Como a polarização afeta o consumo de informação política

A polarização causada por Jair Bolsonaro identificada na pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020” também é visível quanto o assunto é a mídia. De acordo com o levantamento, os entrevistados que avaliam o governo Bolsonaro como ótimo ou bom apontaram as seguintes emissoras como o seu principal meio de informação sobre política na TV aberta: Record (52%), Bandeirantes (45%), SBT (42%). A Globo aparece depois, com apenas 24%.

Os números não coincidem com a média da audiência. O Mídia Dados 2019, do Grupo de Mídia de São Paulo, registra que as emissoras mais assistidas na TV aberta são: Globo (36%), Record (15%), SBT (15%) e Bandeirantes (3%). Outras (Record News, TV Brasil, TV Câmara, TV Justiça, TV Senado, para citar algumas) somam 29%, dado que expressa dispersão da audiência, ainda que o controle da maior parte dela por parte dos maiores grupos se mantenha.

A mudança parece mostrar que as campanhas de Bolsonaro contra o Grupo Globo, que incluiu ameaça de cassar a concessão após reportagem do Jornal Nacional mencionar o nome de  Bolsonaro entre os citados na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, e sua aproximação com Record e SBT, TVs que o beneficiam desde o período eleitoral de 2018 e que têm sido agraciadas com mais verbas publicitárias, têm surtido efeito. Não deixa de ser irônica a situação, já que a Globo teve papel determinante na construção do sentimento antipolítica e no golpe que levou ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff em 2016, como já demonstrei em outras ocasiões.

Analisando a pesquisa do INCT (Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação), vemos que as opções da audiência vão migrando de acordo com a avaliação do governo. Entre os que o consideram regular, a Globo aproxima-se da liderança que efetivamente possui, com 33%. Ainda assim, os três outros grupos com maior projeção registram patamares expressivos: SBT (32%), Bandeirantes (31%) e Record (29%). Outras emissoras também foram apontadas com destaque pelo eleitorado, o que confirma a dispersão para outros canais.

Já entre os que consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo, a fonte de informação sobre política na TV aberta preponderante é a Globo (43%), seguida com maior intervalo pelas demais: SBT (26%), Bandeirantes (23%) e Record (20%).

O índice de confiança da pesquisa é de 95% e a margem de erro é de 2,2 pontos para os dados nacionais. Já nos resultados regionais a margem de erro varia. Ao todo, foram consultadas duas mil pessoas entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro.

Os dados são importantes porque, como também mostra a pesquisa, os noticiários da TV aberta seguem apontados como o principal meio de informação sobre a política (36%). Em segundo lugar, está o buscador da Google (10%), seguido de blogs de internet (10%) e Facebook (8%). O WhatsApp, que tem sido o foco das preocupações com desinformação desde 2018, aparece com 2%, atrás inclusive do Instagram, com 3%. Isso não deve nos levar a menosprezar o papel das redes sociais, mas sim notar a permanência da importância da TV, que inclusive acaba pautando a conversação nas demais plataformas. Para dar um exemplo, cerca de 80% do que se escreve no Twitter deriva de conteúdos televisivos.

Como tem sido apontado neste Observatório, dificilmente essa dinâmica de polarização, com amplo apoio a Bolsonaro, apesar de tudo, se refletirá com a mesma força nos votos. As eleições municipais têm dinâmicas mais particulares e, no caso destas, também pesa a situação da pandemia e a avaliação da atuação de governadores e prefeitos no combate a covid-19. Não obstante, os dados são interessantes para notarmos que a influência de Bolsonaro, expressão maior da extrema direita no Brasil, não é superficial. Ela tem modificado efetivamente a cultura, inclusive o consumo dos meios de comunicação, instituições centrais para a formação das identidades, valores, gostos e para o próprio debate democrático.

* Helena Martins é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), é jornalista e doutora em Comunicação Social pela UnB, com período sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg) da Universidade de Lisboa. Editora da Revista Eptic, é pesquisadora do GT Economía política de la información, la comunicación y la cultura da Clacso e integrante do Intervozes.

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.2020.observatoriodaseleicoes.com.br.

