Financiamento privado privilegia a eleição de homens brancos

Financiamento privado privilegia a eleição de homens brancos

A inédita participação de pretos(as) e pardos(as) dentre as candidaturas nas eleições municipais de 2020 implicou um avanço, mas limitado.  Em relação às eleições de 2016, o aumento na proporção de candidaturas pretas ou pardas foi de apenas três pontos percentuais. Vale notar que o crescimento foi desigual em termos de gênero, já que homens pretos saíram de 6,1% de candidatos a vereador para 7,1% e mulheres pretas de 2,8% para 3,7%. Em 2020 permanece o predomínio de candidaturas de homens brancos, os quais compõem 30,1% da disputa das câmaras de vereadores e 54,9% dos candidatos à prefeitura.

Os avanços em relação aos eleitos foram igualmente tímidos. Na disputa a vereador(a), pessoas pretas e pardas ampliaram sua representação em três pontos percentuais, saindo de 42,4% de eleitos(as) em 2016 para 45,6% em 2020. Quando observada a representação de mulheres não brancas, a ampliação pode parecer mais intensa, já que houve aumento de 23% em relação a 2016. Porém, tal avanço parte de patamares muito baixos. Em termos absolutos, estamos falando de algo em torno de 600 cadeiras a mais, equivalente a 1,06% no universo de 56.350 vagas em disputa. Existe, portanto, muito ainda a avançar.

Contudo, esses números agregados não consideram que os avanços foram de magnitude distinta em cidades com perfis díspares. Com base nos dados até o momento disponíveis, parece ter havido um aumento mais intenso das candidaturas não brancas, sobretudo femininas, em capitais e grandes centros urbanos. Ao mesmo tempo, estes perfis aparentam trazer uma inovação em comparação a eleições anteriores quanto a seu maior engajamento social, algo que estava em declínio no interior da classe política.

O efeito das regras de distribuição de recursos

Há que se questionar em que medida a distribuição de recursos de campanha afetou esses perfis, em particular o de mulheres não brancas. A decisão do TSE quanto à alocação de recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário (FP) em campanhas de candidaturas pretas e pardas proporcionalmente ao quantitativo de suas candidaturas em cada partido ainda está envolta em uma série de incertezas.

Por um lado, partidos gozam de ampla autonomia para definir a distribuição desses recursos, uma vez que a fiscalização se dará considerando o total de recursos aportados nacionalmente, desconsiderando, portanto, as condições específicas de cada município. Ao mesmo tempo, o recurso pode ser concentrado em candidaturas específicas, reduzindo a possibilidade de afetar positivamente um quantitativo mais amplo e diverso de candidaturas.

Devido a esses fatores, nas últimas semanas têm sido comum denúncias por diferentes veículos de comunicação quanto a possíveis falhas na aplicação da distribuição do fundo de campanha por critérios de gênero e de raça. Contudo, é importante avaliar esses mecanismos a partir dos cenários no qual teriam maior chance de surtir efeito. Nesse sentido, ao olhar para as capitais brasileiras, em particular entre as candidaturas com maior expressão eleitoral, é possível perceber alguns padrões relevantes para esta discussão e que certamente ainda devem ser estudados mais detidamente.

A importância dos recursos públicos

De forma inicial, e buscando pensar hipóteses para estudos futuros, coletamos informações sobre a estrutura de financiamento de candidaturas de cinco capitais de estado, uma por região brasileira, observando as dez maiores votações de eleitos e eleitas, bem como todas as mulheres não brancas eleitas nestes municípios.

Sem considerar a comparação quanto ao montante de recurso utilizado, mas apenas ao tratar sobre a origem desses recursos, se públicos ou de fontes privadas, é possível notar estruturas de financiamento distintas nas quais homens brancos dependem de forma reduzida de recursos públicos para apresentarem desempenho elevado, enquanto mulheres brancas e homens e mulheres não brancas apresentam mais de 50%¨do financiamento advindo de fontes públicas.

Quando observamos as mulheres não brancas eleitas, porém com menor performance em termos de votos, elas também apresentam mais de 50% de recursos públicos, sendo uma parcela significativa com mais de 75% desse tipo de aporte. Com essa comparação é possível considerar que recursos privados têm beneficiado os homens brancos, tornando ainda mais importantes os recursos públicos para candidaturas de pretas e pardas e de mulheres brancas. Neste observatório, apresentamos o financiamento de algumas dessas candidaturas.

Permanecem, portanto, importantes debates sobre a aplicação das cotas raciais quanto ao financiamento público. É necessário criticar artifícios utilizados por líderes partidários para driblar o seu princípio, a redução das desigualdades de entrada na competição eleitoral. No entanto isso não desqualifica a validade da medida. Para o combate às desigualdades eleitorais raciais deve-se reforçar a atenção pública sobre como aprimorar a distribuição de financiamento público, compreendendo a forma como ele pode contribuir para ampliar a representação política de não brancos(as).

* Carlos Machado é professor de Ciência Política no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB), coordenador do do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán e do projeto de extensão Ubuntu: Frente Negra de Ciência Política.
Luiz Augusto Campos é professor de Sociologia e Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), editor da revista DADOS e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA).

