por Antonio C. Alkmim | nov 21, 2020 | Destaque 1, Geral
Antonio C. Alkmim*
As abstenções, votos brancos e nulos registrados no primeiro turno alcançaram mais de 45 milhões de eleitores, um terço do eleitorado. Entretanto, este não é o único indicador para a não participação eleitoral. Antes de decidir se abster ou negar seu voto para algum partido ou candidato, o indivíduo tem que ter a sua cidadania assegurada pelo registro eleitoral. Mas milhões de pessoas deixam de exercer este direito.
Confrontando o número de eleitores divulgados pelo TSE e a estimativa para a população em idade de voto do IBGE para 2020, podem estar nesta situação 16 milhões de brasileiros. Seriam excluídos ou marginais do sistema de voto no país 10% da população em idade de voto.
Mas não é tão simples assim. De acordo com o parágrafo 14 da Constituição Federal, o voto é facultativo entre 16 e 17 anos, acima dos setenta, para analfabetos e proibido para os estrangeiros, presidiários e militares da ativa. Observando a permanência provisória de falecidos no cadastro eleitoral que são removidos a cada três pleitos seguidos, assim como os registros cancelados, esta soma pode ser próxima dos 16 milhões. Pode e mesmo assim a marginalidade eleitoral aumentar, em função da entrada e saída para aqueles para quem o voto é facultativo, por exemplo.
O que chama atenção é que marginalidade eleitoral quase dobrou nos últimos dez anos. Parte de 6,8% em 1991, cai para 2,6% no ano 2000, e a partir daí aumenta para 5,5% em 2010, dobrando para 10,1% em 2020. Enquanto o ritmo de crescimento dos eleitores na última década foi de 9,3%, o crescimento populacional para a população de 16 ou mais anos foi de 14,8%. Como explicar esta diferença?
Alguns cientistas políticos brasileiros tatearam no tema da exclusão eleitoral. Entretanto, a questão encontra-se ainda na sombra da literatura científica e intelectual no país.
Taxa de marginalidade eleitoral. Brasil, 1991-2020
Bolivar Lamounier, em um estudo de 1978, sobre as eleições na cidade de Presidente Prudente em São Paulo, realizada quatro anos antes, adotou o conceito de marginalidade eleitoral, evidenciado pela ausência da habilitação eleitoral. Wanderley Guilherme dos Santos e Olavo Brasil Lima Junior concentraram-se nas abstenções, votos brancos e nulos, denominados alienação eleitoral. Julia Stedler retoma a linha de Lamounier e questiona qual seria o eleitor desejado pelo país, fruto de um processo decisório e histórico.
A exclusão eleitoral estaria relacionada a fatores socioeconômicos tais como a escolaridade e renda, embora não reduzidos a estes motivos. Aspectos como o desinteresse ou rejeição à política também seriam relevantes. E ainda problemas ligados à transferência de residência eleitoral, como a mudança de cidade ou estado.
A PNAD de 1988 pesquisou a participação social no país e chegou a uma taxa de marginalidade eleitoral de 10% da população cujo voto era obrigatório. Verificou-se que o indicador era maior para as mulheres, os mais jovens, idosos, mais pobres, menos instruídos, desempregados, negros e pardos, dentre outros segmentos.
Já a taxa calculada em 2020 mostra-se menor entre as mulheres, que representam a maioria de 52,5% do eleitorado. O que atesta uma redefinição no papel feminino observado ao longo de décadas.
Taxa de marginalidade eleitoral, por sexo. Brasil, 1991-2020
Fonte: https://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado
Quanto à idade, a taxa mostra-se maior para os mais jovens, até 20 anos, que representam 10,9% da população e somente 5,2% dos eleitores. Entre aqueles entre 21 e 34 anos, em idade adulta situa-se em torno da média dos 10%. Este grupo etário representa 32,5% da população e 29% do eleitorado. A partir daí a taxa decresce entre 35 e 69 anos (58,7% da população e 56,6% do eleitorado), estabilizando-se entre os idosos, chegando aos 70 anos ou mais com a igual proporção de 9,1% para a população e o eleitorado. Considerando os grupos etários, a marginalidade eleitoral é mais alta para os mais jovens e menor para os mais velhos, a partir dos 35 anos.