Estratégia de Russomanno contra Boulos investe em desinformação

Estratégia de Russomanno contra Boulos investe em desinformação

Até as 20h desta quarta-feira(11), pelo menos 70 mil posts no Twitter mencionaram a #LaranjalDoBoulos, denunciando suposta contratação de duas produtoras fantasmas pelo candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, que nesta semana apareceu em segundo lugar na pesquisa Ibope. Poucos casos nestas eleições deixaram tão nítida a operação da desinformação como estratégia política, com passos combinados para gerar controvérsia e desgastar um candidato.

Durante debate entre os candidatos realizado pelo UOL/Folha na manhã de hoje (11), Celso Russomanno (Republicanos), que pela primeira vez apareceu em terceiro lugar, levantou o tema e disse que a informação estava “nas redes”. Como noticiou a Folha, o candidato apoiado por Bolsonaro atribuiu a informação a uma denúncia publicada nas redes sociais. A acusação foi feita por Oswaldo Eustáquio, que já foi preso por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) por espalhar notícias falsas, e publicada no canal do YouTube dele enquanto o debate ocorria – o que mostra que Russomanno sabia que isso seria feito.

Boulos nega a acusação e postou informações detalhadas sobre a contratação das produtoras, cujos pagamentos constam na prestação de contas do candidato. Para evitar a propagação do vídeo, ele entrou com uma ação na Justiça Eleitoral para pedir que este seja retirado das redes sociais. Já a Justiça Eleitoral solicitou à Polícia Federal abertura de inquérito contra Russomanno por calúnia contra Boulos, em resposta ao pedido do Ministério Público Eleitoral.

A situação também mostra outro elemento: utilização de um político como amplificador de audiência. Russomanno seguiu os passos de Bolsonaro, Trump e outros líderes de extrema-direita que usam sua projeção para espalhar mentiras, seja sobre a pandemia, eleições ou algum adversário. Os indícios mostram não apenas proximidade na linha política, mas apontam possível utilização da estrutura de desinformação que tem sido chamada de Gabinete do Ódio ou, ao menos, compartilhamento de seu modus operandi.

O post do próprio Eustáquio no Twitter é o primeiro a ser apresentado em “destaque” pela plataforma, quando buscamos a referida hashtag. O número de curtidas e compartilhamentos são contados aos milhares. Outros posts, como o do deputado estadual Douglas Garcia (PTB), que se diz representante do “Movimento Conservador”, têm ajudado a espalhar a desinformação. Portais que se apresentam como noticiosos também mobilizam o tema. Caso da Gazeta Brasil, que divulga que a situação se tornou o assunto mais comentado do Twitter, mas não traz o outro lado nem menciona as ações na Justiça.

Mas nem só de amplificadores reais uma campanha de desinformação é feita. A plataforma Bot Sentinel, que monitora atividade inautêntica no Twitter, publicou que foram identificados 217 posts mencionando #LARANJALDOBOULOS tuitados por contas não autênticas, os conhecidos robôs. A hashtag está no topo da lista das mais movimentadas por meio de mecanismos automatizados, no ranking da Bot Sentinel. Essas contas também amplificam o debate, produzindo, em geral, de forma constante e com o intervalo de tempo menor do que qualquer ser humano conseguiria, o que ajuda a espalhar o conteúdo e a fazer crescer as menções a ele nas redes.

O enredo é conhecido: alguém posta, outro com alcance compartilha, a desinformação é comentada nas redes e lá ganha projeção, com ajuda de mais amplificadores e de robôs. Conteúdos de portais que se apresentam como noticiosos são usados para dar veracidade ao caso e, muito possivelmente, ganham ampla repercussão em grupos de WhatsApp e outras plataformas. É por isso que investigar e desmontar o arranjo de grupos que usam desinformação como estratégia é tão central, entre eles o Gabinete do Ódio.

O número de casos de denúncia de desinformação tem crescido em todas as plataformas que fazem verificação e checagem. A reta final da campanha chegou e, com ela, parece que também a avalanche de desinformação.

O poder das regras: menos partidos nas eleições de 2020

O poder das regras: menos partidos nas eleições de 2020

O alto número de partidos no Brasil é um assunto que faz parte das conversas cotidianas sobre política. Recentemente, o Congresso aprovou o fim das coligações para eleições proporcionais (Emenda Constitucional 97/2017), uma medida que tem potencial para reduzir o número de partidos ao longo dos anos, como expôs Jairo Nicolau em texto publicado no Observatório das Eleições/UOL.

