Debates presidenciais e a degradação democrática

Debates presidenciais e a degradação democrática

A pouco mais de um mês para as eleições nos EUA, o presidente republicano Donald Trump e o ex-vice-presidente democrata Joe Biden encontraram-se nesta terça-feira (29) em Cleveland, Ohio, para o primeiro debate televisionado. As eleições ocorrem no dia 2 de novembro.

É possível dizer que o debate de ontem à noite se insere na onda de degradação da qualidade da democracia que vem pelo menos desde 2016. Além disso, rompe com uma tradição de cerca de 60 anos de debates que visavam o esclarecimento do eleitor indeciso que buscava conhecer melhor as suas opções.

Candidatos a presidente nos Estados Unidos quase sempre debateram. É famosa a série de debates entre Lincoln e Douglas em 1858. Em uma das eleições mais importantes da história do país, Abraham Lincoln saiu vitorioso, o que levou à abolição da escravidão.

É famoso também o comportamento dos candidatos presidentes que sempre adotaram posturas presidenciais nos debates, isso é, respeito ao decoro do cargo e ao eleitor. É possível dizer que Trump rompeu com estas duas grandes características.

Os debates presidenciais nos EUA

A história dos debates presidenciais televisivos nos EUA começa nos anos 50. O primeiro debate na TV, Kennedy versus Nixon, marcou a histórias das eleições. Kennedy, que estava em ligeira desvantagem, saiu do debate com a vantagem que lhe permitiu ganhar as eleições.

Muitas pessoas perguntaram-se qual foi o papel do debate no qual Nixon aparecia muito nervoso e Kennedy tranquilo. Algumas chegaram a atribuir a vantagem do jovem político de Massachusetts à maquiagem, uma vez que Nixon recusou-se a se maquiar antes de entrar no estúdio e suava muito durante o debate.

Alí começa uma discussão que ainda não chegou ao fim: debates televisivos auxiliam o candidato vencedor pela performance ou por seus atributos televisivos?

A vitória de Reagan nos debates com Carter jogou lenha nessa fogueira. Reagan mostrava desconhecimento das questões mais básicas da política, mas ainda assim se deu bem no debate. Alguns anos depois foi revelado que Reagan tinha tido acesso às perguntas que Carter faria a ele e havia ensaiado as respostas.

Trump e a aposta na degradação institucional

Trump iniciou sua participação como forte candidato a se juntar a pequena lista de presidentes que não conseguiram a reeleição no pós-guerra. Lista composta apenas por Jimmy Carter e Georg H. Bush (o pai). Algumas pessoas acrescentam Lyndon Johnson, já que ele decidiu não disputar a reeleição de 1968.

O atual presidente republicano é o candidato à reeleição com pior nível de aprovação entre os leitores de fora do seu próprio partido: apenas 6% dos democratas aprovam sua gestão. Além disso, as eleições tornaram-se competitivas nas últimas semanas em estados que, em outras eleições, eram solidamente republicanos no início de outubro. É o caso da Geórgia, Arizona e até mesmo Texas.

A pergunta então é: qual a estratégia do presidente no lamentável debate de ontem à noite?

Provavelmente Trump sabe que suas chances de derrotas nas eleições são grandes. Ele voltou-se unicamente para os seus eleitores mais fiéis. Agiu a partir de três premissas; desgastar o debate, questionar a lisura do processo eleitoral e apostar em uma eleição na qual ele perca por pouco ou existam fortes complicações organizacionais, para que ela possa ser questionada na justiça.

Em estados onde ganhou por pouco em 2016, como Pennsylvania, Trump está perdendo hoje por dez pontos percentuais. O mesmo é verdade em outros estados que foram centrais na eleição de 2016, como Michigan. Justamente por isso, o êxito de sua estratégia é duvidoso. Mesmo considerando que as legislações estaduais de voto pelo correio nos Estados Unidos sejam de fato confusas.

Trump, com sua atuação no debate, comprovou a tese da degradação institucional por dentro: ele conseguiu, ao mesmo tempo, degradar a bela instituição dos debates presidenciais, anunciar que não tem intenção de respeitar o resultado eleitoral e confirmar a suspeita de que a nomeação para a Suprema Corte tem objetivos eleitorais.

Joe Biden defendeu suas posições em um debate de poucas ideias

Quanto ao desempenho de Biden, o importante é que ele não se deixou massacrar pelo presidente, e resistiu à fama de mau debatedor. Foi irônico e defendeu suas posições e até mesmo seus filhos em um confronto no qual ideias contaram muito pouco.