Desinformação e violência na política: as armas contra Manuela D’Ávila

Desinformação e violência na política: as armas contra Manuela D’Ávila

Manuela D’Ávila (PCdoB), que despontou nestas eleições como favorita na disputa pela prefeitura de Porto Alegre, enfrenta mais um momento desafiante em sua trajetória política. De acordo com pesquisa Ibope divulgada nesta terça-feira, 24, Sebastião Melo (MDB) tem 49% e Manuela, 42%. Quando considerados os votos válidos, são 54% e 46%, respectivamente. A margem de erro, os sempre imponderáveis últimos dias de campanha e o resultado concreto das urnas podem levar a mudanças, claro. Mas contra Manuela, que terminou o primeiro turno apenas 2% atrás do adversário, pesam as campanhas de desinformação com teor explicitamente misógino.

Nas redes, crescem ataques pessoais combinados a conteúdos que buscam gerar medo na sociedade, a partir da mobilização de temas como o comunismo. O machismo fica nítido ao se observar o que circula em plataformas como o WhatsApp contra Manuela, imagens que opto por não expor aqui para reduzir a circulação da desinformação, ainda que sejam facilmente encontradas na internet. Muitas expõem e manipulam fotos da candidata, com ênfase em seu corpo e rosto. A aparência é o foco dos ataques. Tenta-se imputar a ideia de irresponsável. Em uma montagem são acrescidas tatuagens com rostos de líderes como Che Guevara e Lênin e uma frase que questiona o que seria a prefeitura liderada por ela. É feito também contraponto com o que seria a mulher ideal. Manuela tem tido sua imagem frequentemente comparada à de Michele Bolsonaro. Esta, sim, é apresentada como “recatada e do lar”.

Uma postagem afirma que Manuela trocou ‘o crucifixo no ânus por um escapulário católico’ e agora, apenas por ser campanha eleitoral, vale-se de ‘roupas recatadas’. Há ainda uso de uma fotografia de Manuela aos 15 anos, acompanhada do seu pai, insinuando que se tratava de seu namorado. Em outra, aparece a adolescente sozinha. A exposição vem acompanhada de uma legenda dizendo que Manuela odeia a foto, e convidando os outros a divulgá-la com o intuito de atacar a sua aparência “Só de marra vamos compartilhá-los ao máximo”, diz o texto.

No Twitter, circula áudio atribuído à coordenação da campanha de Sebastião Melo (MDB), que lidera as pesquisas de intenção de voto no segundo turno da disputa à prefeitura de Porto Alegre, em que Manuela é chamada de “vadia”. Divulgado pelo ativista Luiz Muller e por veículos como a Fórum e a Agência Pública, no áudio diz-se que: “Se entrar essa vadia ai vai ser um problema muito sério para a cidade”. A autoria não foi confirmada.

Ataques envolvendo corrupção, suposta ditadura venezuelana e atrocidades atribuídas a regimes comunistas são lançados contra a candidata. Exemplo disso, circula boato de que ela teria sido presa por conta da delação da Odebrecht, processo já arquivado pelo Ministério Público. Com mais de 130 mil visualizações em apenas sete horas de disponibilização na segunda, 23, vídeo do canal Giro de Notícias intitulado “A PRISÃO DE MANUELA D’AVILA, O MAIOR ATAQUE DA MÍDIA NO BRASIL, POLÍCIA FAZ LIMPEZA”. O conteúdo também está sendo compartilhado no WhastApp, de acordo com o Radar da agência de verificação Aos Fatos.

Uma hashtag #ManuzuelaNão sintetiza essa vertente de ataques. Após o assassinato de José Alberto Freitas, morto por asfixia por seguranças do Carrefour, e os protestos em repúdio à execução na última sexta-feira, 20, Manuela também passou a ser responsabilizada. É o caso do conteúdo apresentado como notícia no portal Terra Brasil Notícias, que tem como lema “Deus acima de tudo e de todos”. Link que destaca o título “Irresponsável: Comunista Manuela D’Ávila usou redes sociais para convocar protestos que terminaram em violência” tem sido compartilhado, assim como post adulterado de Manuela sobre o caso, no qual ela convocaria os protestos.

Merece destaque o uso de adjetivo não só pejorativo, como contrário ao que o patriarcalismo diz ser esperado de uma mulher (responsabilidade, cuidado). Não é o mesmo tipo de ataque que vemos, por exemplo, no caso de Guilherme Boulos (PSOL), na disputa para a prefeitura de São Paulo.

A violência de gênero é explícita – ataques a candidatos homens são diferentes

O mesmo site Terra Brasil Notícias publicou: “Boulos vira motivo de piadas nas redes após dizer que problema da previdência é número baixo de funcionários públicos”. No Twitter, ganhou repercussão tweet em que Boulos teria escrito defender abrigar moradores de rua na casa de quem tem quartos vagos, o qual foi postado por uma conta falsa. Ainda no primeiro turno, como abordado aqui, acusação falsa de que teria contratado empresas fantasmas ganhou lastro. São, pois, temas relacionados ao conteúdo político, não aos atributos pessoais, muito menos ao corpo do candidato.

Embora se tratem ambos de políticos que abraçam visões de mundo de esquerda, há uma abordagem diferente, que leva a crítica para a dimensão pessoal no caso das campanhas arquitetadas contra Manuela. É o que vemos no texto também identificado pela Aos Fatos em grupos do WhatsApp: “A comunista patricinha, no primeiro turno vinha ‘pagar de boa moça’, acusava os adversários de fazer campanha suja contra ela, a mesma inclusive em seus lixos de propagandas na teve, disse que ela era contra isso, pois tinha projeto. Como todo mundo sabe, ELA TRAÍ, e agora ELA vem fazer no horário eleitoral a mesma coisa que ela julgava errado antes. Assim é o PT, PSOL, PCdoB e PDT, usam mulheres, usam vidas negras, usam todo mundo para chegar no poder. E você vai cai nisso, ou vai dar um “tapa de luva” nestes lixos e votando 15 em Melo”.