As coligações para eleições proporcionais funcionavam de maneira que os votos de partidos coligados fossem somados. Assim, partidos pequenos podiam fazer alianças para sobreviverem na política. Com o fim dessa possibilidade, candidatas (os) a cargos proporcionais – vereadoras (es), por exemplo – tendem a concentrar suas forças em poucos partidos.

Gráfico 1. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O Gráfico 1 mostra a média do número de partidos disputando cargos de vereadoras (es) nos municípios brasileiros nos anos de 2012, 2016 e 2020. Neste ano, observa-se uma redução drástica dessa média, o que mostra a força da nova regra. No entanto, há diferenças entre municípios grandes e pequenos. Aplicando o corte de 200 mil eleitoras (es) – número utilizado pelo TSE para definir quais municípios terão segundo turno na disputa para prefeita (o) –, é possível observar que as cidades que ultrapassam esta marca têm uma média mais alta de partidos na disputa.

Gráfico 2. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município – Recorte: 200 mil eleitoras (es)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No Gráfico 2, nota-se que nos municípios maiores o número médio de partidos disputando cargos das Câmaras Municipais também passou por redução em 2020, mas ainda assim é mais alto que o observado em municípios menores. Uma das explicações para este fenômeno está no limite de candidaturas por chapa: para o cargo de vereador (a), cada partido só pode lançar um número de candidaturas que corresponda a 150% do número de vagas disponíveis (segundo a Lei nº 9.504/1997). Ou seja, em uma cidade com dez vagas na Câmara, um partido só pode lançar 15 candidaturas. Em municípios maiores, os partidos tendem a não preencher completamente suas chapas. Logo, há um “mercado” de votos maior, abrindo-se espaço para que mais legendas entrem na disputa.

Nos municípios maiores, a média de cadeiras disponíveis nas Câmaras Municipais é de 23,8, podendo variar entre 15,9 e 31,7. Se separarmos os municípios que possuem 15 vagas ou menos, como foi feito no Gráfico 3, o número médio de partidos disputando vagas nos Legislativos municipais é ainda menor, atingindo 6,7 partidos em 2020. Em contrapartida, neste ano os municípios com 16 cadeiras ou mais possuem uma marca média de 20,2 legendas em disputa.

Gráfico 3. Número médio de partidos disputando cargos de vereadoras (es) por município – Recorte: 15 vagas na Câmara

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número de vagas utilizado é referente ao ano de 2016, por não ser possível captar as variações que ocorreram nos municípios ao longo da última legislatura.

Em termos de estratégia, os partidos estão se adaptando à nova regra. As tendências são duas. Primeira, que o número de legendas nas competições reduza ao longo do tempo. Segunda, que essas legendas lancem o maior número possível de candidaturas, para reduzir os efeitos do fim das coligações.

Por fim, não se pode ignorar o fato de que o Brasil apresenta o sistema partidário mais fragmentado do mundo. Desta maneira, o fim das coligações proporcionais pode minar a força de um partido apenas em determinadas regiões, e ele pode sobreviver se tiver força em outras. Assim, um outro desdobramento possível para os próximos anos é um processo de regionalização dos partidos políticos brasileiros.

*Otávio Z. Catelano é Mestrando em Ciência Política na Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (Cesop/Unicamp).

O que as plataformas têm feito para combater a desinformação nas eleições?

O que as plataformas têm feito para combater a desinformação nas eleições?

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou que, entre 27 de setembro e 26 de outubro, recebeu 1.037 denúncias de contas de Whatsapp suspeitas de disparos de mensagens em massa, resultando no banimento de 256 contas pela plataforma. A empresa informou que 80% das contas denunciadas já haviam sido derrubados por seu sistema contra spam antes mesmo de serem reportadas ao TSE. Não há mais detalhes sobre os motivos para as exclusões, justificadas, em geral, por violarem os Termos de Serviço da plataforma. O número é pequeno se considerarmos, entretanto, que, de acordo com dados oficiais do WhatsApp, cerca de 2 milhões de contas são banidas globalmente todos os meses por esse mecanismo.