Taxa de marginalidade eleitoral, por grupos de idade. Brasil, 2020
Fonte: https://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado
Por outro lado, embora o eleitorado tenha crescido 9,3% entre 2010 e 2020, os mais jovens de até 34 anos apresentaram uma evolução negativa na distribuição, ao passo que a partir de 35 anos há um crescimento positivo. Isto significa que, além de mais excluídos, a participação dos mais jovens nas decisões eleitorais diminuiu na última década. E isto não se deve apenas ao efeito do envelhecimento da população ao longo do tempo.
Crescimento relativo do eleitorado por grupos de idade. Brasil 2010-2020
Fonte: https://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado
Quanto à escolaridade dos eleitores divulgada pelo TSE, esta não coincide com as informações da PNAD de 2009, especialmente para o grupo com ensino médio incompleto. Seriam 22,4 milhões de eleitores, para o tribunal, contra cerca de 13 milhões de pessoas com 16 anos e mais, estimados a partir da última PNAD de 2019. Uma impossibilidade.
Já o número de eleitores analfabetos mostra-se coerente. São seis milhões de eleitores e 11 milhões de pessoas com 16 anos e mais que não sabem ler e escrever. Deixam de estar inscritos, portanto, 5 milhões de eleitores, sendo o voto facultativo. Um número elevado, mesmo considerando que o analfabetismo afeta os mais idosos. Esta seria a principal marca da exclusão eleitoral no país.
Em síntese, os indicadores apresentados, mostram a marginalidade eleitoral atual no país, maior entre os homens e os mais jovens. E expressiva entre os de mais baixa instrução, especialmente os analfabetos, mesmo considerando que para estes o voto é facultativo.
Este problema, de certa forma invisível para a sociedade brasileira, evidencia mais uma marca das desigualdades existentes no país. Ao invés da estimativa indireta, mensurar e detalhar este fenômeno com pesquisas sociais sobre a participação social e política da população torna-se fundamental para que a democracia brasileira não seja um espelho socialmente distorcido, sem sequer nos darmos conta.
* Antonio C. Alkmim é cientista político e professor da Puc-Rio.
por Carlos Ranulfo Melo, Rachel Callai Bragatto e Luiza Jardim | nov 21, 2020 | Destaque 1, Geral, Grupos de interesse, Sem categoria
A apuração das eleições municipais de 2020 apontou 23,15% de abstenção. Este é o recorde de abstenção em eleições municipais, em um cenário de crescimento do não comparecimento que vinha ampliando-se desde 2012 e agora agravado pela pandemia de Covid-19.
Apesar do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, ter comemorado o índice, dizendo que esperava uma abstenção muito maior, os números mostram um aumento expressivo, que supera o ritmo de crescimento que vem sendo observado há anos.
No que tange as eleições municipais, o primeiro turno de 2020 registrou um aumento de 5% na abstenção, em contraposição a cerca de 2% entre 2008 e 2012 e 1% entre 2012 e 2016. Até 2008, a oscilação não era significativa.
Abstenção nas eleições municipais
Fonte: TSE
Enquanto a média nacional subiu de 17,58%, em 2016, para 23,15%, o aumento foi ainda mais significativo nas grandes cidades e nas regiões sul e sudeste.
Se analisarmos os maiores colégios eleitorais, chegamos a um aumento na casa de oito pontos percentuais. Em São Paulo, subiu de 21,84% para 28,30, no Rio de Janeiro foi de 24,28% para 32,79% e em Belo Horizonte de 21,66% para 28,34% – aumentos entre 6 e 8%.
No Nordeste, Salvador registrou um aumento de cinco pontos percentuais, de 21,25% para 26,46% e Fortaleza de quatro pontos, de 17,04% para 21,84%. Porto Alegre registrou a maior alta, de 22,51% para 33,08%.
Uma vez que o voto é secreto, fora a disposição geográfica da abstenção, não temos informações que permitam compreender o perfil das pessoas que deixaram de votar. Mas a pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, realizada entre 24 de outubro e 04 de novembro, pode nos dar algumas pistas.
Na ocasião, foi perguntado aos eleitores se eles poderiam deixar de votar por medo de contaminação. Com 95% de grau de confiança e 2.2% de margem de erro, 27 % dos respondentes afirmaram que sim. A pesquisa permite compreender como estas pessoas se distribuíam em relação à faixa etária, sexo, renda familiar, nível educacional e interesse por política.