Tudo que Biden precisava era mostrar coerência e capacidade de articular e defender suas ideias. Ele o fez, ainda que de forma conturbada. No entanto, o debate de ontem era menos decisivo para Biden do que para Trump. O democrata chegou ao debate em uma posição mais favorável do que a de um Kennedy ou um Reagan, sem precisar inverter a intenção de voto. Estava mais confortável.

Mediação do debate não é o forte da Fox News

Uma observação final. Lamentável o papel do âncora do debate, Chris Wallace, da Fox News. Falhou rotundamente na sua tarefa de garantir que houvesse um debate de ideias. A posição de capacho presidencial que os jornalistas da Fox News assumem em relação à Donald Trump parece ter impedido que ele utilizasse sua autoridade para conter o presidente. Ter chamado a atenção educadamente do “Mr. President” não adiantou.

Apenas depois de uma hora de debate, ele lembrou ao presidente que ele estava desrespeitando as regras com as quais havia concordado anteriormente. Um pouco tarde para um mediador que quer ter o controle da cena.

A esquerda nas eleições de 2020

A esquerda nas eleições de 2020

A esquerda brasileira sofreu em 2016 sua derrota eleitoral mais significativa desde o início do milênio. Essa derrota esteve centrada no PT, mas não se limitou a ele. O PT perdeu 59,4% das suas prefeituras, passando de 630 para 259, praticamente o mesmo número que detinha em 2002 quando Lula da Silva foi eleito presidente. Porém, a derrota em 2016 foi também do PSOL e, em parte, de outras forças de esquerda. Em 2016, o PSOL, com Marcelo Freixo, conseguiu a façanha de disputar o segundo turno na cidade do Rio de Janeiro. Isso chamou a atenção para o partido, mas não relativizou o fato de ter feito apenas duas prefeituras. Ainda assim, a derrota do PSOL foi menor do que a do PT porque conseguiu eleger vereadores de destaques em diversas cidades. Por fim, o PSB e o PDT acabaram sendo os partidos na esquerda que se saíram melhor com reduções (PSB) ou pequenos aumentos (PDT) no número de prefeituras.

A explicação para o fracasso da esquerda nas eleições está ligada ao curto período entre o impeachment de Dilma Rousseff e o escândalo da JBS. Nesse hiato, PMDB e PSDB usufruíram de certa legitimidade entre os eleitores e apareceram como um “campo ético” em oposição à esquerda. Essa visão desmoronou a partir da operação da Procuradoria da República contra a JBS, que teve como alvos Temer e Aécio Neves. A partir daí houve uma desmoralização do campo centrista que ainda não chegou ao final. Esse aggiornamento da opinião dos eleitores pode permitir uma recuperação da esquerda em 2020, mas ainda é cedo para dizer se ocorrerá de fato.

Algumas eleições locais irão determinar a força que a esquerda terá a partir de 2020: na cidade de São Paulo, do Rio de Janeiro e em capitais importantes do Nordeste como o Recife, Fortaleza e Salvador. As eleições paulistanas são o maior indicador tanto das potencialidades quanto dos problemas da esquerda nesta eleição. O PT governou a cidade entre 2013 e 2016 e foi derrotado sem que houvesse um segundo turno. O PT tem, neste ano, um candidato que representa todos os problemas não resolvidos do partido. Jilmar Tatto é a expressão da máquina política, um candidato com bases na região sul da cidade, mas incapaz de apresentar um discurso de renovação. Tatto tem poucos apoios entre a intelectualidade progressista, o que provavelmente limitará sua capacidade de crescimento. Ainda mais relevante, Guilherme Boulos surge no horizonte fazendo sombra ao candidato do PT e com apoio inicial de figuras da esquerda como Frei Betto, André Singer, Chico Buarque e Caetano Veloso. Assim, coloca-se o primeiro desafio da esquerda nas eleições: conseguir recuperar espaço com uma candidatura em São Paulo. Os recursos para fazê-lo estão divididos: de um lado, o PSOL parece ter apoio na intelectualidade e na classe média, ao passo que o PT tem recursos do fundo eleitoral e tempo na TV. A questão é se essa divisão continuará e se impedirá uma recuperação possível da esquerda em 2020.