Talvez o baixo índice de denúncias seja fruto do fato de que muita gente não sabe que esse comportamento é considerado ilegal no processo eleitoral e nem conhece os caminhos para denunciá-lo. O WhatsApp não tem, por exemplo, uma política específica para lidar com casos de disseminação de desinformação, tampouco adota mecanismos de contato direto com os usuários, a exemplo de notificações, para avisá-los sobre a vedação da prática ou sobre o canal de denúncias do TSE. Até hoje, o Whatsapp lançou no Brasil apenas uma campanha sobre o tema, intitulada “Compartilhe fatos, não rumores”, que aponta ter alcançado 8 milhões de brasileiros, número bem menor que as 130 milhões de contas ativas no país. Em outros países, como na Índia, mais medidas têm sido adotadas, inclusive ações presenciais de esclarecimento da população sobre o fenômeno.

Em abril deste ano, a plataforma passou a limitar no Brasil o encaminhamentos de mensagens, o que pode diminuir a velocidade na propagação da desinformação, e firmou parcerias com agências de checagem. Mas para conter de fato as chamadas fake news seria preciso limitar a atuação de grupos que agem de forma coordenada (que podem criar infinitos grupos e listas de transmissão, por exemplo) e contam com sistemas que burlam eventuais empecilhos da rede – além de desenvolver um esforço conjunto com autoridades competentes para ampliar a investigação e responsabilização de agentes que produzem desinformação na plataforma.

Ou seja, o Whatsapp está fazendo pouco, e o quadro não é muito diferente nas demais plataformas. É o que revela a pesquisa Fake news: como as plataformas enfrentam a desinformação, lançada recentemente pelo Intervozes.

O estudo mapeou as ações das principais redes sociais em operação no Brasil – Facebook, Instagram, WhatsApp, YouTube e Twitter – a partir de 2018, quando a desinformação já era considerada um problema em âmbito mundial, e concluiu que as medidas tomadas pelas empresas têm sido insuficientes para enfrentar concretamente o fenômeno. Todas tangenciam a questão, evitando inclusive conceituar a desinformação e dispor de equipes específicas para dar conta do desafio de interromper o fluxo desinformativo, que ameaça democracias em todo o mundo. Também faltam divulgação de informações sobre medidas em curso, transparência sobre sua implementação e avaliação dos resultados.

Em relação à prática de desinformação durante as eleições, tema deste Observatório, a pesquisa do Intervozes mostra que boa parte das medidas não é adotada em todos os países onde as plataformas funcionam. Muitas vezes, as plataformas privilegiaram os processos eleitorais nos Estados Unidos e na União Europeia, deixando mais desguarnecidas as eleições em países como o Brasil.

Apontada como principal lócus do problema hoje, o WhatsApp é a plataforma que conta com menor número de medidas contra desinformação.

Facebook e Instagram

Um exemplo é a mudança feita pelo Facebook e Instagram no design dos rótulos de conteúdos verificados para tornar mais nítidas classificações de “falso” ou “parcialmente falso”. Já implementada para as eleições gerais do Reino Unido e nos Estados Unidos, a medida adiciona um filtro cinza que diferencia a imagem questionada das demais e passou a ser utilizada no Brasil.

Também nos Estados Unidos, para as eleições presidenciais de 2020, as contas de candidatos ganharam proteções extras contra invasões, como autenticação em dois fatores e um monitoramento para evitar acessos indevidos de locais estranhos. Um rastreador dos gastos dos candidatos a presidente também foi criado. Em junho, foi implementada uma opção de não receber anúncios políticos aos estadunidenses. No último dia 30 de outubro, o Instagram removeu a guia “recentes” de páginas de hashtags, explicando que faz isso “para reduzir a propagação em tempo real de conteúdo potencialmente prejudicial que poderia aparecer em torno da eleição”, divulgou.

O Facebook também anunciou US$ 2 milhões em investimentos para organizações que trabalham com ações de formação nos Estados Unidos, visando a promoção de uma relação mais crítica com os conteúdos que circulam na plataforma.

Já para o pleito do Parlamento Europeu de maio de 2019, entre outras ações, o Facebook estabeleceu a identificação do indivíduo e de seu local de residência para administradores de páginas com muitos seguidores. Também foi instalado um centro de operações em Dublin, na Irlanda, a partir do qual houve coordenação em tempo real com as equipes da sede da empresa, nos EUA. Não há registro de esforços com o mesmo empenho e gastos financeiros no Brasil.