Perfil
Como a pandemia coloca como grupo de risco a população acima de sessenta anos, já se esperava uma maior probabilidade de abstenção dentro deste grupo. Segundo a pesquisa, 32% da população nessa faixa etária declarou que poderia deixar de votar sem que, no entanto, se constatasse uma correlação entre as duas variáveis – idade e probabilidade de não votar por medo de contaminação. O percentual dos que admitiram não votar cresceu de 24% entre os jovens até 24 anos para 31% entre os brasileiros de 25 a 34 anos, mas volta a 24% entre aqueles de 45 a 59 anos e torna a subir para os acima de 60.
Quanto ao sexo, as mulheres se mostravam mais propensas ao não comparecimento (30%) do que os homens (25%).
A pesquisa mostrou ainda que a taxa da população que admitia não votar por medo de contaminação diminuía conforme aumentava a faixa de renda. Dentre aqueles com mais de dez salários mínimos, 19% afirmaram poder deixar de votar, proporção que chegava a 28% para aqueles com até um salário mínimo. A faixa de 1 a 2 salários mínimos apresentava o índice mais alto, com uma taxa de 33% de não comparecimento. É o que mostra a figura a seguir.
Fonte: TSE
Em relação à escolaridade, a imagem abaixo ilustra a diferença expressiva entre os grupos que cursaram até o ginásio – mais de 30% admitiam não votar – e aqueles com colegial (ensino médio) e superior completo – 22% e 24%, respectivamente.
Fonte: TSE
Por fim, quando olhamos para a região dos entrevistados, destacava-se o Centro-oeste, onde 34% dos eleitores afirmavam que poderiam não comparecer às urnas. Entre os eleitores das regiões sul e sudeste os percentuais recuavam para 25 e 26% respectivamente.
Para além do risco de contaminação: desinteresse na política?
Por mais que o risco da contaminação afete todas as pessoas, a pesquisa constatou uma relação entre o interesse pelas eleições e a propensão a não votar devido à pandemia. Entre aqueles que se mostravam pouco interessados, 36% admitia não votar com medo de contaminação. O valor é muito superior do que entre aqueles que afirmaram estar muito interessados, quando apenas 12% disseram que poderiam deixar de votar. Entre os interessados, a taxa foi de 19%.
O risco de contaminação parecia ser um problema maior para aqueles que, à época, não estavam interessados nas eleições. Vale ressaltar que na pesquisa, realizada faltando aproximadamente 15 dias para o primeiro turno, o percentual dos pouco interessados nas eleições municipais era de 53,3%.
A incerteza provocada pela pandemia provavelmente reforçou a tendência já observada de crescimento da abstenção. Soma-se a este cenário o contexto atual em que as campanhas políticas perderam muito de sua intensidade, dado que as ações de rua foram evitadas e até proibidas em alguns municípios.
Nota: Tratamos aqui da abstenção, que junto aos votos nulos e brancos, compõe o fenômeno da alienação eleitoral. Hoje, publicamos também neste Observatório uma análise sobre a marginalidade eleitoral, que trata da discrepância entre a população e a população eleitoral – e que chega a 16 milhões de pessoas, praticamente 10% da população. Somados, são cerca de ⅓ da população que não está interferindo no processo eleitoral.
por Carlos Ranulfo | nov 20, 2020 | Destaque 1, Geral
O quadro nas capitais é semelhante ao do restante do país, no que se refere ao crescimento do DEM e do PSD, assim como ao recuo do MDB e do PSDB. Mas há uma diferença: o PT cresce e é o segundo em número de vereadores eleitos.
O vereador das capitais é peça importante no sistema político brasileiro. Por um lado, trata-se de valioso ativo eleitoral para os partidos. Por outro, é uma das portas de entrada para a carreira – um bom mandato na capital costuma marcar o início de uma trajetória política; já um tropeço neste estágio geralmente significa final de caminho.
Qual a situação das câmaras nas capitais após o resultado das eleições deste ano? Na primeira figura, o desempenho dos partidos em 2020 é comparado ao de 2016. Foram consideradas apenas as legendas que elegeram pelo menos 25 vereadores nas referidas cidades em 2020.
Os 17 partidos representados na figura vão ocupar 631 (65%) das 790 vagas existentes nos legislativos das capitais. Outros 12 partidos conquistaram o restante. O quadro geral é de fragmentação. As 53 cadeiras angariadas pelo partido de melhor desempenho, o Republicanos, representam 6,7% do total.
