Edvaldo pode ser reeleito em Aracaju, mas destaque são as delegadas

A eleição na capital do menor estado brasileiro, Aracaju, conta com onze candidaturas na disputa pelo cargo de prefeito. Alguns candidatos já são conhecidos na política sergipana, outros têm se apresentado como alternativa à “velha política”, sejam eles principiantes ou não.

Sondagens eleitorais realizadas pelo Instituto Ibope/TV Sergipe e divulgadas nos dias 9 e 22 de outubro indicam a probabilidade de segundo turno, mas em um cenário de indefinição. Algumas alterações podem ser observadas entre a primeira e a segunda rodada, mas sem mudanças substantivas no quadro da disputa, conforme gráfico abaixo.

Fonte: IBOPE/TV Sergipe

Intenção de votos e apoio aos candidatos

Edvaldo Nogueira (PDT) concorre à reeleição e lidera as pesquisas de intenção de votos do Instituto Ibope/TV Sergipe. Na primeira rodada tinha 32% da intenção de votos e subiu para 34% na segunda rodada, consolidando sua posição. O prefeito tem o apoio do governador Belivaldo Chagas (PSD) e do ex-governador Jackson Barreto (MDB).

Sua maior concorrente até o momento é a Delegada Danielle, filiada ao Cidadania, que mantém a segunda colocação nas pesquisas, mesmo tendo caído dois pontos percentuais na última sondagem, de 21% para 19%. Seu vice é o ex- deputado federal Valadares Filho (PSB) que disputou a eleição de 2016 contra o atual prefeito, que à época era filiado ao PC do B.

Rodrigo Valadares, deputado estadual pelo PTB, é o candidato que apresentou a maior taxa de crescimento: Subiu 4 pontos desde a primeira pesquisa realizada no dia 9 de outubro. Se intitula como cristão conservador e tem insistido na proposta de implementação de escolas militares no município.

Márcio Macêdo, candidato petista, também apresentou crescimento, subindo de 5% para 6%. O candidato coordenou a caravana de Lula pelo Nordeste em 2018, contando com apoio do ex-presidente, da vice-governadora Eliane Aquino, viúva de Marcelo Déda, e do senador Rogério Carvalho.

Georlize, candidata do Democratas, também melhorou sua situação: tinha 3% e agora aparece com 4% da intenção de votos.

Lúcio Flávio (Avante) tem o apoio da ministra Damares Alves e defende a pauta conservadora do presidente Jair Bolsonaro. Na última sondagem, ele caiu de 4% para 3%. Almeida Lima (PRTB) também teve queda de 3% para 2%.

Aléxis Pedrão (PSOL) manteve 2%. O Delegado Paulo Márcio (DC) e Gilvaní Santos (PSTU) tiveram menos de 1%. O candidato Juraci Nunes (PMB) não foi citado na primeira pesquisa e obteve menos de 1% na segunda sondagem.

A porcentagem de entrevistados que pretendem votar branco ou anular seu voto caiu de 18% para 15%. A taxa de indecisos se manteve em 6%.

Eleição das delegadas

O crescente número de candidaturas ligadas à área de segurança pública chama a atenção na eleição deste ano, seja na cabeça da chapa ou como vice. É possível identificar algumas delegadas na disputa do executivo municipal em capitais como Recife, Fortaleza, Goiânia e Rio de Janeiro. Em Aracaju três delegadas participam da disputa: Katarina Feitosa (PDT), Danielle Garcia (Cidadania) e Georlize Teles (Democratas).

Katarina Feitosa é delegada geral da Polícia Civil e foi a indicação do governador para compor a chapa como vice do atual prefeito. Tem se destacado pela larga experiência em cargos de direção na Polícia Civil. Sua indicação tem como estratégia agregar eleitores que buscam novos nomes na política com experiência técnica e perfil conciliador.

A Delegada Danielle foi indicada por Alessandro Vieira (Cidadania). O senador, e também delegado da polícia civil, foi eleito com discurso forte de combate à corrupção e enfrentou políticos tradicionais no estado sergipano. Na capital, ele tem se posicionado no campo oposto ao prefeito aracajuano.

Danielle não possui trajetória na política, mas consagrou seu nome na liderança da Operação Avalanche, responsável por desmontar esquemas de desvio das verbas de subvenções da Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese). Ela foi exonerada pelo então governador Jackson Barreto em 2017.

Apesar de não possuir grande expressão, a delegada Georlize leva para a sua candidatura a experiência de ter sido a primeira mulher à frente da Secretaria de Estado da Segurança Pública no governo de João Alves Filho (Democratas). Atuou também na Secretaria Municipal da Cidadania e Defesa Social de Aracaju, também na gestão Alves Filho. Assumiu, ainda, a mesma pasta no município de Estância, localizado no sul do estado.

E para o segundo turno?

Em que pese o contexto favorável ao atual prefeito, a disputa em Aracaju ainda está indefinida, com possibilidade de segundo turno. O cenário mais provável é o confronto entre Edvaldo Nogueira e Delegada Danielle.

Entretanto, não é possível descartar a possibilidade de outro cenário, caso Rodrigo Valadares continue crescendo na disputa.

* Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), pertence à Red Politólogias, é líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.
Pâmella Synthia Santos é doutora e mestra em Sociologia e cientista social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) com pesquisas desenvolvidas sobre Grupos Políticos, Famílias e Partidos.