Mas lá como aqui a plataforma passou a remover mensagens que possam enganar os usuários sobre datas, formas e locais de votação, sobre exigências para a participação no pleito e que possam ameaçar eleitores de modo violento. O problema desse tipo de medida é a ausência de transparência e devido processo sobre a moderação do conteúdo. Da forma como é feita hoje, a decisão por remover postagens e banir contas cabe exclusivamente ao Facebook, ainda que parte dos conteúdos seja avaliada por verificadores parceiros. Assim, a plataforma se coloca como árbitro da verdade do que circula nas redes, o que traz riscos à liberdade de expressão. Até agora, por exemplo, não foram divulgadas informações sobre remoções de contas e conteúdos nem sobre outras medidas relacionadas às eleições em curso no Brasil.

Outra problemática abordada no estudo do Intervozes é que discursos originais e anúncios de políticos não passam por processos de checagem, pois são tratados como exceção e como válidos. Para não classificá-los, a empresa argumenta possíveis impactos na liberdade de expressão e no debate público. É preciso, contudo, encontrar um equilíbrio para que essa exceção não se torne uma naturalização do discurso desinformativo, sobretudo considerando o que vemos frequentemente em posts de líderes como Donald Trump e Jair Bolsonaro. Um caminho poderia ser incluir alertas sobre as verificações e inserir limitações de compartilhamento ou de interação.

Para não ficar só nos problemas, vale destacar que Facebook e Instagram rotulam anúncios, que só são autorizados após um cadastro com identificação de responsáveis e passam a figurar na Biblioteca de Anúncios da plataforma, dando transparência ao que é impulsionado. Aqueles sobre temas sociais de políticos não identificados são passíveis de não aprovação, caso contenham desinformação.

YouTube

Nas eleições de 2018 nos Estados Unidos e para o Parlamento Europeu em 2019, quando usuários pesquisavam por um candidato/a na plataforma, o YouTube oferecia junto aos resultados um painel com informações adicionais sobre a pessoa, como afiliação partidária e distrito pelo qual concorria. Para o pleito deste ano nos Estados Unidos, o Google, corporação dona do canal de vídeos, está modificando as regras de propaganda política, para dar maior visibilidade a quem comprar anúncios eleitorais na plataforma.

Em entrevista à pesquisa, o Google informou que trata-se de um esforço geral sobre transparência de anúncios e que a implementação dessas medidas no Brasil vai depender dos desafios que estão enfrentando em outros países e dos requisitos colocados no processo. A ausência disso preocupa, já que basta acessar a plataforma para verificar que são muitos os anúncios políticos que constam nela.

Por aqui, também não houve mudanças no sistema de recomendações da plataforma, que tem sido apontado como amplificador da visibilidade de canais extremistas. No Brasil, por exemplo, os canais que mais cresceram nas eleições de 2018 foram os de extrema direita.

O YouTube declara adotar ações para permitir que a plataforma seja considerada uma fonte confiável de informações e notícias sobre as eleições, ao mesmo tempo que um espaço aberto para um discurso político “saudável”. Neste contexto, remove vídeos que violem as diretrizes gerais da plataforma para conteúdos relacionados às eleições, com destaque para os vídeos objeto de manipulação técnica (como edições que tirem uma informação de contexto), além de conteúdos que possam enganar os eleitores sobre processos de votação ou elegibilidade de candidatos.

Twitter

Em março de 2020, a plataforma disse que sua prioridade é garantir a integridade do debate público sobre eleições em todo mundo, usando para isso pessoas e tecnologias de machine learning para combater a desinformação. Em entrevista à pesquisa do Intervozes, informou que, como parte dos preparativos específicos à eleição brasileira, aperfeiçoaram a tecnologia anti-spam, para abordar redes de automação mal-intencionadas voltadas sobre eleições; criaram linhas de comunicação com as autoridades para avaliar os problemas que surgirem; monitoramento de tendências e picos nas conversas relacionadas às eleições de 2020 para possíveis atividades de manipulação; e verificaram os principais candidatos e as principais contas de partidos como uma proteção contra a falsa identidade.