Os partidos estão dispostos levando em conta o desempenho em 2020. Em termos absolutos, DEM e Republicanos apresentaram o maior crescimento em relação a 2016, com um acréscimo de 19 e 18 vereadores(as) respectivamente. Avante (ex- PT do B), PSL e PT conquistaram pelo menos dez vagas além do que tinham há quatro anos.
Merecem destaque o fraco desempenho do PSL, se considerarmos as perspectivas abertas pelo resultado de 2018, e a boa performance do PT, que em 2016 havia ficado em sexto lugar nas câmaras das capitais. PSOL, PSD, PP e Cidadania cresceram entre oito e quatro cadeiras. Patriotas (fusão de PRP e PEN), PDT, PSC e PL pouco se mexeram. Na outra ponta, MDB, PSDB, PSB e Podemos foram os partidos com maiores perdas – 23, 18, 13 e seis respectivamente.
Levando em conta os campos ideológicos e considerando estes 17 partidos, o quadro nas capitais reflete o cenário nacional. Partidos situados à direita (PSL, Avante, Patriotas, DEM, PP, PSD, PL e PSC) ganharam espaço e passaram de 223 para 305 cadeiras. O centro (MDB, PSDB e Cidadania) cedeu terreno, elegendo 103 vereadores, 45 a menos do que em 2016. E a esquerda “patinou”, passando de 160 para 166 – um crescimento anulado quando se leva em conta o recuo de sete cadeiras do PC do B, que não consta da tabela.
A distribuição regional
Dentre as legendas aqui consideradas, nenhuma conseguiu eleger vereadores em todas as capitais. Quem chegou mais perto foi o Republicanos, ausente apenas na Câmara de Rio Branco. A seguir vem PT e PSD, presentes em 22 dos 25 municípios aqui considerados. O MDB elegeu vereadores em 19 capitais e o PSDB em 18.
A tabela a seguir mostra a distribuição regional dos vereadores eleitos pelos partidos aqui considerados. A distribuição fornece uma ideia aproximada do grau de nacionalização das legendas. Como o total de vereadores é muito diferente a depender da região, a solução foi apresentar o desempenho de cada partido como um percentual das cadeiras disponíveis. Na primeira linha, entre parênteses, está o total de vereadores eleitos em cada região.
Na região norte, os partidos com melhor desempenho são Republicanos, MDB, Podemos e PSDB. Também é nesta região que o primeiro e o último alcançam seus melhores percentuais. O Nordeste é a região da esquerda: alí PDT, PSB e PT ostentam os melhores índices. Dos 45 vereadores eleitos pelo PDT no Brasil, 27 vieram da região, sendo 10 de Fortaleza. No caso do PSB, a região foi responsável por mais da metade dos eleitos no país – 22 em 38, sendo 12 em Recife. Já a bancada de 20 vereadores do PT encontra-se mais dispersa pela região. O MDB possui o melhor desempenho no Centro-Oeste, concentrando-se em Goiânia; a seguir vem o PSD e, novamente, o Republicanos. O PSOL é o destaque no Sudeste, com fortes bancadas nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo – o mesmo acontece com o DEM, que divide a segunda colocação regional com o PT, que concentra suas forças na capital paulista. Finalmente, no Sul o DEM tem sua melhor performance, com 10,3% dos vereadores eleitos, seguido por PT, PSD e PSOL.
Um quadro de fluidez
A força na Câmaras Municipais é um bom indicador da capilaridade dos partidos, mas é preciso considerar um “detalhe”: a extrema fluidez do quadro partidário municipal no Brasil. Um levantamento da Folha de São Paulo mostra que “66% dos candidatos [vereadores] que disputam novamente a eleição estão em outro partido em 2020”. A fluidez é marcante mesmo nas capitais e a tabela a seguir fornece um quadro sintético da situação.
O percentual de novos vereadores (renovação bruta) como resultado da eleição de 2020 foi, em média, de 58,3%. Em Vitória, o percentual chegou a 80%. Por outro lado, dentre os reeleitos, 56,6% haviam mudado de partido em relação a 2016. Em Palmas, todos o fizeram. O resultado é que entre uma eleição e outra a composição partidária das câmaras municipais costuma alterar-se de forma radical. Por isso, a eleição de vereadores nas capitais é um sinal de força dos partidos, desde que os eleitos mantenham seus mandatos e permaneçam nas legendas.
por Leonardo Avritzer | nov 19, 2020 | Destaque 1, Geral
Leonardo Avritzer*
As eleições do último domingo geraram análises contraditórias e de diferentes tonalidades no que diz respeito aos resultados da esquerda e, em particular, do Partido dos Trabalhadores (PT). De acordo com os dados do TSE, comparando os votos recebidos no primeiro turno de 2016 e 2020, o PT recebeu 11.740 votos a mais nessas eleições na avaliação mais conservadora, sem contar Macapá, onde não o pleito ainda não se realizou, e com algumas disputas ainda sob judice. Percentualmente ele recebeu uma fração maior devido à alta abstenção neste último domingo.