O compartilhamento do link e a referência à “traição” mostram ainda a retroalimentação que se dá entre as mídias e também expressa como as violências contra as mulheres na política são recorrentes e perpetuadas, inclusive pela ausência de responsabilização. Como costuma ocorrer nas campanhas de desinformação, as agressões na rede são alimentadas por amplificadores, como o candidato Rodrigo Maroni (Pros), que no último debate do primeiro turno disse que Manuela “mentia e dissimulava”. “Tu é patricinha mimada, poderia estar comprando bolsa no shopping. Se eu fosse abrir a boca, eu não acabaria com a carreira, mas com tua vida, Manuela”, afirmou. No primeiro debate entre candidatos, Maroni, ex-noivo da pcdobista, também havia desferido ataques machistas contra ela, acusando-a de traição, o que foi amplamente repercutido na mídia.

O impacto eleitoral das campanhas de desinformação

Dadas a opacidade das plataformas digitais e a diversidade de canais de comunicação, é difícil precisar o volume dos ataques e seus impactos. Entretanto, a resposta judicial, sempre menor do que o que realmente ocorre, pois as investigações dependem dos conteúdos serem encontrados e denunciados, permite-nos traçar contornos do quadro. Ainda no primeiro turno, quando Manuela aparecia na liderança das pesquisas de intenção de votos, a Justiça Eleitoral determinou que Facebook, Instagram, Twitter e YouTube retirassem do ar meio milhão de compartilhamentos de conteúdo falso contra ela. O somatório refere-se a apenas dez postagens denunciadas. Não é inexpressivo.

Some-se a isso ainda o fato de campanhas de desinformação contra Manuela serem antigas e permanentes. Após dividir chapa com Fernando Haddad (PT) à presidência da República nas eleições de 2018, marcadas pelo fenômeno da desinformação e intolerância nas redes sociais, Manuela chegou a criar o instituto E Se Fosse Você?, uma organização não-governamental, e lançou o livro “E Se Fosse Você? Sobrevivendo às redes de ódio e fake news”.

Estas campanhas desinformativas podem ajudar a explicar a alta rejeição de Manuela – 38%, de acordo com a pesquisa Ibope de 14 de novembro, um dia antes do primeiro turno. Em uma curta campanha eleitoral, mitigar efeitos ou mesmo mudar entendimentos acerca da candidata não é tarefa fácil, ainda mais quando a artilharia inimiga não dá trégua. Essa perseguição já era apontada como empecilho para a corrida eleitoral de 2020. Em artigo publicado neste Observatório em 31 de outubro, Céli Pinto sentenciava que o segundo turno em Porto Alegre contaria com a participação de Manuela e que não seria fácil. Entre os motivos, o fato da candidata ser vítima desse tipo de violência política.

Não é difícil concluir: campanhas de desinformação permeadas por misoginia são as principais armas utilizadas contra Manuela D’Ávila. Elas representam um grande entrave para que a parlamentar, que já acumula mandatos e experiência política, consiga alcançar a prefeitura de Porto Alegre. Uma situação que evidencia a violência que atravessa as vidas das mulheres que ocupam a política. Muitas têm seus corpos enfatizados, seus atos ignorados, suas opiniões diminuídas, seus espaços cortados. Com menos de uma semana para o pleito, parece difícil que haja tempo e condições para reverter a situação, até porque ela tem raízes na cultura e nas instituições.

Diversidade e financiamento: os fundos públicos e a democracia

Diversidade e financiamento: os fundos públicos e a democracia

As eleições municipais de 2020 tiveram recorde na proporção de candidatas mulheres e de candidaturas negras. Além disso, foram marcadas pelas regras de distribuição dos recursos a estes dois grupos com histórico de sub-representação política. Isso pode estar relacionado ao recorde de vereadoras eleitas em São Paulo e mulheres trans nas capitais. E, em todos esses casos, o recurso público teve papel fundamental.

Democracia e dinheiro

Nas democracias eleitorais, as disputas não são necessariamente equilibradas. Isso faz com que os espaços de representação possam estar muito longe da diversidade que compõe a sociedade. Uma das razões para que seja assim é que não basta candidatar-se. Visibilidade, recursos e redes de apoio costumam ser fundamentais.

Desigualdades e discriminações históricas têm feito da política um horizonte distante para alguns grupos sociais. As eleições municipais de 2020 mostraram que há candidatas e, claro, eleitoras e eleitores, dispostos a modificar isso. E algumas candidaturas simbolizam fortemente essa disposição.

Observamos que os fundos públicos para as campanhas têm um papel na promoção da diversidade nas Câmaras de vereadores das capitais. O Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) e o Fundo Partidário foram os principais financiadores de campanhas como a de Erika Hilton (PSOL) em São Paulo, mulher trans preta, e a da Professora Duda Salabert (PDT) em Belo Horizonte, mulher trans que obteve o maior número de votos do município, e a de Carol Dartora (PT), primeira mulher negra eleita para a Câmara Municipal de Curitiba.

Neste ano, pela primeira vez nas eleições locais, estavam em vigor regras que exigiam aos partidos o repasse de um mínimo de 30% para candidaturas de mulheres e o repasse a candidaturas negras proporcional ao número de candidatos inscritos, como já debatemos neste Observatório.