Para efeito de comparação, nas eleições dos Estados Unidos em 2018 e da União Europeia em 2019, o Twitter identificou todos os candidatos e criou um selo para suas contas, que acompanhava os tweets e retweets publicados por elas, para informar os usuários da rede. Nos Estados Unidos, também foi colocada no ar uma ferramenta para permitir denúncias de informações enganosas sobre como participar do pleito.

A medida recente mais importante tomada pelo Twitter foi a proibição da veiculação de propaganda política na rede social durante os períodos de campanha eleitoral. Tal propaganda, autorizada até o final de 2019 em alguns países, incluía não apenas conteúdos diretamente postados pelas candidaturas, mas também identificava “anúncios temáticos” que identificassem um candidato ou defendessem mudanças legislativas de importância nacional – como aborto, direitos civis, mudanças climáticas, armas, imigração, impostos, comércio e seguridade social. Os conteúdos ficavam disponíveis num Centro de Transparência de Anúncios.

Parte da política do Twitter para integridade nas eleições , em vigor no Brasil, restringe a publicação ou o compartilhamento de conteúdo que possa diminuir o comparecimento dos eleitores às urnas (incluindo intimidações), enganar as pessoas sobre quando, onde e como votar ou informar falsas filiações partidárias. Entretanto, segundo a empresa, não são consideradas violações a essa política conteúdos cujo uso excessivo foi constatado nas últimas eleições no Brasil, como “declarações incorretas sobre um representante público eleito, candidato ou partido político; e conteúdo orgânico polarizado, tendencioso, hiper-preconceituoso ou que contenha pontos de vista controversos sobre as eleições ou os políticos”, como estea no relatório da pesquisa do Intervozes citada anteriormente.

Em outubro, a rede social anunciou que, faltando uma semana para as eleições dos Estados Unidos, passará a emitir alertas para os usuários sobre desinformação. Não há previsão para o mesmo ocorrer no pleito brasileiro, assim como ainda não foram divulgados resultados das iniciativas em curso no país.

Até agora, olhando para o conjunto das plataformas, parece que o volume da desinformação em circulação nas redes é menor. Mas, se a impressão for real, não se pode afirmar que ela é resultado das medidas adotadas pelas redes sociais para o processo eleitoral. Pode ser fruto, por exemplo, das dificuldades de articulação política, tendo em vista a fragmentação do campo da direita, ou até mesmo do fato das eleições serem municipais, mais pautadas, portanto, por temas locais. A baixa divulgação de informações pelas plataformas e as possibilidades de comunicações segmentadas em bolhas deixam, mais uma vez, a sociedade sem clareza do que está ocorrendo nas redes. Talvez só os resultados das urnas tragam respostas, para o risco da nossa democracia.

* Helena Martins, Bia Barbosa e Jonas Valente são jornalistas, autores da pesquisa e integrantes do Intervozes.

Para entender o “fenômeno” Kalil: o apagão de PT, PSB, PSDB e MDB em BH

Para entender o “fenômeno” Kalil: o apagão de PT, PSB, PSDB e MDB em BH

A eleição de Belo Horizonte vem se mostrando talvez a mais “monótona” dentre as das capitais. O atual prefeito Alexandre Kalil (PSD), segundo pesquisa do IBOPE divulgada no dia 29/10, tem 55 pontos de vantagem sobre o segundo colocado e supera a soma de todos os competidores em cerca de 40 pontos.

Um dos fatores que podem explicar tal situação é a avaliação retrospectiva feita pelo eleitor: segundo o IBOPE, 70% avaliam a gestão de Kalil como ótima ou boa, mesmo índice obtido pelo Datafolha (22/10) no que se refere ao desempenho no enfrentamento pandemia. A boa imagem do atual prefeito é corroborada por um índice de rejeição de apenas 15%, ainda segundo a última pesquisa do IBOPE. E ajuda a entender por que as críticas feitas pelos seus adversários não vem surtindo qualquer efeito.

Mas há um outro fator a se considerar: o apagão dos partidos que desde a redemocratização tiveram protagonismo na disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Em 2020 nem PT, PSB, PSDB ou MDB credenciaram-se como competidores efetivos. A tabela 1 traça um breve resumo das eleições entre 1985 e 2016. Para cada ano eleitoral são apontados os principais competidores no 10 turno (do mais para o menos votado), o partido vencedor, e se a definição deu-se em primeiro ou segundo turno. Na segunda coluna são destacadas as ocasiões em que PT, PSB e PSDB se coligaram.