Análise: Boulos tem espaço para subir e ir ao segundo turno em SP

Oswaldo E. do Amaral

Neste 2020 muito louco, finalmente as eleições municipais estão entrando no radar dos eleitores. Ocupados em resistir ao vírus, à crise econômica e às polêmicas da turma do Palácio do Planalto, demorou para os eleitores passarem a prestar atenção nas corridas locais até mesmo nas grandes cidades. Agora, a pouco mais de 20 dias das eleições, a coisa começa a esquentar.

No dia 22, o Datafolha divulgou mais uma pesquisa para a disputa na cidade de São Paulo. O quadro parece mais incerto agora. Celso Russomano (Republicanos), como esperado, caiu de 27% das intenções de voto, em pesquisa realizada nos 05 e 06, para 20%. O atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), oscilou de 21% para 23%, assim como Guilherme Boulos (PSOL), que passou de 12% para 14%, e Márcio França (PSB), que foi de 8% a 10%.

Candidatura do PSOL é a novidade em SP

Em um pleito em que um candidato do PSDB está bem posicionado e em que Celso Russomano larga na frente e vai derretendo ao longo da campanha, a principal novidade está na figura de Boulos, líder do MTST, como o principal nome da esquerda na disputa, desbancando um posto historicamente ocupado por candidatos petistas.

Com uma ex-petista histórica como candidata a vice, Luiza Erundina (PSOL), e com pouco tempo de propaganda eleitoral gratuita, a campanha de Boulos vem se destacando até aqui pela capacidade de tocar em temas tradicionais da esquerda com bom-humor e criatividade, fazendo os mais saudosistas do início da transição democrática lembrarem de quando o publicitário Carlito Maia estava no PT.

Ao analisarmos os dados do Datafolha mais detalhadamente, é possível concluir que ainda há espaço suficiente para que a candidatura do PSOL chegue em um eventual segundo turno, provavelmente, contra Bruno Covas. Vejamos.

Na pesquisa espontânea, em que os entrevistados respondem sem que lhes seja apresentada a lista de candidatos, Boulos está com 11% da intenção de votos, tecnicamente empatado com Russomano (11%) e Bruno Covas (13%), e à frente de Márcio França (5%), indicando uma solidez no apoio obtido até aqui.

No entanto, diferentemente de seus competidores diretos no momento, Boulos não é conhecido, nem mesmo de ouvir falar, por 43% dos eleitores. Russomano e Covas são conhecidos por todo o eleitorado, enquanto França é conhecido por 79%.

Com relação à taxa de rejeição, os números são um pouco piores, mas ainda não chegam a inviabilizar seu crescimento. O líder do MTST é rejeitado por 24% dos entrevistados, bem abaixo dos 38% de Russomano e empatado com o atual prefeito, com índice de 25%. No entanto, nesse aspecto, a vantagem de Covas é grande, pois ele já conta com o conhecimento de todo o eleitorado.

Os desafios

Para chegar ao segundo turno, porém, Boulos e o PSOL terão que vencer alguns desafios. O primeiro é ampliar a exposição do candidato. Nesse sentido, a pouca quantidade de debates em veículos de comunicação de grande alcance podem ser uma barreira. Depender exclusivamente das redes sociais pode não ser o suficiente para que sua candidatura chegue aos mais velhos, aos mais pobres e aos de menor escolaridade, exatamente os segmentos em que o candidato tem seu piores desempenhos.

Outro desafio é conseguir colocar-se como a principal alternativa de esquerda ao PSDB na capital paulista. Aqui, a batalha é dupla: por um lado, Boulos vai precisar mostrar-se viável eleitoral e politicamente. Ou seja, demonstrar que terá condições políticas de governar a cidade mesmo sendo, inicialmente, líder de um governo minoritário na Câmara; por outro lado, o candidato terá que convencer uma grande parte dos petistas (16% do eleitorado) de que é uma alternativa mais viável do que Jilmar Tatto (PT). Por enquanto, o líder do MTST vem sendo bem-sucedido nessa empreitada. Na pergunta espontânea, 17% dos que se identificam com o PT preferem o candidato do PSOL, contra apenas 11% que preferem Tatto. Um terço dos petistas não soube se posicionar.

Por fim, Boulos vai precisar levar sua candidatura à periferia, em especial aos extremos das Zonas Leste e Sul, tradicionais redutos da esquerda que migraram para partidos de centro nas últimas eleições municipais.

Os desafios são grandes, mas não será surpresa se a esquerda voltar a contar com um candidato no segundo turno da maior cidade do país.

Nota: os dados usados neste artigo estão disponíveis no site do Datafolha.

Em eleição de maioria negra, partidos investem mais nos homens brancos

A 25 dias do primeiro turno das eleições, cerca de 450 milhões de reais já foram repassados a candidatas e candidatos de todo o Brasil. O valor refere-se à soma do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) e do Fundo Partidário. Desse montante, 62,9% foram destinados para brancos, sendo que apenas 47,9% do total de candidatos declararam-se brancos.

Em 2020, pela primeira vez nas eleições brasileiras, o número de candidatos autodeclarados negros é maior que o de brancos, correspondendo a 49,9% do total. Porém, a soma dos recursos repassados aos candidatos pretos e pardos é 35,7%, ainda distante de ser proporcional.

Mesmo que neste ano tenhamos decisão inédita do Supremo Tribunal Federal (STF) que pede correspondência exata entre a proporção de candidatos por raça e a distribuição dos recursos, até o momento isso não se confirmou.

Cabe, no entanto, observar que resta pouco mais de 20 dias para os partidos organizarem-se e distribuírem a verba conforme indicado pelo STF. Os dados aqui utilizados foram retirados no dia 20 de outubro da Plataforma Observatório 72 horas, um site para monitoramento do Fundo Eleitoral e Partidário que utiliza dados fornecidos pelo TSE.