Até agora (dois dias após as eleições), os dados da plataforma 72horas indicam que apenas 26.7% dos recursos foram repassados para mulheres e 36.6% para pretos e pardos Os dados agregados de financiamento estão aquém do que é exigido por lei. Mesmo assim, fizeram diferença para a eleição de candidaturas que simbolizam a diversidade e, nas palavras de Erika Hilton, a reação ao fascismo.

São Paulo e a eleição de duas pessoas trans

Em 2020, a maior cidade da América Latina e do país que em 2019 liderou o ranking mundial de transfobia, elegeu duas pessoas trans para compor a sua Câmara dos Vereadores, que totaliza 55 cadeiras. São Erika Hilton (PSOL), mulher preta, e Thammy Miranda (PL), homem branco.

Erika Hilton fez 50.508 votos e foi a mulher mais votada de São Paulo. O total de recursos recebidos em sua campanha foi R$87.225,34, sendo 71.6% do Fundo Partidário e o restante de outros recursos.

Thammy Miranda fez 43.321 votos, com 100% de recursos públicos, que totalizaram R$184.380,00. Destes, 94.4% foram do FEFC e 5.6% foram do Fundo Partidário.

A Câmara Municipal de São Paulo terá 13 vereadoras, o maior número de sua história. O percentual de 23.6% está muito aquém da paridade, mas o aumento indica que as regras que determinam um mínimo de repasse às mulheres tiveram um efeito positivo.

A candidatura mais votada em Belo Horizonte é de uma mulher trans

Professora Duda Salabert (PDT) obteve 37.613 votos, e foi a pessoa mais votada em Belo Horizonte. No site do TSE ainda não constam gastos de campanha nem recursos recebidos.

Em Belo Horizonte, o número de mulheres eleitas aumentou, como no caso de São Paulo, chegando ao marco histórico de 11 mulheres eleitas, 26.8% do total de vereadores.

Iza Lourença (PSOL) e Macaé Evaristo (PT), ambas mulheres negras, foram financiadas majoritariamente pelos fundos públicos. Iza Lourença foi eleita com 7.771 votos, com um total recebido de R$99.585,12, dos quais 61.6% são do FEFC. Macaé Evaristo foi eleita com 5.985 votos e R$79.603,25, sendo 78.8% do FEFC.

Entre as mulheres brancas mais votadas, a realidade foi outra. Nesse caso os recursos privados superaram os partidários. Professora Marli (PP) teve 14.469 votos, e só 37.5% dos seus recursos foram do FEFC, de um total de R$80.000,00 arrecadados na campanha. Marcela Trópia, eleita com 10.741 votos(Partido Novo) arrecadou R$185.356,24, mostrando que para algumas candidatas e partidos pode ser mais fácil levantar a bandeira de que não aceitam fundos públicos de campanha

Curitiba elege uma mulher negra pela primeira vez

Em Curitiba, capital do Paraná, uma mulher negra foi eleita pela primeira vez para a Câmara dos Deputados. Ela foi a terceira mais votada, em um momento em que Curitiba foi uma das nove capitais que ultrapassaram o patamar de 20% de candidatas mulheres. Mais uma vez um marco histórico que indica que a decisão de 2018 que determinou que os partidos devem repassar no mínimo 30% dos recursos às mulheres teve um efeito democratizante.

Carol Dartora (PT) elegeu-se com 8.874 votos e teve um total de recursos recebidos de R$45.424,00, dos quais 65.3% foram do FEFC.

Já Indiara Barbosa (NOVO), a mais votada, contou com quase 190 mil reais, mais de quatro vezes o valor de Dartora. Nesse caso, do total recebido, cerca de 77% foram doações de pessoas físicas, 5% do partido (R$ 9.485, 24) e 16% de financiamento coletivo. Analisando as doações de pessoas físicas, maior fonte de recursos da candidata, das 28 recebidas, apenas duas são de mulheres.

O segundo mais votado, Serginho do Posto (DEM), é um vereador em seu quarto mandato. Homem branco, fez sua campanha com R$ 41.500 declarados, sendo cerca de 60% de doações de pessoas físicas e o restante de recursos próprios.

Diversidade

A democracia eleitoral pressupõe algum equilíbrio nas disputas. Os fundos públicos de campanha, a proibição do financiamento empresarial e os limites ao financiamento de pessoa física têm como objetivo reduzir o impacto do dinheiro nas eleições. Sabemos que há muitas brechas e que o poder econômico, combinado às desigualdades raciais e de gênero, permanece como um fator determinante. Temos, no entanto, indicações importantes de que sem o financiamento público a política seria mais homogênea, menos diversa.

Nota: as informações sobre os repasses totais foram retiradas da plataforma Observatório 72 Horas no dia 17 de outubro de 2020, às 10h. A plataforma está com a última atualização feita às 02h11min também do dia 17. Os dados de distribuição de recursos dos candidatos foram retirados do TSE.

Candidatas e a corrida com obstáculos em tempos de pandemia

Todo ano de eleição registra alguma especificidade que determina diferentes impactos nas campanhas eleitorais e nas chances de que candidatos ou candidatas consigam a vaga que estão disputando. Normalmente, essas contingências estão ligadas a crises ou bonanças políticas ou econômicas. O ano de 2020, entretanto, apresentou um novo cenário, de crise sanitária aguda, a qual será o palco para as eleições municipais que se realizarão em 5.570 cidades brasileiras.

Com as questões relacionadas à pandemia, começou-se a levantar a hipótese de que este contexto prejudicaria a presença e as chances de mulheres candidatas, isso porque a dupla jornada – aumentada por conta das políticas de isolamento – reduziria ainda mais os horários já escassos das mulheres. Apesar disso, até agora o que se registrou nesta eleição foi um aumento do percentual de mulheres candidatas, as quais alcançaram 33%, a melhor marca das candidaturas em um país com péssimos índices de mulheres representantes.