O Rio de Janeiro tem uma situação completamente diferente. A esquerda jamais foi forte na cidade, apesar de ali ter havido vitórias dos ex-presidentes Lula e Dilma. O mais importante é que há uma diferença qualitativa entre Rio de Janeiro e São Paulo. A capital paulista oscila entre o petismo e o antipetismo, ao passo que o Rio teve hegemonia do PMDB e, ao que tudo indica, tem atualmente uma hegemonia do bolsonarismo em aliança com o judiciário. O período pré-eleitoral mostra o dano que essa aliança é capaz de produzir: a remoção de um governador antes de ele se tornar réu (não vai aqui nenhuma defesa do Witzel); a transformação de Eduardo Paes em réu a menos de 90 dias das eleições e, por fim, a operação contra o advogado do ex-presidente Lula que recebeu o protesto da OAB. Assim, no Rio de Janeiro se coloca um desafio diferente à esquerda: se a forças hegemônicas no estado são capazes de usar a coerção institucional e extra institucional contra os seus adversários.

Vale atentar para algumas das capitais do Norte e Nordeste. Destaco aqui Belém, Salvador, Recife e Fortaleza. Em todas o bolsonarismo perdeu as eleições e a esquerda tem candidatos fortes de diferentes partidos. O PT em Salvador, Recife e Fortaleza. O PSOL em Belém e o PSB em Recife. Em cada uma dessas cidades o bolsonarismo terá candidato forte e a capacidade de a esquerda de se unir em torno de uma candidatura determinará sua resiliência frente ao bolsonarismo. Apenas em Belém PSOL e PT já estão aliados.

A esquerda ainda enfrentará dois temas que determinaram sua derrota em 2018: as corporações de segurança e os grupos religiosos. Na eleição de 2018, candidatos na área de segurança pública mostraram viabilidade eleitoral. A maior parte desses candidatos se identifica com o bolsonarismo. Em pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e publicada no dia 7 de agosto de 2020, 41% dos praças dizem apoiar o presidente. A expectativa de um número grande de candidatos policiais militares já é real. A pergunta é se todas essas candidaturas irão reforçar um campo antiesquerda ou se será possível pensar em candidaturas de membros da corporação militar na esquerda. Ainda é cedo para ter uma visão completa, mas a candidatura da Major Denice para prefeita de Salvador pelo PT pode indicar uma adaptação à realidade dos candidatos corporativos na área de segurança. A ver.

Por último, temos a questão religiosa. Houve de fato um deslocamento dos grupos religiosos na direção da direita. Mas é possível sustentar que não há nada de estrutural nesse posicionamento. Os ex-presidentes Lula e Dilma tiveram o apoio das principais lideranças neopentecostais nas eleições que os consagraram presidentes. A ruptura entre a Igreja Universal e o Partido dos Trabalhadores deu-se durante o impeachment de Rousseff. No entanto, mudanças importantes desde então tornam improvável uma reorientação de curto prazo dos evangélicos, hoje com agendas conservadora e corporativista mais consolidadas. Ainda assim, a chance de os evangélicos se posicionarem em bloco como fizeram em 2018 parece bastante reduzida e o mais provável é que partam para um conjunto de acordos locais, uma vez que enquanto religião o que os caracteriza é uma forte descentralização.

Assim, ainda que o cenário mais provável para a esquerda nas eleições de 2020 seja uma recuperação em relação a 2016, essa recuperação depende de diversas circunstâncias, a mais importante delas sendo a capacidade de o PT entender a diminuição de seu papel na esquerda e reforçar os candidatos promissores do campo. Até este momento, o PT não tem nenhum candidato em primeiro lugar nas capitais. Apenas em Belém, com a coalizão com o PSOL e a candidatura de Edmilson Rodrigues. Ao mesmo tempo, PSOL, PSB e PDT têm candidaturas com chances reais de vitória. Entender esse novo aspecto de uma frente única informal eleitoral será o aspecto decisivo para a recuperação da esquerda em 2020.

As investidas de Bolsonaro na Região Nordeste

As investidas de Bolsonaro na Região Nordeste

As investidas do presidente Jair Bolsonaro no Nordeste não são recentes. Ainda durante a campanha eleitoral de 2018, ele buscou aproximar-se do eleitorado nordestino, fazendo uso de comportamentos simbólicos, como o ato de vestir o chapéu de cangaceiro à proposição de 13º salário a beneficiários do programa Bolsa Família. Havia também uma expectativa de que o Partido dos Trabalhadores (PT) perdesse capital político na região após a prisão do ex-presidente Lula e da agenda de combate à corrupção divulgada amplamente ao longo de campanha presidencial, especialmente pela redes sociais. Entretanto, os acenos não foram suficientes para impulsionar um bom desempenho eleitoral na região.