Tabela 1

Principais partidos na disputa pela PBH (1985-2016)

Como se pode observar, apenas por duas vezes (1985 e 1992) partidos de direita tiveram alguma expressão eleitoral na cidade. Nas duas primeiras eleições, Belo Horizonte foi governada por partidos situados ao centro (MDB e PSDB) e de 1992 até 2016, a esquerda esteve à frente da prefeitura, com PSB ou PT – em quatro ocasiões de forma coligada (1992, 1996, 2000, 2008).

Além da vitória em 1988, o PSDB lançou candidatos competitivos em quatro ocasiões e aliou-se ao PSB em três – em uma delas (2008) numa inusitada associação com o PT. O MDB perdeu espaço depois da vitória de 1985 e, nas quatro vezes em que voltou à cena, apenas em 2008 chegou ao 20 turno.

Em 2016, pela primeira vez, a eleição em BH foi vencida por alguém de “fora da política”. A bordo de um inexpressivo PHS, Kalil roubou a cena. Era o início do apagão. Sob o impacto da crise que se abateu sobre o partido após 2015, o PT teve seu pior desempenho na cidade desde 1985, chegando em quarto lugar com 7,27% dos votos válidos.

O PSB, depois de administrar a cidade por oito anos, limitou-se a ocupar a vice na chapa do PSD que obteve 5,5% dos votos. PSDB e MDB ainda se mantiveram, com os tucanos sendo derrotados no segundo turno e os emedebistas ficando com 10% dos votos no primeiro.

Em 2018, a direita reinou na cidade. Mas era uma “nova” direita e vinha no embalo da desestruturação do sistema partidário que, desde 1994, havia contribuído para organizar e fazer avançar a democracia no país. Bolsonaro, pelo PSL, teve 65,6% dos votos no segundo turno em BH.

Romeu Zema (NOVO), por sua vez, derrotou Anastasia (então no PSDB) com 59% – como se não bastasse, o eleitorado tucano, já no primeiro turno, havia abandonado o candidato do partido à Presidência da República (Geraldo Alckmin) e despejado seus votos em Bolsonaro. A crise que derrubara o PT começava a bater às portas do PSDB mineiro. O apagão prosseguia.

Na Câmara Municipal, na segunda metade da legislatura iniciada em 2017, enquanto o partido de Kalil (a esta altura, o PSD) atraia a adesão de vários vereadores e chegava a 32% dos votos, PT, PSB, PSDB e MDB minguavam. Juntos, os quatro partidos controlavam apenas 12% das cadeiras – muito longe de sua força em 2000 (46%).

Em 2020 o apagão se consuma

De acordo com os dados do IBOPE de 29/10, o candidato do PT tem 2% das intenções de voto, deixando ao PSOL o melhor desempenho na esquerda, com 5%. A candidata do PSDB não passa de 1%. O PSB integra a coligação do segundo colocado nas pesquisas (do Cidadania), que chega a 8% das intenções de voto. O MDB se rendeu a Kalil e integra sua coligação.

Segundo pesquisa DataTempo/Quaest, realizada no início de outubro, 40% dos belo-horizontinos se declaram de direita; 25% de centro e 25% de esquerda. O PT é, de longe, o partido mais rejeitado (40%).

A cidade com longa tradição de governos de centro-esquerda mudou ou isso é apenas sinal de tempos que logo passarão? É cedo para dizer. Mas seja como for, a direita que reina na cidade desde 2016 não é a “tradicional” – PP, DEM, PTB, PL ou PRB continuam não tendo expressão. Tampouco é a “nova”.

O candidato à prefeitura pelo NOVO, apesar de acompanhado pelo retrato do governador Zema, não passa de 1%. O mais bolsonarista de todos os candidatos, lançado pelo PRTB, esperneia e lança impropérios para chegar a 3%. Ambos acreditavam que 2020 iria repetir 2018 e se enganaram.

Sobra então o PSD, que segundo a célebre definição de seu mentor (Gilberto Kassab) não é “nem esquerda, nem direita, nem centro”. Alexandre Kalil, o “fenômeno”, é algo parecido com isso.

