Eleições municipais

Eleições municipais

Leonardo Avritzer recebe Jairo Nicolau para debate que tem como tema as eleições municipais. O programa foi ao ar em 03 de setembro de 2020 às 16h, transmitido ao vivo no Youtube TV da Democracia INCT e no Facebook Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação.

As investidas de Bolsonaro na Região Nordeste

As investidas de Bolsonaro na Região Nordeste

As investidas do presidente Jair Bolsonaro no Nordeste não são recentes. Ainda durante a campanha eleitoral de 2018, ele buscou aproximar-se do eleitorado nordestino, fazendo uso de comportamentos simbólicos, como o ato de vestir o chapéu de cangaceiro à proposição de 13º salário a beneficiários do programa Bolsa Família. Havia também uma expectativa de que o Partido dos Trabalhadores (PT) perdesse capital político na região após a prisão do ex-presidente Lula e da agenda de combate à corrupção divulgada amplamente ao longo de campanha presidencial, especialmente pela redes sociais. Entretanto, os acenos não foram suficientes para impulsionar um bom desempenho eleitoral na região.

Mesmo com todos os imbróglios que envolveram a definição da candidatura petista, Bolsonaro viu seu principal adversário, Fernando Haddad (PT), conquistar uma base eleitoral fiel à Lula, obter 68% dos votos válidos no segundo turno, ganhar apoio de aliados nas disputas pelos governos estaduais e sair vitorioso em todos os estados nordestinos. Além do êxito eleitoral de Haddad, o PT também conquistou o governo em quatro estados: Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte e teve apoio de candidatos de partidos aliados nos demais estados.

Embora haja uma associação muito forte entre o PT, Lula e a Região Nordeste, nem sempre os votos petistas estiveram tão identificados com a região. A preferência do eleitorado nordestino pelos candidatos petistas cresceu ao longo dos pleitos eleitorais. Como é possível observar no gráfico abaixo, na eleição de 2002, quando Lula venceu a disputa eleitoral, apenas 25% dos votos obtidos pelo PT se concentrou na Região Nordeste. Esse percentual subiu para 33% nas eleições de 2006 e 2010, e alcançou 37% em 2014, com a reeleição de Dilma Rousseff (PT). Fernando Haddad deu ao PT sua votação mais expressiva até então, 43%.

Gráfico: Porcentagem de votos válidos obtidos pelo Partido dos trabalhadores (PT) na região Nordeste (2002-2018)
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

O crescimento do PT no Nordeste está muito atrelado a adoção de políticas substantivas, especialmente às políticas sociais que impulsionaram mudanças estruturais na região. Desta forma, não há dúvidas, por exemplo, quanto à efetividade e importância do Bolsa Família, considerado um programa de transferência de renda importante e bem sucedido, e que contribuiu para a redução da extrema pobreza, conforme dados do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2015. Do ponto de vista estratégico, Bolsonaro poderia ter utilizado essas políticas para se reaproximar dos eleitores nordestinos, mas não o fez, pelo contrário. Além dos cortes realizados anteriormente, em plena pandemia o governo federal autorizou cortes em 158 mil beneficiários, sendo 61% deles concentrados na Região Nordeste. A situação foi revertida e suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após ação dos governadores. Aqui, fica evidente que o Bolsa Família não estava sendo cogitado como alternativa para a criação de uma ponte em Bolsonaro e os eleitores nordestinos.

Entretanto, com a execução do auxílio emergencial, ele pode perceber melhora na sua popularidade e um espaço para novas investidas na região. Sua estratégia é eleitoral, com antena voltada para 2022. Mas se prender ao auxílio é pouco, pois tem prazo de validade, e parte significativa de sua base eleitoral não é muito afeita a programas de transferência de rendas.

Então, porque novas investidas na Região Nordeste diante deste cenário? Apesar das pesquisas de opinião apontarem favoritismo de Bolsonaro, o caminho que o leva à reeleição ainda é longo. Ele precisa de um partido, apoio político no âmbito do legislativo que garanta sua governabilidade até o final do mandato e ampliar sua base de apoio em redutos que foram avessos a ele na última eleição. Bolsonaro tem oferta para se filiar a alguns partidos – inclusive com chances de voltar ao PSL, mas nada definido. Ademais, o Nordeste é um campo fértil para crescer e ampliar base de apoio. A região concentra praticamente ⅓ dos parlamentares do Congresso Nacional, ou seja, além da aproximação mais recente de algumas lideranças de partidos da centro-direita na Câmara dos Deputados, ampliar sua base de apoio entre prefeitos e vereadores será um diferencial. Isso contribui, inclusive, para que possa apoiar aliados na disputa pelos governos estaduais em 2022. Seu objetivo é chegar em lugares, hoje, ocupados pela esquerda na região, e dos nove governadores nordestinos, apenas três deles poderão concorrer à reeleição.