Mesmo com todos os imbróglios que envolveram a definição da candidatura petista, Bolsonaro viu seu principal adversário, Fernando Haddad (PT), conquistar uma base eleitoral fiel à Lula, obter 68% dos votos válidos no segundo turno, ganhar apoio de aliados nas disputas pelos governos estaduais e sair vitorioso em todos os estados nordestinos. Além do êxito eleitoral de Haddad, o PT também conquistou o governo em quatro estados: Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte e teve apoio de candidatos de partidos aliados nos demais estados.

Embora haja uma associação muito forte entre o PT, Lula e a Região Nordeste, nem sempre os votos petistas estiveram tão identificados com a região. A preferência do eleitorado nordestino pelos candidatos petistas cresceu ao longo dos pleitos eleitorais. Como é possível observar no gráfico abaixo, na eleição de 2002, quando Lula venceu a disputa eleitoral, apenas 25% dos votos obtidos pelo PT se concentrou na Região Nordeste. Esse percentual subiu para 33% nas eleições de 2006 e 2010, e alcançou 37% em 2014, com a reeleição de Dilma Rousseff (PT). Fernando Haddad deu ao PT sua votação mais expressiva até então, 43%.

Gráfico: Porcentagem de votos válidos obtidos pelo Partido dos trabalhadores (PT) na região Nordeste (2002-2018)
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

O crescimento do PT no Nordeste está muito atrelado a adoção de políticas substantivas, especialmente às políticas sociais que impulsionaram mudanças estruturais na região. Desta forma, não há dúvidas, por exemplo, quanto à efetividade e importância do Bolsa Família, considerado um programa de transferência de renda importante e bem sucedido, e que contribuiu para a redução da extrema pobreza, conforme dados do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2015. Do ponto de vista estratégico, Bolsonaro poderia ter utilizado essas políticas para se reaproximar dos eleitores nordestinos, mas não o fez, pelo contrário. Além dos cortes realizados anteriormente, em plena pandemia o governo federal autorizou cortes em 158 mil beneficiários, sendo 61% deles concentrados na Região Nordeste. A situação foi revertida e suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após ação dos governadores. Aqui, fica evidente que o Bolsa Família não estava sendo cogitado como alternativa para a criação de uma ponte em Bolsonaro e os eleitores nordestinos.

Entretanto, com a execução do auxílio emergencial, ele pode perceber melhora na sua popularidade e um espaço para novas investidas na região. Sua estratégia é eleitoral, com antena voltada para 2022. Mas se prender ao auxílio é pouco, pois tem prazo de validade, e parte significativa de sua base eleitoral não é muito afeita a programas de transferência de rendas.

Então, porque novas investidas na Região Nordeste diante deste cenário? Apesar das pesquisas de opinião apontarem favoritismo de Bolsonaro, o caminho que o leva à reeleição ainda é longo. Ele precisa de um partido, apoio político no âmbito do legislativo que garanta sua governabilidade até o final do mandato e ampliar sua base de apoio em redutos que foram avessos a ele na última eleição. Bolsonaro tem oferta para se filiar a alguns partidos – inclusive com chances de voltar ao PSL, mas nada definido. Ademais, o Nordeste é um campo fértil para crescer e ampliar base de apoio. A região concentra praticamente ⅓ dos parlamentares do Congresso Nacional, ou seja, além da aproximação mais recente de algumas lideranças de partidos da centro-direita na Câmara dos Deputados, ampliar sua base de apoio entre prefeitos e vereadores será um diferencial. Isso contribui, inclusive, para que possa apoiar aliados na disputa pelos governos estaduais em 2022. Seu objetivo é chegar em lugares, hoje, ocupados pela esquerda na região, e dos nove governadores nordestinos, apenas três deles poderão concorrer à reeleição.

Ou seja, as novas investidas na Região Nordeste apenas começaram, há muito mais por vir.

Bolsonaro: um bom cabo eleitoral?

Bolsonaro: um bom cabo eleitoral?

Uma das possibilidades abertas pelo resultado das eleições de 2018 era a de manutenção da onda ultra conservadora no país, puxada pelo prestígio de Jair Bolsonaro, com reflexos na eleição de 2020. Esse não parece ser mais o caso.