A vereança é geralmente a porta de entrada dos novos nomes na política. É o caminho por onde passam as mulheres que, a médio prazo, poderão ocupar outras cadeiras mais altas, seja no Legislativo ou no Executivo. Com essas questões em mente e a possibilidade de trabalhar com filiadas de um partido do Paraná, desenvolvemos uma pesquisa para tentar entender o que estava se passando na pré-candidatura no contexto da Covid-19.

Analisando as respostas que recebemos, identificamos que, mesmo diante de todo o caos e incerteza, as mulheres foram contundentes: o que viam como maior ameaça às suas chances de eleição era a falta de apoio do partido.

O resultado – significativo, diferentemente de questões como o abalo econômico pela pandemia ou o aumento da dupla jornada – reforça algo que já vínhamos observando em outros trabalhos: os partidos, que deveriam ser o espaço privilegiado para impulsionar as candidaturas, acabam sendo vistos pelas mulheres como limitadores das suas capacidades. E isso ocorre em um contexto em que as regras eleitorais são, a princípio, mais favoráveis que em eleições anteriores.

A reserva de 30% do financiamento dos partidos para as candidaturas das mulheres, aprovada em 2018, poderia as conduzir para um novo patamar de viabilidade eleitoral. O que identificamos, mais uma vez, é que há um sistema de instituições informais que privilegia os homens, principalmente aqueles que já estão no poder, deixando a maioria das mulheres a mercê de gostos e desgostos de “donos do partido”.

A pesquisa entre pré-candidatos da seção paranaense do Partido Republicano da Ordem Social (PROS) – o partido brasileiro considerado mais ao centro no espectro ideológico – foi realizada ao longo do mês de junho com 139 participantes, contando com o incentivo das lideranças locais para aumentar a taxa de respostas em um tempo tão curto.

Pelo questionário, as mulheres deixaram claro que o que mais temiam era a perda de acesso aos recursos e apoios para campanha no contexto da pandemia. Mesmo com esforços do partido em promover cursos e incentivar as candidaturas femininas (no mínimo, 5% dos recursos do Fundo Partidário devem ser destinados à formação de mulheres), elas ainda se mostraram menos confiantes em relação a esse suporte.

Para além disso, notamos também que as mulheres pré-candidatas apresentavam uma resiliência que fazia com que, mesmo em um contexto pandêmico, sabidamente mais prejudicial às mulheres – dado o trabalho dobrado, abalo emocional e físico, riscos de perda de emprego e de renda por conta da pandemia –, elas mantivessem seus esforços na preparação para concorrer às eleições

Nossos achados, que foram publicados pela “Politics & Gender”, revista sobre mulheres e política da Associação Americana de Ciência Política, estão bastante alinhados com outras pesquisas que mostram que a ausência de mulheres na política no Brasil não está explicada por questões que estejam relacionadas às mulheres – no sentido de sua preparação, capacidade e disponibilidade –, nem aos eleitores e eleitoras, no tocante a sua pré-disposição de votar em mulheres. Essa escassez parece, sim, ser muito mais um resultado da falta de suporte que encontram nas esferas partidárias, ou mesmo, por alguma expectativa não satisfeita neste sentido. Essa limitação, que se repete ano após ano, ficou ainda mais intensa na pandemia.

Somado a tudo isso, é preciso incluir ainda a questão do distanciamento. Em algumas conversas mais recentes com candidatas, várias delas relataram que, por preocupação com pessoas mais velhas ou outros grupos de risco, tiveram que abrir mão da campanha de rua, concentrando sua atuação nas redes sociais, diminuindo, assim, um importante campo de ação. As mulheres, cujas imagens estão atreladas ao cuidado, parecem mais cobradas para terem cautela.

Se, por um lado, existe neste ano atípico um número recorde de candidatas e um enorme incentivo para que elas consigam se eleger; por outro, o contexto pandêmico parece apresentar uma série de novos e antigos obstáculos, com os quais elas terão que lidar nesta maratona. Eleições com pouco tempo de campanha e eleitores preocupados tendem a beneficiar quem já está no poder. Até o momento, a maior parte do financiamento continua dirigida aos homens brancos. As mulheres, que ocupam apenas 13% das cadeiras de vereadora, terão que se desdobrar ainda mais.

*Malu A. C. Gatto é professora de política Latinoamericana no Instituto das Américas da University College London (UCL) e Global Fellow no Brazil Institute do Wilson Center em Washington, D.C.. Sua pesquisa explora questões sobre comportamento político, representação, e formulação de políticas de gênero. Malu é doutora em ciência política pela Universidade de Oxford e foi pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Zurique.
Débora Thomé é pesquisadora associada ao LabGen-UFF. Doutora em Ciência Política (UFF), sua pesquisa é concentrada em questões de gênero que envolvem acesso aos espaços de poder, representação e ambição política. Foi visiting scholar da Columbia University e é professora do Columbia’s Women’s Leadership Network. Desde 2016, vem dando cursos para mulheres candidatas em todo o país. É autora dos livros “Mulheres e poder” (com Hildete Pereira de Melo) e do infantil “50 Brasileiras Incríveis para conhecer antes de crescer”.

