive com um desgaste entre os evangélicos. Essa rejeição é alta para se ganhar uma eleição ou talvez mesmo chegar ao segundo turno, o que beneficia seus adversários mais diretos.

No entanto, a religião continua a ser um diferencial distinguindo o prefeito de outros candidatos, como Eduardo Paes (DEM) e Marta Rocha (PDT) com maior apoio católico. A importância da religião é acompanhada pela idade, seguida pela escolaridade e renda. Fatores como sexo e cor não se mostram tão significativos no cenário inicial da disputa.

Intenção estimulada de voto e rejeição para prefeito 2020, Rio de janeiro

Elaboração própria, a partir de dados do Datafolha de 21 de outubro

Intenção estimulada de voto para prefeito 2020, Rio de janeiro, segundo indicadores sociodemográficos

Elaboração própria, a partir de dados do Datafolha de 21 de outubro

O direcionamento dos evangélicos rumo ao bolsonarismo teve a sua gênese no Rio, na comunhão entre a IURD e outras igrejas cristãs e a candidatura do candidato do PSL em 2018. Mas já em 2016 Crivella se descolou de um vínculo ideológico à esquerda.

O atual contexto remete a uma cidade mais que partida, com uma diferença estrutural, segmentada. A oposição horizontal separa em extremos a zona sul e oeste, e do mesmo jeito, verticalmente, asfalto e favela. Os indicadores sociais mudam conforme a geografia da cidade.

É o que mostra o mapa do segundo turno em 2016. Crivella junto à máquina evangélica entrou no mundo popular e ocupou este universo, pois a máquina política, em sua natureza, atende demandas concretas de sua clientela, que vão além da força simbólica e espiritual, ritualizada ou caricata dos cultos. O terreno estava pronto. Faltava à máquina evangélica a interseção com o capitão e suas múltiplas causalidades.

Diferença da votação entre Marcelo Crivella (PR) e Marcelo Freixo (PSOL), no segundo turno das eleições para prefeito no município do Rio de Janeiro, 2016

Elaboração própria, a partir de dados do TSE

A eleição de Bolsonaro foi multicausal. A formação e conformação do seu eleitorado, o contexto internacional, os militares, o olavismo, o seu vínculo com as milícias, a pauta conservadora, a utilização das redes sociais, da televisão, o antipetismo. Uma eleição espetacular. A estratégia do atual prefeito, através de sua propaganda, é de potencializar o voto bolsonarista e o seu atual terço de aprovação, mais arrefecida que a do início do mandato.

Diferença da votação entre Jair Bolsonaro (PSOL) e Fernando Haddad (PT), no segundo turno das eleições para presidente no município do Rio de Janeiro, 2018

Elaboração própria, a partir de dados do TSE

A conjunção entre o bolsonarismo e a máquina evangélica é superposta geograficamente, embora a votação de Bolsonaro tenha sido superior não só a de Haddad, como à de Crivella e Freixo. Agregou novos significados.

Chegamos ao ponto em que três forças estão em disputa no Rio. O favoritismo, no ponto de partida de Eduardo Paes não lhe garante. Crivella, na interseção da máquina evangélica e do bolsonarismo corre todos os riscos. E uma terceira via se viabilizou, incluindo os órfãos da desistência da candidatura do deputado Marcelo Freixo (PSOL). Um espaço sendo disputado, por duas candidatas, nesta ordem: Marta Rocha (PDT) e Benedita da Silva (PT). Ou quem sabe ainda, um oculto imponderável.

*Antonio C. Alkmim é cientista político e professor da PUC-RJ.