Apesar das cotas, mulheres seguem prejudicadas na distribuição dos recursos

As mulheres, somando todas as cores ou raças, receberam até agora 26,1% dos recursos – valor inferior a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que exige uma reserva de 30% do Fundo Eleitoral para campanhas de mulheres.

Homens brancos disparam com 47,7% dos recursos. Abaixo estão os homens pardos, com 21,2%, e os homens pretos, com 3,9%. Já entre as mulheres, brancas recebem 15,2% do total de recursos, enquanto pardas recebem 7,0% e pretas recebem 3,6%.

Em todas as cores ou raças os candidatos do gênero masculino recebem mais do que as candidatas do gênero feminino. A menor desigualdade de gênero na distribuição de recursos está entre os pretos, em que mulheres recebem 48,1% do total, e homens 51,9%. No caso de candidatos autodeclarados brancos, pardos ou indígenas, as mulheres recebem apenas em torno de um quarto dos recursos, enquanto o restante vai para os homens.

Indígenas e amarelos recebem um valor abaixo de 1,0% do total de recursos. Dentro desse grupo, o maior repasse está para os homens amarelos (R$ 1.030.850), em seguida para mulheres amarelas (R$ 552.381), depois para homens indígenas (R$ 366.296) e por fim para mulheres indígenas (R$ 131.906).

Como os partidos com mais recurso, PSL e o PT, estão distribuindo seus repasses?

Os dois partidos que recebem mais recursos do FEFC e do Fundo Partidário em 2020 são o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Social Liberal (PSL). O PT recebe do FEFC pouco mais de 201 milhões de reais e 65,3 milhões do Fundo Partidário. Já o PSL recebe aproximadamente 199 milhões do FEFC e 73,7 milhões do Fundo Partidário.

O PT, até o momento, repassou 36,3 milhões de reais, sendo 66,9% em candidaturas de brancos. Em relação a distribuição de gênero, 33,7% da verba está com candidaturas de mulheres – cumprindo, portanto, com a reserva de 30%. Cabe destacar que 18,5% dos recursos estão com candidaturas de mulheres brancas, 12,2% de mulheres pretas e 2,9% de mulheres pardas.

A campanha do PT com mais recursos é a de Jilmar Tatto, candidato a prefeito de São Paulo, com quase 4,5 milhões de reais. As campanhas de Benedita da Silva, candidata a prefeita do Rio de Janeiro, e de Major Denice, candidata a prefeita de Salvador, ambas do gênero feminino e autodeclaradas pretas, receberam, respectivamente, 5,4% e 2,5% do total dos recursos.

A campanha de Jilmar Tatto, sozinha, ultrapassa o valor repassado às candidatas do Rio e Salvador somadas a todas as candidaturas de mulheres pretas do PT. Representante da máquina partidária e com baixíssima intenção de voto, a candidatura de Tatto é símbolo da crítica feita ao partido mesmo internamente. Em um artigo de Leonardo Avritzer neste Observatório, analisamos a dificuldade que a candidatura de Tatto tem nesta eleição.

O PSL já repassou 41,3 milhões de reais, sendo 56% destes recursos a homens brancos. O total destinado a brancos é de 69,4%, e a mulheres é de 27,6%, não cumprindo as regras de distribuição das verbas até o momento. Mulheres pretas receberam 2,4 milhões de reais, o que representa 5,8% dos recursos repassados, mas quase a totalidade (2,3 milhões de reais) foi para uma única pessoa, Vanda Monteiro, candidata a Prefeitura de Palmas.

Concentração de recursos dos fundos eleitoral e partidário

A campanha com mais recursos dos fundos, por enquanto, é a de João Campos (PSB), candidato a prefeito de Recife, com 7,5 milhões de reais. Bruno Covas (PSDB), candidato a prefeito de São Paulo, vem em segundo lugar no índice de concentração de recursos dos fundos, com 7 milhões de reais. Em terceiro lugar, está a campanha de Alfredo Nascimento, candidato do PL a Prefeitura de Manaus, com 6 milhões de reais, e então Jilmar Tatto (PT), com pouco menos de 4,5 milhões. Isso significa que 6% do total foi repassado até agora foi para estes quatro candidatos, que correspondem a 0,02% do total de candidatos a prefeito em todo o país.

Dentre as candidaturas do gênero feminino, a Delegada Martha Rocha, candidata do PDT à Prefeitura do Rio de Janeiro, é a que teve mais recursos, com 4 milhões de reais. Já dentre as candidaturas a vereador, a candidatura de Milton Leite (DEM), de São Paulo, é a que recebeu mais recursos até agora, totalizando 2,2 milhões de reais.

O que fazer se o dinheiro chega na última semana?

Os recursos repassados às campanhas são utilizados, principalmente, para divulgação das candidaturas. Ou seja, são essenciais para que a pessoa possa ser conhecida pela população, e assim ser escolhida entre uma miríade de candidaturas. Estes recursos podem ser utilizados para gastos com equipe, materiais gráficos, campanhas digitais, dentre outras coisas.

Em 2020, além do Fundo Partidário e FEFC, as candidatas e candidatos podem financiar suas campanhas com recursos próprios, doações de correligionários, realização de eventos ou venda de bens.