A 5 dias das eleições, metade do financiamento não chegou aos candidatos

A 5 dias das eleições, metade do financiamento não chegou aos candidatos

A menos de 5 dias das eleições municipais no Brasil, que ocorrerá no domingo 15 de novembro, os partidos já distribuíram R$ 1,374 bilhões dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC). Isso corresponde a menos da metade do total do FEFC, que soma 2,34 bilhões de reais.

Neste ano, 30% dos recursos devem ser destinados a candidaturas femininas, e um valor proporcional ao número de candidatos negros deve ser destinado a pretos e pardos – que somam, nestas eleições, 49,9%.

Na primeira análise feita sobre essa distribuição dos recursos, no dia 21 de outubro, apontamos que mulheres recebiam menos do que a cota e negros recebiam 35,77%. Hoje, quase três semanas após essa análise, 28,9% dos recursos foram repassados a mulheres e 40,9% a candidaturas negras.

Se o mais evidente é o subfinanciamento de negros e mulheres, a realidade é de sobrefinanciamento de candidaturas brancas. Os homens e mulheres brancos, que são 47.9% dos candidatos, receberam 58.1% dos recursos. Até o momento, portanto, esta eleição reproduz a concentração dos recursos nos grupos historicamente privilegiados.

Candidatos amarelos receberam 0.4% dos recursos, e indígenas receberam 0.2%. E também neste caso, um dos problemas é a concentração dos recursos em algumas candidaturas. A candidata indígena Juliana Cardoso (PT), por exemplo, que concorre a vereadora em São Paulo (SP), recebeu até o momento pouco mais de 233 mil reais, o que corresponde a 18,7% da verba de todas as candidatas indígenas de todos os partidos (R$ 1.246.059). É a pessoa indígena com o maior repasse.

Já exploramos neste Observatório as brechas dessas leis, que ocasionaram um aumento do número de candidatas mulheres a vice-prefeitas e que permitem também a concentração dos recursos nas candidatas a cargos majoritários. Neste momento, a cinco dias das eleições, importa observar quais partidos ainda estão longe de atingir as metas e para que serve o dinheiro, faltando tão pouco tempo para as eleições.

Os dados foram retirados da Plataforma 72Horas, uma ferramenta de pesquisa que disponibiliza todos os repasses do FEFC e Fundo Partidário, e atualizada a partir dos dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Oscilações no total repassado por enquanto parecem indicar apenas correções feitas pelos candidatos, e não irregularidades, e estão sendo acompanhadas pelas idealizadoras da plataforma.

Como os dez partidos com mais fundos distribuíram os recursos?

Até o momento, 95,6% dos recursos repassados são provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), e 4,4% do Fundo Partidário. Isso acontece porque o FEFC é criado justamente para o período eleitoral, enquanto o Fundo Partidário engloba também outros gastos do partido, como pagamento de água, luz, aluguel, etc.

Os recursos do FEFC que não forem utilizados até o final do período de campanha devem ser devolvidos pelos partidos. No entanto, faltando cinco dias para as eleições, os dez partidos com mais repasses do FEFC gastaram pouco mais do que a metade destes recursos. Apenas dois partidos cumpriram a cota de 30% para mulheres: PT e PSL. A média repassada a candidatos brancos está acima de 60%.

A tabela abaixo apresenta os dez partidos com mais recursos do FEFC, e como está a distribuição dos recursos até o momento.

Distribuição de recursos dos dez partidos com maior Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do TSE e da plataforma 72Horas

O Partido dos Trabalhadores (PT), que lidera com mais recursos do FEFC, por enquanto repassou apenas 53% do valor do fundo. Do montante repassado, 57% está com candidatos brancos, e 35,5% com mulheres.

Além do PT, o PSL é o único dentre os dez partidos com mais recursos do FEFC que no retrato atual distribuiu mais que 30% da verba para as mulheres – 33,5%. O PSL é o segundo partido com mais recursos do FEFC, e por enquanto repassou 55% deste total.

A situação mais alarmante é a do Democratas (DEM), sétimo partido com mais recursos do FEFC, e que já repassou 74.8%. Do total repassado, apenas 19,2% foram para candidatas mulheres, o que está bem longe do mínimo de 30% exigido pela lei. No entanto, em relação ao montante distribuído para brancos, é o partido que tem menor concentração nessa cor – 49,9%. Os outros nove partidos distribuíram, em média, 62,9% dos recursos para brancos.

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) também se destaca, com 76,7% dos repasses distribuídos para brancos. Do total repassado do FEFC, 14,2% foram para a Delegada Martha Rocha, candidata à Prefeitura do Rio de Janeiro, e para Sarto, candidato à Prefeitura de Fortaleza, ambos com 4,5 milhões de reais.

A distribuição dos recursos ao longo do tempo

Nos próximos cinco dias, os partidos ainda irão repassar parte dos recursos a que tiveram acesso. Cabe mencionar que recursos também podem estar sendo reservados para uso na disputa do segundo turno, quando aplicável. As prioridades na escolha da distribuição nesta semana tendem a ser duas: o potencial da candidatura, ou seja, quão competitiva ela está (dado que o recurso pode ajudar a garantir o resultado) e o cumprimento da obrigatoriedade para mulheres e negros. Os partidos têm declarado estar empenhados em cumprir as cotas – algo que, é sempre bom lembrar, é um requisito legal e pode levar a penalidades no caso de descumprimento.

Para candidaturas que estão com a estrutura montada, que poderão intensificar as estratégias e que possuem lastro para endividamento, a verba pode ser bem efetiva. Aquelas que não tinham recebido o repasse, mas que tinham condições de se endividar enquanto aguardavam, certamente já têm destino certo para os recursos.