Mesmo com a performance ruim para prefeito na cidade de São Paulo e as coalizões em Belém e Porto Alegre, o partido demonstra uma leve recuperação em relação a 2016. No que se refere à capital paulista, se levarmos em conta que o PT fez a maior bancada de vereadores na cidade e que uma parte considerável do eleitor petista identificou-se com a candidatura de Boulos (PSOL), podemos apontar uma recuperação do PT, ainda que parcial.
Cabe destaque que nas câmaras municipais das capitais o PT cresceu e passou de quarenta para cinquenta vereadores. Foi o segundo partido, atrás apenas do Republicanos, que fez 53 vereadores.
O antipetismo, contudo, parece não ter sido completamente superado, continuando forte nas regiões sul e sudeste. Em pesquisa realizada na última semana de outubro pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT Democracia), percebemos a continuidade do antipetismo nestas regiões. No Brasil como um todo, 26% dos respondentes afirmou não votar em candidatos do PT. Na região sudeste, o antipetismo alcança 30%. Ainda assim, se olharmos a série histórica, os dados são menos contundentes do que em 2018.
No entanto, gostaria de analisar um dado que me parece ainda mais importante: os resultados das eleições em cidades grandes e de porte médio com segundo turno. Neste caso, notamos um fenômeno adicional que merece análise: a forte presença do PT nas cidades da região sul e sudeste.
Na lista de prefeituras com candidatos petistas que disputarão o segundo turno no dia 29 de novembro, temos nove cidades da região sul e sudeste. Estas cidades têm algumas características em comum: já foram governadas pelo PT (apenas Juiz de Fora é exceção) e têm políticos com forte tradição de eficiência administrativa. Pepe Vargas em Caxias do Sul (RS), Marília Campos em Contagem (MG), João Coser em Vitória (ES) e Filippi em Diadema (SP) têm essa caraterística que aponta na direção de uma mudança de postura no eleitorado. Onde os eleitores conhecem o candidato, o antipetismo parece ser contido pela busca de experiência administrativa.
Quadro 1: Cidades com candidatos do PT disputando segundo turno
Dois elementos adicionais apontados pelos dados são importantes: em primeiro lugar, a diferença entre 2016 e 2020 no quesito experiência administrativa dos candidatos do PT. O partido disputa o segundo turno em 2020 em oito cidades a mais do que em 2016, lembrando que ele foi derrotado em todas as sete cidades nas quais disputou segundo turno na eleição de quatro anos atrás. Além disso, em nenhuma dessas, o seu candidato havia liderado a disputa. Assim, temos de fato uma mudança que vale a pena ser observada: o PT encontra-se em primeiro lugar em sete das quinze cidades, sem contar Belém, onde é parte da coalização que lidera nas pesquisas.
A segunda questão que também parece relevante consiste em saber se o resultado positivo deve-se a pessoas ou administrações exitosas no passado. Tomo aqui três exemplos, um em cada região: Caxias do Sul (RS), Contagem (MG) e Vitória da Conquista (BA). O caso mais emblemático é Vitória da Conquista, governada pelo PT entre 1996 e 2016. Alí um ex-prefeito teve mais votos do que o atual prefeito e quase se elegeu no primeiro turno. Algo parecido ocorreu em Contagem e Caxias. Políticos com muita experiência foram os preferidos pela população. Assim, é possível dizer que se o antipetismo das duas últimas eleições continua entre nós, mas ele parece ter um fator moderador: a busca pelo bom governo e pela experiência administrativa.
por Fabiano Santos e Tiago Ventura | nov 18, 2020 | Destaque 1, Geral, Grupos de interesse
Fabiano Santos e Tiago Ventura*
Em inícios de abril, o Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação divulgou pesquisa na qual a avaliação bom e ótimo de Bolsonaro, em franco declínio, girava em torno de 25%. Ao longo dos meses seguintes, contudo, o presidente inicia uma lenta e consistente recuperação de sua imagem, recuperação que acaba por alçá-lo, segundo o último levantamento do projeto “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, de outubro, a algo em torno de 40% de avaliação positiva.