Ainda que não sejam a única fonte de recursos para uma campanha, os repasses dos partidos e do FEFC correspondem a um apoio importante, sobretudo para quem não tem recursos próprios. Candidatos mais pobres têm maior dependência desses recursos para construírem suas candidaturas. Cabe aos fundos, em grande medida, equalizar a disputa, garantindo condições mínimas de competitividade para todas e todos que desejam ser representantes da população

Há alguns que contam com algum repasse futuro e estão conseguindo se movimentar. Outros, no entanto, não conseguem agir enquanto não recebem recursos públicos. Se os partidos, que agora por decisão judicial devem distribuir proporcionalmente os recursos por gênero e raça ou cor, não o fizerem desde o princípio, algumas campanhas vão ter mais dificuldade de se estruturar para a reta final. E então, para completar, estaremos diante de um desperdício de recurso público.

Explorando as brechas nas regras e fugindo da representatividade

As decisões recentes mencionadas acima, que se referem a reserva de 30% dos recursos para candidaturas de mulheres e a sua distribuição entre negros e brancos de forma proporcional a quantidade de candidatos de cada raça, visam ter mais diversidade e representatividade na política. No entanto, elas têm sido frequentemente dribladas pelos partidos.

As decisões não especificam se a distribuição dos recursos é apenas para cargos proporcionais ou também para majoritários. Um subterfúgio usado pelos partidos tem sido apresentar mulheres e negros como candidatos a vice. Campanhas majoritárias custam geralmente mais caro do que campanhas proporcionais e investindo em uma candidatura majoritária que tem uma vice mulher e/ou negra, partidos conseguem alcançar as metas sem necessariamente alterar a distribuição dos recursos internamente.

Um artigo do UOL mostrou que em 2020, 41,7% dos candidatos a vice das principais cidades são mulheres, número que era de 27,8% em 2016.

Questões como as cotas e a proporcionalidade na distribuição dos recursos geram resistência de parte da população, que se posiciona contra políticas afirmativas. Por isso, precisam ser acertadas e não permitir, seja por despreparo ou intenção, interpretações dúbias ou deturpações. Do contrário, tornam-se medidas ao mesmo tempo impopulares e inefetivas.

Com os resultados das eleições, será possível analisar os recursos repassados e quem se elegeu ou não. Mas, por hora, a distribuição dos recursos já repassados e o alto investimento em vices mulheres parecem indicar que os partidos deram o seu jeitinho de contribuir para mais uma eleição de maioria branca e masculina, sem descumprir as regras do jogo.

Nota: todas as informações sobre os repasses foram retiradas da plataforma Observatório 72 Horas, que organiza as informações a partir dos dados do TSE, no dia 20 de outubro de 2020, às 18h. A plataforma está com a última atualização feita às 10h10min de 19 de outubro de 2020.
A plataforma faz a distinção apenas dos gêneros masculino e feminino, portanto, para fins de simplificação, neste artigo colocamos mulher como sinônimo de gênero feminino e homem como sinônimo de gênero masculino. 

Quais candidatos lideram nos gastos em redes sociais?

Quais candidatos lideram nos gastos em redes sociais?

Desde 4 de agosto, gastos com anúncios no Facebook e Instagram ultrapassam R$ 14 milhões. Apenas entre os dias 9 e 15 de outubro, foram mais de R$ 4,3 milhões em impulsionamentos de conteúdos sobre temas sociais, eleições ou política nessas redes. Os maiores anunciantes foram dois candidatos à Prefeitura de Fortaleza: Sarto (PDT) e Capitão Wagner (PROS), que juntos aportaram mais de R$ 300 mil na última semana. Entre os políticos, o terceiro lugar em investimento nesse serviço é uma candidata a vereadora no Recife, Andreza Romero (PP). Em quarto, Célio Studart (PV), também candidato à prefeitura da capital cearense. Os dados foram extraídos da Biblioteca de Anúncios do Facebook.

Apesar dos destaques cearenses, São Paulo é o estado que lidera quando somados os recursos empregados na plataforma. Ao todo, foram mais de R$ 980 mil em uma semana. Mas, enquanto nesse caso há diversos candidatos impulsionando, no Ceará a prática é mais restrita e o volume dedicado por poucos políticos é enorme. A soma dos gastos ultrapassa R$ 587 mil, mas apenas aqueles três candidatos à prefeitura concentram mais de 60% do total.

Pouco conhecido pelo grande eleitorado, embora acumule mandatos e presida atualmente a Assembleia Legislativa, Sarto dedicou mais de R$ 178,5 mil no período analisado. Os anúncios mais recorrentes trazem textos como “Conheça um pouco mais sobre a trajetória de Sarto e conheça as propostas que vão fazer Fortaleza cada vez melhor” e “O Time 12 só cresce!”. Também publicações com o prefeito Roberto Cláudio (PDT) e sobre o resultado da pesquisa Ibope, que mostrou Sarto em terceiro lugar, com 16% das intenções de voto, foram estimulados. Nos últimos dois dias, o candidato passou a publicar, além de conteúdos com caráter de apresentação, propostas sobre saúde e mobilidade.

Capitão Wagner, por sua vez, pagou em uma semana R$ 123,6 mil em anúncios. Liderando as pesquisas de intenção de votos, Wagner tem buscado se apresentar de forma mais humanizada e diversa, evitando a monotemática imagem de capitão que o consagrou, mas que impõe limites para ampliação do eleitorado e está arranhada devido à repercussão negativa da última greve de policiais militares no Ceará, no início do ano.

A estratégia de diversificação de imagem de Wagner se revela na TV, onde o candidato tem apresentado programas que ressaltam sua atuação como professor, e também nos anúncios nas redes sociais, mais diversos do que o que se vê no caso de Sarto. Fotos com família e animais, chamados para lives de comentários sobre filmes e outros conteúdos, muitos com estética jovial, foram impulsionados. Nenhum anúncio na última semana fez menção ao presidente Jair Bolsonaro, que declarou apoio ao capitão ao longo do período analisado, o que é um indício de que esse apoio está sendo trabalhado em espaços de comunicação mais segmentados, como grupos de WhatsApp.