Mas para aquelas que não tinham condições de se endividar e que, diga-se de passagem, provavelmente compõem o grupo principal que as cotas e decisões de repasse deveriam auxiliar, esse recurso tende a ser pouco efetivo.

No que tange à distribuição dos recursos de acordo com a proporcionalidade ao número de candidatos negros, é fato que os partidos tiveram pouco tempo para se adaptar à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela saiu no dia 3 de outubro, após o registro de candidaturas e já em período de campanha eleitoral. No entanto, o ministro Ricardo Lewandowski afirma que não haveria uma mudança no processo eleitoral, mas sim um aperfeiçoamento sobre decisões já existentes.

Mais uma vez, destacamos que são dois problemas: um é o cumprimento da legislação, outro é o equilíbrio na distribuição entre as candidaturas para as quais a legislação garante um mínimo de recursos (as mulheres) e a proporcionalidade dos recursos (negros e negras).

Logo poderemos avaliar também a efetividade dessas regras e ações dos partidos, isto é, a correspondência entre financiamento e os resultados das eleições. Ao que tudo indica, recurso que chega na última semana da eleição não garante condições igualitárias de disputa.

Nota: as informações sobre os repasses foram retiradas da plataforma 72 Horas, que organiza as informações a partir dos dados do TSE, no dia 9 de novembro de 2020 com a atualização feita às 14h11. A plataforma faz a distinção apenas dos gêneros masculino e feminino, portanto, para fins de simplificação, neste artigo colocamos mulher como sinônimo de gênero feminino e homem como sinônimo de gênero masculino.

Com a bala e com a bíblia: mulheres e as eleições de 2020

O aumento no número de candidaturas que levam no nome títulos policiais ou militares já foi registrado. A larga maioria é de homens, que ocupam nesse caso uma fatia ainda maior que a do conjunto total de candidaturas. Isso é esperado, se considerarmos que as mulheres são cerca de 12% dos efetivos das polícias militares e menos que isso nas carreiras nas Forças Armadas. Apesar disso, foram as candidaturas de mulheres policiais e militares que mais cresceram entre 2016 e 2020 – mais de 300% no caso delas, 65% no deles.

Elas continuam a ser minoria nesse grupo. Mas, enquanto em 2016 elas correspondiam a 3% do grupo que pretende mobilizar o eleitorado usando junto a seu nome um título policial ou militar, hoje são 5,8%. O maior crescimento se deu entre as candidaturas ao cargo de vice-prefeita, em que passaram de 2,2% em 2016 para 8,1% em 2020. Nesse caso, o crescimento mais acentuado acompanha o quadro geral do aumento de candidaturas femininas e pode indicar que os partidos viram nas vices uma possibilidade de beneficiar os homens que estão na cabeça da chapa com recursos que, por lei, deveriam ser dirigidos às mulheres, aproveitando brechas na lei.

Candidatas a prefeita e títulos militares

Entre as candidatas a prefeita, 321 levam esses títulos junto a seu nome, algumas delas disputando as prefeituras das capitais. Na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a Delegada Marta Rocha (PDT) está em segundo lugar nas pesquisas, empatada com o atual prefeito e candidato à reeleição Marcelo Crivella (Republicanos). Em Goiânia (GO), o terceiro lugar está com a candidata Delegada Adriana Accorsi (PT). Com filiação partidária e agenda de esquerda, elas têm um perfil distinto do da maioria das mulheres que recorreram à força e à segurança para construir sua relação com o eleitorado.

Na disputa pela prefeitura de Recife (PE), a Delegada Patrícia (Podemos) aparece em terceiro lugar; em Sergipe (SE), o segundo lugar nas intenções de voto está com a Delegada Danielle (Cidadania). Ambas ganharam projeção em operações de combate à corrupção, com teor lavajatista. Na corrida pela prefeitura de Campo Grande (MS), a Delegada Sidnéia Tobias (Podemos), em quinto lugar nas pesquisas, foi a primeira mulher a comandar o Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos no estado.

A maior parte das candidaturas está ainda à direita das candidatas mencionadas acima, concentrando-se principalmente no Partido Social Liberal (PSL), seguido pelo Partido Social Democrático (PSD) e pelo Republicanos. Olhando de modo agregado, nota-se que o aumento dessas candidaturas foi sustentado, principalmente, pelos partidos de direita. A esquerda, que já apresentava um percentual baixo, teve um aumento mais sutil, enquanto o centro teve um declínio considerável. Esse padrão acompanha as taxas vistas para o total de candidaturas femininas, que subiu apenas entre os partidos de direita, acompanhando o aumento desse grupo de partidos dentro do total de candidatos lançados em 2020.

Gráfico 1: Mulheres candidatas com nomes associados a títulos policiais e militares, por espectro ideológico

Obs: Dados do TSE, filtrados por delegado, soldado, cabo, sargento, tenente, capitão, major, coronel, general e comandante, com suas inflexões de gênero e possíveis abreviaturas.

Trata-se, assim, de candidaturas que se associam à agenda da “ordem”, característica da direita. A agenda não é nova, mas os perfis predominantes têm relação com dois fenômenos que ganharam peso no Brasil, a Operação Lava-Jato, iniciada em 2014, e a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. Em um contexto no qual os partidos se viram mais pressionados a cumprir a legislação, as cotas também podem ter aberto espaço a uma inclusão que vem junto com a aderência às identidades com apelo eleitoral no momento.