Analistas e cronistas da política brasileira, corretamente a princípio, relacionam tal subida aos efeitos que a política de auxílio emergencial, aprovada por iniciativa do Congresso e executada pelo governo, teria produzido na renda, psicologia e opinião de eleitores a partir de meados de maio.
Se a política de auxílio é sustentável e o que ocorrerá com a popularidade do Bolsonaro após seu eventual esvaziamento não podemos prever, só especular. Entretanto, é possível e desejável examinar os dados envolvendo o padrão de resposta a perguntas sobre popularidade e sua relação com o recebimento ou não do auxílio, assim como sua incidência por estrato de renda. Fazemos isso a seguir.
Nossa sugestão é que a variável “renda”, ausente dos comentários feitos até o momento sobre auxílio e popularidade, afeta tanto as chances de se receber o auxílio quanto de apoiar o presidente, como mostra a figura abaixo.
Os resultados levam a duas conclusões. Em primeiro lugar, não há, no estrato de renda inferior a dois salários mínimos diferença perceptível no apoio presidencial entre os que recebem ou não o auxílio. Dentre os respondentes que recebem até dois salários mínimos e recebem o auxílio, 33% consideram a administração de Jair Bolsonaro ótima ou boa, sendo que dentre os respondentes na mesma faixa de renda, mas que não recebem o auxílio, esta proporção é de 34%.
Mantendo o corte de renda e considerando o mesmo estrato (até dois salários), uma diferença também não significativa, e de magnitude pequena aparece entre aqueles que avaliam o governo como regular, ou péssimo. Portanto, receber ou não o auxílio emergencial, mantendo constante a faixa de renda, não afeta de forma robusta o apoio ao presidente Jair Bolsonaro.
As diferenças aparecem, todavia, onde menos se espera, vale dizer, nas faixas de renda média e alta. Entre os que recebem entre dois e dez salários mínimos e recebem o auxílio, há um crescimento na proporção de respondentes com avaliação negativa do governo. Por outro lado, há pouca variação entre os que não recebem o auxílio, oscilando entre 37%, 28%, e 35% dos respondentes se manifestando com uma avaliação do Bolsonaro ótima-boa, regular, ruim-péssima, respectivamente.
Tendência contrária, e isto é o mais interessante, aparece entre setores de renda alta. Neste caso, setores mais ricos que recebem o auxílio mostram forte apoio ao governo (53% dos respondentes neste grupo), e com uma diferença importante para os que não recebem (32%). Aqui é preciso alguma cautela com os dados. Em primeiro lugar, estamos diante de uma análise simples de proporção, com foco apenas em associação entre renda, recebimento do auxílio e apoio presidencial. Em segundo, trata-se somente de um retrato estático, uma fotografia do atual momento, sem parâmetro longitudinal comparativo, uma vez que a política de auxílio emergencial é muito recente
Feito o proviso, apresentamos hipótese até então não levantada e promissora para investigação futura. Mais do que efeito egotrópico no recebimento do auxílio emergencial, o que parecemos assistir é um processo de racionalização motivada por parte dos eleitores, sobretudo mais ricos, em relação ao auxílio. Explicamos.
Eleitores mais ricos, principais apoiadores de Jair Bolsonaro, parecem ser os únicos para quem o auxílio importa, uma vez diante de perguntas sobre avaliação do governo. Dado que o efeito econômico do auxílio nestes setores tende a ser diminuto, nossa hipótese é de que estes eleitores, já predispostos a apoiar o presidente, reforçam a associação entre receber o auxílio, ou conhecer pessoas que o recebem, e o apoio ao governo. O contrário acontece entre mais ricos e que avaliam o governo como ruim ou péssimo. Esperemos mais pesquisas, então.
A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%.
*Fabiano Santos (IESP-UERJ, Instituto da Democracia)
Tiago Ventura (University of Maryland, College Park)
por Jairo NIcolau | nov 12, 2020 | Destaque 2, Geral
A pandemia tem trazido uma preocupação especial para os políticos brasileiros nas eleições municipais deste ano: o provável aumento da taxa de abstenção eleitoral. No Brasil, o percentual de eleitores que não comparecem para votar tem oscilado pouco nos últimos anos (em média, oito em cada dez eleitores comparecem para votar), mas esse número provavelmente deve aumentar em 2020, sobretudo nas grandes cidades.