Interessante notar que, a partir do dia 16 de outubro, Wagner passou a impulsionar conteúdo sobre a pesquisa do instituto Paraná Pesquisa que o colocava com 36% das intenções de voto. Ocorre que a pesquisa foi divulgada no dia 12 e, no dia 14, levantamento do Ibope reduziu sua projeção, apontando ter 28%. Fica claro que Wagner prioriza o conteúdo favorável nas redes, tendo investido apenas nesse anúncio entre R$ 5 e 6 mil.

No caso de Célio Studart, que aparece em 5o lugar no Ibope, foram mais de R$ 56,7 mil destinados à ampliação da circulação de seus conteúdos no Facebook e Instagram. Postagens sobre proteção animal, com fotos do candidato com cachorros, estão entre as mais recorrentes, assim como posts com o número do candidato e a promessa de “acabar com a indústria da multa em Fortaleza”.

Studart utilizou frequentemente o impulsionamento desde a eleição passada e hoje tem uma audiência ampla, com quase 653 mil seguidores no Facebook e mais de 174 mil no Instagram, registrando também bastante engajamento por meio de comentários. Wagner, por sua vez, tem no Facebook e no Instagram 298,5 mil e 195,8 mil seguidores, respectivamente. Já Sarto possui, nas respectivas redes, 24,7 e 26,8 mil seguidores.

A aposta desses candidatos nas redes pode ser dimensionada quando os aportes são comparados com o top dez dos que mais gastaram dinheiro no Facebook até agora. Tendo em vista os gastos desde 4 de agosto, Sarto, Wagner e Célio somam, respectivamente, mais de R$ 285 mil, R$ 161 mil e R$ 83 mil. No Recife, Mendonça Filho (DEM) gastou R$ 73 mil. Rodrigo Valadares (PTB), prefeiturável em Sergipe, R$ 57 mil. Rogério Santos (PSDB), candidato em Santos, mais de R$ 66 mil. Ricardo Nicolau (PSD), candidato em Manaus, quase R$ 57 mil. Em Belo Horizonte, Rodrigo Paiva (Novo), investiu R$ 33 mil. Sozinho, o Partido Novo empregou quase R$ 70 mil desde agosto em suas páginas oficiais. Heitor Freire (PSL), também candidato em Fortaleza, quase R$ 30 mil, sendo R$ 25 mil apenas na última semana.

Não são apenas candidatos à prefeitura que estão adotando essa estratégia. Na lista dos 10 maiores, há também Andreza Romero (PP), candidata à vereança no Recife, que se apresenta em todas as postagens como defensora da causa animal.

A centralidade da comunicação como estratégia para a eleição é nítida. Em agosto, o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) aplicou multa de R$ 15 mil como condenação do deputado estadual Romero Lima Bezerra de Albuquerque (PP) e de Andreza, sua esposa, por propaganda eleitoral antecipada. Isso porque foram espalhados outdoors destacando a imagem de Andreza, então pré-candidata. Com impulsionamentos, a campanha de Andreza gastou mais de R$ 95 mil desde agosto, dos quais R$ 70 mil entre 9 e 15 de outubro, segundo o Facebook. Em Fortaleza, Natália Rios (PDT) dedicou mais de R$ 38 mil desde agosto, sendo R$ 21 mil na última semana.

Impulsionamento na legislação eleitoral

Os dados sobre impulsionamento foram obtidos a partir de análise da Biblioteca de Anúncios do Facebook, corporação que também é dona do Instagram, por isso os gastos se referem ao volume de recursos destinados para ampliar a circulação nas duas redes sociais.

Ao impulsionar, os candidatos pagam para ampliar a visibilidade das postagens. Eles também podem, por meio de pagamento, obter priorização de conteúdos em sites de buscas como o Google. Como tem sido perceptível ao acessar o YouTube neste momento das eleições, há muita gente pagando para ter propaganda veiculada também na principal plataforma de vídeos do Brasil e do mundo.

Para a alegria dessas plataformas, que passaram a ganhar muito dinheiro nas eleições, essas práticas foram permitidas com a Minirreforma Eleitoral (Lei 13.488) de 2017. Depois, a Resolução 23.551/2017 detalhou que as mensagens sobre eleições deveriam estar identificadas nas redes. Definiu, por isso, que deveriam conter rótulo específico com informações sobre o candidato ou partido, como os nomes e o CPF ou CNPJ do patrocinador.

Mas há controvérsias, por exemplo, quanto à possibilidade de impulsionamento no período da “pré-campanha”, o que dados da página de Sarto, de seus apoiadores e de outros candidatos indicam que houve, embora a regra proíba. Além disso, ainda não está claro o entendimento quanto ao abuso do poder econômico nesses casos, apesar da evidente quebra de isonomia de oportunidade entre concorrentes.

Além da questão jurídica, no centro da questão está o reforço da desigualdade nas eleições. Como argumentei anteriormente neste Observatório das Eleições, tais mecanismos potencializam uma visibilidade artificial baseada no poder econômico. Afinal, é preciso pagar para levar. No caso, para alcançar o eleitorado.

É claro que determinadas estratégias podem acabar ganhando notoriedade e viralizando de forma orgânica, mas não é essa a tendência dominante no uso das redes. Afinal as plataformas de redes sociais adotam modelos de negócios cada vez mais atrelados à monetização de conteúdos. O engajamento orgânico que antes poderia privilegiar candidatos, mesmo aqueles com poucos recursos, tem sido mais difícil, até porque para alcançar a própria audiência é preciso pagar. E, seguindo a lei da oferta e da procura que rege também as plataformas, pagar caro.