Mas a noção de “ordem” à qual mulheres candidatas, em sua maioria de direita, se associam não fica restrita à força e à segurança. A identidade religiosa também é expressiva no apelo à ordem, nesse caso à ordem moral, junto ao eleitorado.

Identidade religiosa e ordem moral

Em 2016, as mulheres representaram 21,7% das candidaturas que levam títulos religiosos junto a seus nomes; em 2020, chegaram a 26,8%. Nesse caso, o aumento foi maior na disputa pelo cargo de vereador, em que elas são 27,3%, seguido do cargo de vice-prefeito, em que correspondem a 19,3% das candidaturas com identidade religiosa. Na corrida para prefeito, elas era 8,2% em 2016 e são hoje 6,2%, ampliando ainda mais a predominância masculina de candidatos pastores e bispos, assim como daqueles que se identificam como “irmãos”.

Pelos títulos, podemos dizer que a maior parte dessas candidaturas é do campo evangélico. O maior número de mulheres candidatas está nos partidos ligados a grandes igrejas pentecostais e neopentecostais, com destaque para Republicanos (com 340 mulheres candidatas, em um total de 9328 candidaturas com identidade religiosa) e Partido Social Cristão (PSC) (com 330, em um total de 5813). Embora a religião em si não signifique uma associação ao conservadorismo ou à direita ideológica, a distribuição entre os partidos mostra que estamos, mais uma vez, predominantemente no universo da direita.

No gráfico abaixo nota-se que, novamente, essas candidaturas estão mais presentes nos partidos de direita, com um aumento de 3 pontos percentuais em relação a 2016. Houve pouca mudança nos demais espectros. Mas o que chama a atenção é que o aumento no número de candidatas que utilizam o título religioso deu-se também considerando o total de candidaturas femininas. Em 2016, elas representavam 1,5% das candidaturas de mulheres em partidos de direita, passando a 1,7% em 2020. Entre os partidos de centro e de esquerda, elas passaram de 0,7% e 0,9%, respectivamente, em 2016, para 1,1% em 2020.

Gráfico 2: Mulheres candidatas com nomes associados a títulos religiosos, por espectro ideológico

Obs: Dados do TSE, filtrados por pastor, apóstolo, bispo, irmão, missionário, padre e reverendo, com suas inflexões de gênero e possíveis abreviaturas.

As candidatas que associam seu nome às forças policial-militares ou à bíblia encontram-se em um contexto de controle masculino dos partidos, com pressões para que cumpram a legislação de cotas registrando um mínimo de 30% de candidatas e reservando a elas o mesmo percentual dos recursos do fundo eleitoral partidário e do tempo de propaganda. Também se tornaram candidatas em uma conjuntura na qual a agenda da ordem, como recurso às forças policiais-militares ou à moral conservadora, ganhou maior centralidade no país. Mas seu perfil e os caminhos que encontram para se candidatar não são idênticos.

Diferenças entre candidatas com títulos militares e religiosos

Se entre as policiais-militares as chaves para o aumento das candidaturas são a Lava-Jato e Bolsonaro, as religiosas remetem a outros processos – que, claro, se entrecruzam com estes. Relacionam-se a um fenômeno que tem correspondentes em outros países latino-americanos e vem se desenhando há mais tempo, no qual têm destaque as candidaturas evangélicas conservadoras, como apresentado no livro “Gênero, neoconservadorismo e democracia”, de Flávia Biroli, Maria das Dores Campos Machado e Juan Vaggione.

É possível trabalhar com a hipótese de que as igrejas evangélicas estejam se tornando um caminho para a participação política das mulheres, que são maioria entre os fiéis. Diferentemente do que se deu em períodos anteriores da história brasileira, em que mulheres encontraram caminhos para a política associadas às Comunidades Eclesiais de Base católicas e, portanto, na oposição à ditadura e em movimentos com potencial progressista, nesse caso o que se destaca é o conservadorismo.

Entre as policiais e militares, o enfrentamento dos estereótipos da domesticidade e da fragilidade feminina podem estar mais presentes – ainda que possam acomodar-se ao conservadorismo moral, como têm demonstrado candidatas e também parlamentares eleitas em 2018. As religiosas vêm de um campo que tem apostado em mulheres para promover o apelo a uma ordem moral conservadora, que inclui a reação a avanços nos direitos e nas políticas públicas referenciados pela igualdade de gênero e pelo respeito à diversidade.

Para complicar mais as coisas, essas candidaturas femininas com identidade religiosa têm características que as aproximam dos segmentos. No conjunto das candidaturas femininas às eleições municipais de 2020, 49,54% são brancas. Entre as policial-militares, 50,4% são brancas, acentuando a estatística geral. Já entre as religiosas, o percentual de mulheres brancas cai para 31,3%, com 66,9% de candidatas negras. Assim, os partidos de direita podem ter se tornado um caminho para candidaturas de mulheres negras, com liderança e visibilidade em comunidades religiosas locais. Com agenda conservadora e anti-igualitária, igrejas e partidos com forte presença evangélica vão colocando algumas mulheres na linha de frente das disputas morais.

Classificação dos partidos:
Esquerda – PCdoB, PCB, PCO, PDT, PMN, PPL, PROS, PSB, PSOL, PSTU, PT, PV, Rede e UP.
Centro – MDB, PPS, PSDB.
Direita – Novo, PAN, Patriota, PTB, DEM, PGT, PHL, PL, PMB, PP, PRN, PR, PRB/Republicanos, Prona, PRP, PRTB, PSC, PSDC/DC, PSL, PST, PTdoB/Avante, PTC, PTN/Podemos e Solidariedade.