Um tema que tem sido pouco discutido é o crescimento de votos nulos e em branco (votos inválidos) nas eleições municipais. São os eleitores que, obrigados a comparecer, preferem anular o voto digitando uma sequência de números que não esteja associada a qualquer candidato ou partido, ou simplesmente apertar uma tecla (branco); a tecla é um resquício do período em que os votos deixados em branco eram contados na eleições para o legislativo. Atualmente, os votos inválidos não são considerados para nada e servem apenas para fins estatísticos, mostrando que uma parte dos eleitores preferiu não votar em nenhum dos candidatos.
Para além do registro de uma eventual insatisfação com a política, a taxa de votos nulos e em branco interessa especialmente aos candidatos a vereador. O primeiro passo para distribuir as cadeiras numa eleição para Câmara Municipal é calcular o quociente eleitoral (resultado do total de votos válidos dividido pelo número de cadeiras em disputa na Câmara); número que garante que um partido elegerá um vereador. Desse modo, quanto mais eleitores anulam ou deixam o voto em branco, menor é o quociente.
Nas últimas eleições municipais (2016) a insatisfação dos eleitores se manifestou em duas frentes. A primeira foi a eleição de candidatos outsiders – ou que não pareciam pertencer à tradicional elite partidária – em algumas capitais (Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte). A segunda foi o crescimento dos votos inválidos para vereador e prefeito, particularmente nas cidades com maior população.
Os gráficos 1 e 2 mostram, respectivamente, o percentual médio de votos nulos e em branco para prefeito e vereador nas cidades brasileiras nas últimas cinco eleições municipais. As cidades foram agrupadas em cinco tipos, segundo a faixa de população.
A semelhança entre os dois gráficos é tal que, se olharmos rapidamente, parece que eles são idênticos. Nas cidades com menor população (até 20 mil e entre 20 mil e 50 mil habitantes) os votos inválidos oscilam em um mesmo patamar e não aumentaram significativamente em 2016. Já nas outras três faixas observamos um crescimento contínuo, com um aumento mais expressivo nas megacidades (com mais de 500 mil habitantes).
Em 2002, a diferença entre o percentual dos votos inválidos para prefeito e vereadores nas pequenas cidades e megacidades era reduzida. Em 2016 a diferença cresceu para cerca de dez pontos percentuais. Portanto, o aumento dos votos nulos e em branco foi um fenômeno marcante das grandes cidades brasileiras em 2016. Selecionei algumas dessas cidades (as com mais 800 mil habitantes, segundo dados de 2010) para observarmos com mais cuidado o que aconteceu.
O gráfico 3 mostra a evolução dos votos inválidos nas 19 cidades com mais de 800 mil habitantes. Chama a atenção para uma tendência geral de crescimento constante dos votos nulos e brancos em quase todas as cidades (as exceções são: Teresina, São Luís e Goiânia). Nas quatro maiores cidades do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre) cerca de 1/5 dos eleitores que compareceram preferiram não votar em um dos candidatos ou partidos que disputaram.
A explicação mais óbvia para esse crescimento é que ele indicaria uma maior insatisfação de uma parte dos eleitores com a política. Mas há uma outra dimensão que precisa ser levada em conta. A rua deixou de ser um espaço de campanhas nas grandes cidades (por conta das restrições da legislação eleitoral, placas não podem mais ser colocadas nas casas e em espaços públicos, juntando-se ao tradicional outdoor que já havia sido proibido). Em 2016, o tempo de campanha no rádio e televisão foi reduzido, e com isso os candidatos passaram a ter poucas formas de se comunicarem com os eleitores.
Lembro que no dia do primeiro turno de 2016 recebi muitas mensagens pedindo sugestão de um nome para votar para vereador. Me dei conta de que a campanha de vereador (tão forte nas pequenas cidades) havia sumido da vista das pessoas nos grandes centros. Eleitores simplesmente chegam a seção eleitoral sem terem ideia de em quem votar.
No dia 15 de novembro deste ano, além das tradicionais avaliações de quais partidos foram vencedores e quais foram perdedores, faço uma singela sugestão ao leitor: dê uma olhada na taxa de votos nulos e em branco. É um bom indicador para captar o humor dos eleitores brasileiros.