O atual presidente perdeu aliados desde então. Em especial entre setores liberais, nas turmas do mercado e da Lava Jato. Guedes é hoje um ministro enfraquecido e o governo sonha em furar o sacrossanto teto de gastos. Moro se foi e a agenda do Planalto nesta área se resume em tentar conter os danos causados pela família e agregados.

Muitos sonharam, outros tiveram pesadelos, com um exército bolsonarista “puro sangue” disposto a tomar prefeituras pelo país afora – o tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral e os 199 milhões de reais do PSL no fundo eleitoral ajudariam bastante. Mas o Presidente rompeu com o partido, viu sua bancada na Câmara rachar ao meio e fracassou na viabilização da alternativa, a Aliança pelo Brasil. Em uma palavra, um desastre: afinal, o melhor caminho para assumir protagonismo em uma eleição é ter um partido à mão.

Bom, mas agora temos não um, mas os vários partidos do Centrão, um bloco no qual, segundo o General Heleno, se “gritar pega ladrão (…)”. Cultura musical a parte, a aproximação com o Centrão foi articulada em um contexto em que se temia o impeachment e pode evoluir para algo mais amplo, mas não resolve a falta de instrumentos eleitorais. O problema é que a fragmentação partidária, associada à proibição de coligações nas eleições proporcionais e a uma cláusula de desempenho de 2% em 2022, tende a acirrar a competição entre os partidos.

Dito de outro modo, nestas eleições todas as legendas serão ainda mais incentivadas a preservar e ampliar suas bases obedecendo estritamente a cálculos locais. Isso complica a convivência eleitoral entre os membros do Centrão, bem como entre estes e outros tantos partidos de perfil conservador, e tende a limitar os movimentos do Planalto. O cenário pode tornar-se mais claro onde houver segundo turno. Mesmo assim o apoio de Bolsonaro dependerá de não haver conflito entre partidos do Centrão ou entre estes e um candidato de perfil igualmente conservador.

Nesse caso, cabe perguntar se Bolsonaro seria um bom cabo eleitoral. Pelo que sabemos, a população encontra-se dividida quanto à atuação do Presidente na pandemia. Na pesquisa DataFolha realizada em agosto, 47% o isentaram de responsabilidade pelas mais de cem mil mortes, 11% o consideraram o principal culpado e 41% lhe atribuíram alguma culpa. Na XP/Ipespe, realizada entre 8 e 11 de setembro, 49% consideraram sua atuação na pandemia ruim ou péssima, 28% ótima ou boa e 19% regular.

No que diz respeito à avaliação do governo, pela primeira vez desde agosto de 2019 a avaliação positiva supera a negativa nas duas pesquisas citadas e na mais recente do Ibope (17 a 20 de setembro), com o percentual de ótimo/bom variando de 37% a 40%. A pesquisa Ibope revela também que 50% aprova a maneira do Presidente governar, ainda que em sete das nove áreas de atuação pesquisadas o percentual dos que desaprovam supere o dos que aprovam com diferenças que vão de 8 a 39 pontos.

Uma pesquisa do DataFolha para a cidade de São Paulo (realizada em 21 e 22 de setembro) mostra que apenas 11% votariam com certeza em um candidato à Prefeitura indicado pelo Presidente, enquanto 64% não votariam de jeito nenhum. Cabe lembrar que, na pesquisa de agosto do mesmo instituto, apenas 22% diziam confiar sempre no presidente e 41% afirmavam não confiar nunca – nas seis pesquisas anteriores do Instituto a média do que disseram nunca confiar foi de 40,6% e dos “confiantes” 20,3%. A diferença entre estes índices e os de aprovação, na pesquisa de agosto, salta aos olhos e permite afirmar que se o auxílio emergencial impactou na avaliação do governo, não se pode dizer o mesmo sobre a confiança no presidente.

Tudo somado, dois pontos ficam claros. Em primeiro lugar, o fiasco da Aliança pelo Brasil fez com que na errática estratégia de Bolsonaro para 2022 a eleição municipal ficasse relegada a um papel residual. Em segundo, quando vier a ocorrer, o mais provável é que uma sinalização do Presidente funcione como variável definidora do voto apenas entre seus apoiadores mais fiéis, o que seria chover no molhado. Mas, é claro, a depender da situação – de que município se trata e do grau de competitividade da disputa – este apoio de Bolsonaro pode influenciar no resultado.