Assim como a legislação proíbe a contratação e veiculação de anúncios no rádio e na TV, permitindo apenas a ocupação do espaço do Horário Eleitoral Gratuito e das inserções definidas pela Justiça Eleitoral, é necessário enfrentar esse tema na internet, que está longe de ser, como muitos ainda pensam, um espaço livre e no qual a disputa se dá de forma igualitária entre as diferentes candidaturas.

Não há igualdade de oportunidades quando o dinheiro é o critério de acesso à visibilidade. Visibilidade que foi bastante reduzida no caso da TV (vale lembrar a redução na duração do Horário Eleitoral Gratuito, que de 1h passou a apenas 10 minutos, mantendo a divisão baseada no tamanho da bancada federal de cada partido) e que passa, cada vez mais, pela internet, até pela sua constante presença no cotidiano de boa parte da população.

Organizações que lutam pelo direito à comunicação, como o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, defendem restrições para o impulsionamento, especialmente no período eleitoral. “Rever a liberação do impulsionamento pago nas plataformas digitais, principalmente no contexto eleitoral, já que ele acaba privilegiando candidatos que possuem mais recursos, além de facilitar a propagação de conteúdos, inclusive desinformativos, e de dar margem à ação de ‘fábricas de fake news’” é uma das propostas para o combate à desinformação que consta no livro “Desinformação: crise política e saídas democráticas para as fake news”, publicado pelo Intervozes em 2020. O coletivo também entende que, em períodos eleitorais, em caso de utilização de impulsionamento, as empresas intermediárias de oferta de conteúdo devem manter “registro de tudo o que for impulsionado e que, contendo menções nominais a candidatos, partidos ou coligações, atinja patamar expressivo de disseminação”.

Debate público opaco

O impulsionamento tem relação com a desinformação porque é por meio desse mecanismo que as candidaturas podem fazer os chamados “dark posts”, postagens que não constam nas próprias páginas e que são encaminhadas para o público definido por elas, uma mediação que é feita de forma pouco transparente pelas plataformas, que são os agentes que efetivamente fazem a distribuição e constroem os públicos, a partir dos dados que coletam deles. Como não são efetivamente públicas, essas postagens podem conter informações falsas e não serem objeto da avaliação pública.

Tendo em vista o escândalo envolvendo as campanhas de Donald Trump e Jair Bolsonaro, entre outras, nas quais esses mecanismos foram largamente utilizados, passou-se a cobrar mais transparência das plataformas como forma de combater o uso para desinformação. Uma das respostas do Facebook foi exatamente a criação da Biblioteca de Anúncios.

Além disso, em setembro deste ano, a rede adotou mais medidas de transparência relacionadas às eleições. A primeira é o relatório de transparência, com informações sobre gastos na plataforma. A outra é a disponibilização de uma Interface de Programação de Aplicativo (API, na sigla em inglês) para personalizar pesquisas. Foram estes os mecanismos utilizados para a obtenção dos dados apresentados neste texto.

Nas páginas analisadas, não foram verificados posts com desinformação, ainda que haja uso descontextualizado de informações sobre pesquisas de intenção de votos. Porém há uma questão a ser destacada: a opacidade do debate público.

A implementação de ferramentas de distribuição segmentada de informações por meio do pagamento pode fazer com que você receba um conteúdo e eu, outro. O que chega sobre eleições pode ser absolutamente diferente para cada pessoa. Essa lógica tende a fortalecer a criação de bolhas e, com isso, a ausência de debate entre as diferentes visões. São questões a serem avaliadas e respondidas, tendo em vista a experiência de pleitos tão marcados por aplicações digitais. Agora, já é possível afirmar que a desigualdade também impera nas redes e pode desequilibrar a disputa nas eleições.

Financiamento de campanha: como fica o princípio da igualdade?

Financiamento de campanha: como fica o princípio da igualdade?

Luiz Augusto Campos e Flávia Biroli

As eleições brasileiras de 2020 ficarão marcadas não apenas pelos efeitos da pandemia de COVID-19, mas também pelos debates em torno do financiamento das campanhas eleitorais.

A reforma eleitoral de 2015 confirmou decisão do STF que determinava a proibição de doações de empresas (pessoas jurídicas). O veto já valeu para as eleições municipais de 2016. No entanto, continuou sendo possível que um candidato financie sua própria campanha ou receba doações de indivíduos (pessoas físicas), desde que devidamente registradas e limitadas a 10% dos rendimentos brutos do doador no ano anterior.

Depois disso vieram outras decisões que têm efeito direto no financiamento das candidaturas, sobretudo aquelas regulamentando o uso do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que são recursos públicos. É o caso das decisões de 2018, que determinam que pelo menos 30% de recursos desses fundos sejam direcionados às candidaturas femininas, dando efetividade à lei de cotas. A decisão mais recente, de 2020, estendeu o mesmo princípio para candidaturas negras, embora nesse caso não existam cotas raciais como as de gênero.

Como essas últimas decisões tocam diretamente em desvantagens – e privilégios – históricos na distribuição dos fundos, o foco acabou sendo em quem recebe os recursos. Mas tão importante quanto os beneficiários desses recursos são sua origem – se pública ou privada – e, no caso dos recursos privados, o perfil social e político dos financiadores.

O financiamento público expressa o reconhecimento de que é preciso garantir condições equitativas de competição entre os partidos. No caso das decisões de 2018 e 2020, garantir que estes não utilizem os recursos de forma enviesada em termos de gênero e de raça. Já o financiamento privado é uma espécie de bolsa de investimentos, isto é, quase sempre traz embutidas expectativas de ganhos futuros.