Lindbergh e sua candidatura: o melhor juiz são os eleitores

Lindbergh e sua candidatura: o melhor juiz são os eleitores

Lindbergh Farias (PT) pode ser apontado como um dos favoritos para a eleição no Rio de Janeiro. Ele já esteve em cargos eletivos de maior destaque e agora concorre à Câmara dos Vereadores da capital fluminense, assim com Chico Alencar (PSOL) e César Maia (DEM). Lindbergh, ex-líder estudantil, ex-deputado, ex-prefeito e ex-senador, é uma das esperanças do partido de Lula para ter uma bancada expressiva na cidade.

Embora não existam pesquisas confiáveis para essa eleição legislativa, o ex-senador tem presença forte nas mídias sociais, além de um recall alto por sua passagem marcante no Senado e participação na eleição de 2018, em que perdeu para o filho de Bolsonaro e para Arolde de Oliveira, ambos surfistas da onda anti-política e anti-PT. Este último, aliás, faleceu recentemente em consequência da Covid, doença da qual ele desdenhava nas mídias sociais.

Mas não sabia Lindbergh que seu maior adversário não seria os seus concorrentes na disputa, mas sim uma integrante do Ministério Público Estadual e uma juíza da 23º zona eleitoral. Por uma decisão desta última, motivada por uma provocação da primeira, a candidatura de Lindbergh está cassada. A juíza, baseando-se numa condenação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2019, a qual cabe recurso, cassou os direitos políticos do ex-senador, o que não permitiria que ele concorresse às eleições em 2020.

O imbróglio tem início em uma ação civil pública em torno de uma iniciativa de Lindbergh enquanto era prefeito de Nova Iguaçu no final de 2007. Candidato à reeleição, da qual saiu vitorioso, distribuiu caixas de leite em um programa da Prefeitura com a marca de sua administração, um sol, e escrito “Prefeito Lindbergh Farias”.

A cassação de sua candidatura, embora não envolva prisão, pune um cidadão de exercer plenamente seus direitos. Em termos políticos, uma pena capital para uma infração ainda pendente de recursos. Caso Lindbergh reverta a decisão em outras instâncias no futuro, mas seja realmente impedido de concorrer em 2020, como isso poderia ser reparado?

Cassação de Lindbergh e a instabilidade gerada pela Justiça Eleitoral

O exemplo da insegurança em relação ao futuro de Lindbergh ilustra o paradoxo da Justiça Eleitoral. Pensada como uma instituição organizada para assegurar a competitividade do processo e a observância das regras, muitas vezes funciona como um elemento de instabilidade. Não há duas eleições idênticas no país, e isso se deve por decisões do Tribunal Superior Eleitoral que criam legislação, essa é a palavra, em cada ciclo eleitoral. O que é permitido em um ano, não é em outro.

Ao assegurar autonomia e discricionariedade (o direito de escolher) para juízes e promotores, combinada com uma legislação que assegura ampla margem para interpretações, permite-se que decisões diferentes sejam tomadas por milhares de juízes e promotores responsáveis por fiscalizar o processo eleitoral em mais de cinco mil municípios. Tudo isso sem qualquer chance concreta de que, caso um dia se comprove alguma espécie de má fé dos atores judiciais, haja uma punição efetiva. E imprevisibilidade em eleições deveria ser somente dos resultados, não em relação ao processo em si.

A Justiça Eleitoral, e em especial o Ministério Público eleitoral, reproduz os problemas da Justiça comum – aliás, são os mesmos magistrados em ambas instituições. É possível que o eleitor do Rio de Janeiro seja privado de votar em um candidato, ou seu voto seja jogado no lixo em uma eventual cassação de mandato, enquanto políticos em situação análoga em outros municípios não sofram qualquer constrangimento.

Lindbergh pode recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral. Sua defesa alega, entre outros pontos, que não houve enriquecimento ilícito e que a defesa não foi considerada em todas as suas alegações. Ele segue fazendo sua campanha. Mas, agora, não basta apresentar suas propostas para a cidade. Lindbergh precisa convencer o eleitor de que será candidato, que sempre teve uma atuação correta e que, se vencer, poderá assumir seu mandato. Todo o planejamento da campanha foi prejudicado graças à atuação de atores do Sistema de Justiça responsáveis por supostamente assegurar o equilíbrio das eleições. O julgamento que o ex-senador merece, pelo menos neste momento, é o dos eleitores cariocas.