Ou seja, as novas investidas na Região Nordeste apenas começaram, há muito mais por vir.

Bolsonaro: um bom cabo eleitoral?

Bolsonaro: um bom cabo eleitoral?

Uma das possibilidades abertas pelo resultado das eleições de 2018 era a de manutenção da onda ultra conservadora no país, puxada pelo prestígio de Jair Bolsonaro, com reflexos na eleição de 2020. Esse não parece ser mais o caso.

O atual presidente perdeu aliados desde então. Em especial entre setores liberais, nas turmas do mercado e da Lava Jato. Guedes é hoje um ministro enfraquecido e o governo sonha em furar o sacrossanto teto de gastos. Moro se foi e a agenda do Planalto nesta área se resume em tentar conter os danos causados pela família e agregados.

Muitos sonharam, outros tiveram pesadelos, com um exército bolsonarista “puro sangue” disposto a tomar prefeituras pelo país afora – o tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral e os 199 milhões de reais do PSL no fundo eleitoral ajudariam bastante. Mas o Presidente rompeu com o partido, viu sua bancada na Câmara rachar ao meio e fracassou na viabilização da alternativa, a Aliança pelo Brasil. Em uma palavra, um desastre: afinal, o melhor caminho para assumir protagonismo em uma eleição é ter um partido à mão.

Bom, mas agora temos não um, mas os vários partidos do Centrão, um bloco no qual, segundo o General Heleno, se “gritar pega ladrão (…)”. Cultura musical a parte, a aproximação com o Centrão foi articulada em um contexto em que se temia o impeachment e pode evoluir para algo mais amplo, mas não resolve a falta de instrumentos eleitorais. O problema é que a fragmentação partidária, associada à proibição de coligações nas eleições proporcionais e a uma cláusula de desempenho de 2% em 2022, tende a acirrar a competição entre os partidos.

Dito de outro modo, nestas eleições todas as legendas serão ainda mais incentivadas a preservar e ampliar suas bases obedecendo estritamente a cálculos locais. Isso complica a convivência eleitoral entre os membros do Centrão, bem como entre estes e outros tantos partidos de perfil conservador, e tende a limitar os movimentos do Planalto. O cenário pode tornar-se mais claro onde houver segundo turno. Mesmo assim o apoio de Bolsonaro dependerá de não haver conflito entre partidos do Centrão ou entre estes e um candidato de perfil igualmente conservador.

Nesse caso, cabe perguntar se Bolsonaro seria um bom cabo eleitoral. Pelo que sabemos, a população encontra-se dividida quanto à atuação do Presidente na pandemia. Na pesquisa DataFolha realizada em agosto, 47% o isentaram de responsabilidade pelas mais de cem mil mortes, 11% o consideraram o principal culpado e 41% lhe atribuíram alguma culpa. Na XP/Ipespe, realizada entre 8 e 11 de setembro, 49% consideraram sua atuação na pandemia ruim ou péssima, 28% ótima ou boa e 19% regular.

No que diz respeito à avaliação do governo, pela primeira vez desde agosto de 2019 a avaliação positiva supera a negativa nas duas pesquisas citadas e na mais recente do Ibope (17 a 20 de setembro), com o percentual de ótimo/bom variando de 37% a 40%. A pesquisa Ibope revela também que 50% aprova a maneira do Presidente governar, ainda que em sete das nove áreas de atuação pesquisadas o percentual dos que desaprovam supere o dos que aprovam com diferenças que vão de 8 a 39 pontos.

Uma pesquisa do DataFolha para a cidade de São Paulo (realizada em 21 e 22 de setembro) mostra que apenas 11% votariam com certeza em um candidato à Prefeitura indicado pelo Presidente, enquanto 64% não votariam de jeito nenhum. Cabe lembrar que, na pesquisa de agosto do mesmo instituto, apenas 22% diziam confiar sempre no presidente e 41% afirmavam não confiar nunca – nas seis pesquisas anteriores do Instituto a média do que disseram nunca confiar foi de 40,6% e dos “confiantes” 20,3%. A diferença entre estes índices e os de aprovação, na pesquisa de agosto, salta aos olhos e permite afirmar que se o auxílio emergencial impactou na avaliação do governo, não se pode dizer o mesmo sobre a confiança no presidente.

Tudo somado, dois pontos ficam claros. Em primeiro lugar, o fiasco da Aliança pelo Brasil fez com que na errática estratégia de Bolsonaro para 2022 a eleição municipal ficasse relegada a um papel residual. Em segundo, quando vier a ocorrer, o mais provável é que uma sinalização do Presidente funcione como variável definidora do voto apenas entre seus apoiadores mais fiéis, o que seria chover no molhado. Mas, é claro, a depender da situação – de que município se trata e do grau de competitividade da disputa – este apoio de Bolsonaro pode influenciar no resultado.