Enquanto nem todos podem fazer sua aposta nessa bolsa, alguns podem se dar ao luxo de investir muitos recursos. Isso configura um problema que sempre assombrou as democracias: como o princípio da igualdade pode resistir à enorme concentração de renda e à influência potencial que o dinheiro permite?

Algumas controvérsias recentes atualizam esse problema de fundo. É o caso daquela que foi amplamente comentada no início de outubro e envolve Wesley Teixeira, candidato a vereador pelo PSOL em Duque de Caxias (RJ) que recebeu recursos de nomes célebres do mercado financeiro, como Armínio Fraga e João Moreira Salles. Negro, evangélico e de periferia, Wesley sofre processo interno do partido que, desde 2008, condena repasses de doadores do mercado financeiro e, por isso, ameaça expulsar Wesley da legenda.

A resposta do PSOL traz à tona as contradições presentes na relação entre recursos financeiros e eleições, entre o mercado e a democracia representativa. O próprio Wesley Teixeira se coloca como um candidato anticapitalista e crítico à participação do capital na gestão democrática, mas entende que “o fascismo não será derrotado sem diálogo com outros setores”.

Subjacente a esse debate está o argumento, central na queda das restrições censitárias ao voto do início do século XX, de que a democracia representativa seria o espaço da igualdade entre os cidadãos.

Os princípios que regem o mercado capitalista são outros: nesse caso, as desigualdades se expressam livremente e são mesmo a norma. Quando partidos políticos como o NOVO e candidatos, em geral muito ricos, aproveitam o clima de desconfiança da política para dizer “eu não aceito financiamento público”, é bom lembrar que estão acenando com valores morais que vão na direção contrária à garantia de que as condições de disputa sejam igualitárias.

O partido é quem decide quais candidaturas serão competitivas

Às tensões de fundo entre democracia e poder econômico, somam-se outras características do sistema eleitoral brasileiro que tornam cruciais as disputas por financiamento. De um lado, a lei eleitoral brasileira incentiva a multiplicação de candidaturas para um número limitado de vagas. Apenas a título de exemplificação, cerca de 1.800 candidatos e candidatas concorrem este ano a 55 vagas na câmara de vereadores do Rio de Janeiro, padrão presente em quase todo o país.

Do outro lado, porém, o sistema proporcional de lista aberta leva as legendas a concentrarem seus investimentos em poucos puxadores de votos, capazes de engordar o quociente eleitoral de seus partidos. Isso faz com que algo entre 70% a 80% das candidaturas lançadas em uma eleição tenha pouquíssima ou nenhuma chance. Logo, recursos de campanha não servem apenas para garantir sucesso a determinadas pessoas, mas também para que uma candidatura exista na competição, isto é, chegue aos eleitores como alternativa para seu voto.

Note-se que essas regras têm efeitos particularmente dramáticos para candidaturas de grupos subalternos. Em 2018, por exemplo, homens brancos, que perfazem cerca de 24% da população brasileira, acumularam 58% de todo financiamento eleitoral. Mulheres negras (pretas e pardas) somam 26% da população nacional, mas receberam apenas 5% dos recursos de campanha no mesmo ano. Em 2016 as desigualdades foram menores, mas ainda assim expressivas. Homens brancos ficaram com 44% dos recursos de campanha, em uma ponta, enquanto em outra, as mulheres negras receberam cerca de 7%.

Os grupos em desvantagem são frequentemente aqueles que têm de enfrentar os interesses tradicionalmente constituídos dentro e fora dos partidos. E o apoio partidário é fundamental para que tenham um mínimo de competitividade, acesso a redes que fortaleçam suas candidaturas e mesmo para realizar suas campanhas com alguma segurança em localidades dominadas por milícias, por exemplo.

A violência política contra as mulheres, negros e, sobretudo, mulheres negras, tem como uma de suas formas, reconhecidas internacionalmente, a recusa a financiar suas candidaturas (violência econômica). A esta se juntam violências que envolvem ameaças à segurança física desses grupos. Em um país com índices altíssimos de violência política, os recursos de campanha podem garantir não apenas a existência pública de uma candidatura, mas sua integridade física e de seus apoiadores.

Nesse contexto institucional, decisões como a do PSOL, mencionada acima, podem acabar penalizando as candidaturas representativas de setores mais desfavorecidos da sociedade – enquanto os competidores podem ser empresários com capacidade de autofinanciamento ou redes que lhes angariam doações significativas.

O realismo político não significa, no entanto, deixar de lado a centralidade do problema. Para que sejam efetivas, as candidaturas precisam de recursos e de suporte. E estes estão disponíveis de forma desigual. Cabe à justiça eleitoral garantir que a legislação atual seja cumprida. O debate público amplo sobre financiamento é necessário para alertar sobre a incidência do poder econômico nas disputas e abrir caminho para a construção de alternativas.

*Luiz Augusto Campos é professor de Sociologia e Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e Doutor em Sociologia pelo mesmo instituto (2013). É editor-chefe da revista DADOS e coordenador de dois grupos de pesquisa: o Observatório das Ciências Sociais (OCS) e o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA)
Flávia Biroli é doutora em História pela Unicamp (2003). É professora do Instituto de Ciência Política da UnB, pesquisadora do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20). É autora, entre outros, de Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil (Boitempo, 2018) e Gênero, neoconservadorismo e democracia (com Maria das Dores C. Machado e Juan Vaggione, Boitempo, 2020).

Para onde foi o PSDB mineiro?

Para onde foi o PSDB mineiro?

A história é conhecida. Em 2014, o PSDB não reconheceu a derrota nas eleições para Presidente. Sem apresentar evidências que justificassem a atitude, solicitou recontagem de votos ao Tribunal Superior Eleitoral e seu candidato declarou que havia sido derrotado por uma “organização criminosa”. Não satisfeito, o partido entrou com um pedido de cassação de Dilma alegando que sua legitimidade era “extremamente tênue”. Na sequência, o partido passou a buscar uma maneira de interromper o mandato da presidente eleita.

A tática parecia ter dado resultado. Nas eleições municipais de 2016 o PSDB fez barba, cabelo e bigode. Acrescentou mais de 100 prefeituras a seu “portfólio” – o maior crescimento percentual entre os dez maiores partidos – conquistou São Paulo no primeiro turno e foi a legenda mais votada nos grandes municípios brasileiros. Mas logo depois foi tragado pela crise que ajudara a fomentar para afastar o PT e viu sua votação no primeiro turno da eleição presidencial de 2018 despencar de 33,5% para 4,76%.

Até mesmo em função do papel desempenhado por Aécio Neves ao longo deste período, Minas Gerais foi onde o recuo do partido foi mais sentido. Na primeira década e meia deste século, o PSDB tornara-se hegemônico no estado. Entre 2002 e 2014 o partido esteve frente do Palácio da Liberdade de forma ininterrupta, vencendo três eleições no primeiro turno. O controle das cadeiras no Senado foi ainda maior e manteve-se mesmo com a perda do governo estadual para o PT em 2014: à exceção da eleição de Hélio Costa (MDB) para uma das vagas em 2002, candidatos do PSDB ou de partidos coligados só foram derrotados na eleição de 2018.

PSDB na capital mineira

O PSDB governou Belo Horizonte apenas entre 1989 a 1992, com Pimenta da Veiga e depois seu vice, Eduardo Azeredo. Mas sempre participou com destaque nas disputas. Em 1992 o jovem Aécio Neves chegou em terceiro lugar. Em 1996 Amilcar Martins foi derrotado no segundo turno por Célio de Castro (PSB), o mesmo acontecendo com João Leite quatro anos depois. Em 2004, quando João Leite (então no PSB), foi derrotado por Fernando Pimentel (PT), os tucanos estavam na coligação. Em 2008, o PSDB voltou a participar da administração municipal em função da inusitada aliança entre PT e PSDB que elegeu Marcio Lacerda (PSB). A situação se manteve em 2012, mas com o PT fora da coligação. Finalmente em 2016, novamente João Leite, agora de volta ao ninho, foi derrotado no segundo turno por Alexandre Kalil.

Na eleição deste ano, 2020, o partido lançou Luísa Barreto, ex-secretária-adjunta de Planejamento e Gestão do governo de Romeu Zema (Novo), à sucessão de Kalil. Desconhecida do eleitorado e concorrendo em chapa pura, a candidata tem um minuto e 11 segundos na TV para sair do 1% das intenções de voto registrado pelas pesquisas já realizadas (DataFolha; IBOPE ou Data Tempo/Quaest). Muito longe dos mais de 50% do atual prefeito.

Nas demais cidades, partido também reduziu candidaturas

O quadro não é diferente no estado como um todo. O partido reduziu o número de candidaturas próprias em relação a 2016: foram oitenta candidatos (as) a menos para prefeito e 857 para vereador. Nas vinte maiores cidades do estado, o PSDB lançou candidatura própria em apenas quatro, além de BH: Ribeirão das Neves, Teófilo Otoni, Governador Valadares e Poços de Caldas. Apenas nas duas últimas o candidato – prefeito do partido buscando a reeleição – é competitivo. 

Nas quatro cidades com maior população depois de Belo Horizonte, apenas em Uberlândia o partido tem boas perspectivas por participar da coligação de Odelmo Leão, candidato à reeleição pelo PP. 

Em Juiz de Fora, Contagem e Betim, cidades já governadas pelo partido, a situação é ruim. Na primeira, o atual prefeito é do partido, mas desistiu de disputar a reeleição. Na segunda, o atual prefeito também desistiu de disputar a reeleição, mas antes rompeu com o partido. Nos dois municípios o PSDB ocupa a vice em chapas que, segundo pesquisas disponíveis, possuem entre 1% e 3% das intenções de voto. Em Betim, o PSDB não registrou candidato a prefeito ou vice e tampouco integra alguma coligação competitiva.

O sinal amarelo para o PSDB em Minas está aceso desde 2018. Na esteira da “queda” de Aécio Neves, veio a derrota para o governo estadual, ao mesmo tempo em que a maioria dos eleitores de Antônio Anastasia, o candidato, descarregava votos em Bolsonaro, e não em Alckmin, na eleição presidencial. Pela primeira vez desde 2002, o partido em Minas ficou sem um representante no Senado, uma vez que Anastasia, após a eleição, resolveu integrar as fileiras do PSD. 

Por fim, o resultado não foi melhor para a Câmara dos Deputados ou para a Assembleia Legislativa – nos dois casos, a votação do partido caiu quase pela metade em uma comparação com 2014 e retrocedeu a patamares inferiores aos obtidos em 1994. Tão ou mais expressiva foi a queda no voto dado à legenda: um recuo de 85% para a Câmara e 67% para a Assembleia.

A desarticulação em curso do sistema partidário brasileiro não atingiu apenas o PSDB. PT e MDB também estão entre as vítimas. Mas se os tucanos pretendem recuperar algum protagonismo no cenário nacional, as chances de Minas Gerais contribuir para tanto são pequenas.