O PT perdeu. O que vai ser do partido em 2022?

O PT perdeu. O que vai ser do partido em 2022?

Neste pós-eleição, muito tem se comentado sobre a derrota do PT. Sobram análises que apostam em um fim de linha ou sustentam que o partido perdeu a posição de maior legenda da esquerda brasileira. Das duas uma: ou são mal informadas ou enviesadas.

É óbvio que o PT se deu mal nas urnas. Parte do resultado deve ser creditada à orientação tática emanada da Direção Nacional. Mas só parte, já que os erros vêm se acumulando há tempos. Não é possível entrar a fundo no tema, por isso aqui vai apenas uma síntese.

Enquanto foi governo, o PT errou tanto ao deixar acontecer e se envolver, desde os tempos de Lula, em esquemas de desvios de recursos públicos, como também na condução da política econômica sob Dilma. Reconhecer tais fatos não implica em compactuar com a hipocrisia.

Muitos dos candidatos que nesta eleição aproveitaram-se dos resultados da Lava Jato para atacar o PT tiveram os seus partidos chafurdando na mesmíssima lama. Mais ainda, vale lembrar que durante 2015 o governo Dilma teve todas as suas iniciativas voltadas para o enfrentamento da crise econômica bloqueadas na Câmara, sob a batuta de Eduardo Cunha e com o prestimoso auxílio de todos os partidos que, sob Temer, se juntariam para “salvar” o país.

Após o impeachment de Dilma o partido continuou errando. Primeiro, ao se prender à narrativa do golpe. Sem entrar, por uma questão de espaço, na discussão sobre o processo de interrupção do mandato da petista, o fato é que a denúncia do golpe serviu para dizer que tudo era culpa dos outros (golpistas, traidores, etc.) e com isso bloquear qualquer tentativa de discussão interna sobre onde o partido havia errado.

Os erros se mantiveram após os processos e a prisão de Lula. A evidente parcialidade, para não dizer má fé, de Moro e Dallagnol não justifica que toda a ação política do partido, a começar pela candidatura de Fernando Haddad, tenha se tornado caudatária da necessidade de resgatar a imagem de sua maior liderança.

A sequência de erros serviu para blindar, internamente, a direção partidária. Isso explica por que o núcleo dirigente articulado em torno de Lula teve condições de colocar a cereja no bolo – a tática para as eleições de 2020. Ignorando todo o desgaste acumulado e a força do antipetismo, o partido decidiu priorizar o lançamento de candidaturas próprias pelo país afora. O resultado foi ruim.

Mas daí a decretar o “colapso” do PT vai uma enorme distância. É certo que o partido perdeu prefeituras e teve menos vitórias que PSB e PDT, para ficar em uma comparação com outras legendas situadas à esquerda do espectro partidário brasileiro. Mas vale lembrar que isso já havia acontecido em 2016 e, no entanto, Haddad teve cerca de 18 milhões de votos a mais do que Ciro Gomes em 2018.

Eleições municipais são importantes, mas não dizem tudo. Também em 2018, depois do desastre de 2016, o PT fez a maior bancada da Câmara, elegendo 28 e 24 deputados a mais do que PDT e PSB respectivamente. No Senado, foram quatro petistas, dois pedetistas e dois socialistas.

Apesar das derrotas, não se pode falar em colapso nas eleições de 2020. Depois de ficar com os “grotões” em 2016, o PT começou a recuperar a competitividade nas grandes cidades. Elegeu cinquenta vereadores nas capitais, a segunda colocação entre todos os partidos. Em São Paulo, vai dividir a condição de maior bancada na Câmara com o PSDB, apesar de alguns analistas terem dito que o partido fora “varrido” da capital paulista. Nos municípios com mais de 200 mil habitantes, passou de quatro para sete prefeituras, o melhor desempenho entre a esquerda.

Foi o partido com maior presença no segundo turno e o único, novamente dentre as siglas de esquerda, a disputar nas cinco regiões do país. Mas perdeu 11 em 15. Sim, e quem se der ao trabalho de verificar a votação do partido nestas cidades vai perceber que, em média, seus candidatos obtiveram mais de 44% dos votos – apenas em Caxias do Sul e Anápolis, a candidatura petista não alcançou 40% dos votos. Perder é do jogo, mas não conta toda a história – o partido saiu bem votado.

Deixando as eleições de lado, e segundo levantamento do G1 realizado em junho de 2019, o PT é o partido com maior número de Diretórios Municipais no país. São cerca de 2.900, um número consideravelmente maior do que o PSB (cerca de 800) ou o PDT (cerca de 600). Possui também muito mais militantes: em 2019, 350 mil filiados votaram nas eleições internas, algo impensável para o padrão dos partidos brasileiros. Isso para não mencionar toda uma geração de dirigentes, intelectuais e quadros técnicos experimentados em anos de boas administrações públicas nos três níveis da federação – o que, diga-se de passagem, evidencia o absurdo dos que, ao analisar a eleição sob a ótica dos “extremos”, insinuam alguma equivalência entre PT e Bolsonaro .

O capital político petista não pode ser desconsiderado. Pelo contrário, ele ajuda a explicar porque, apesar de toda a crise vivenciada desde 2015, 16% da população brasileira – segundo pesquisa realizada em outubro pelo projeto “A Cara da Democracia no Brasil” – identifica-se com o partido. Em comparação, 1% se identificam com o PSB ou o PDT. A este respeito, não custa lembrar que Ciro Gomes é um neo-pedetista: antes passou por PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB e PROS.

O PT perdeu. Entre outras coisas, perdeu a condição de ditar unilateralmente os rumos da esquerda no Brasil e vai ter que aceitar esse fato. Isso significa que a cabeça de chapa em uma frente de centro-esquerda para 2022 encontra-se em aberto, sem pré-condições. Mas engana-se quem pensa que o partido pode ser descartado. Uma frente sem o PT nasce manca e não vai longe.

Três perguntas de 2020 para 2022

Três perguntas de 2020 para 2022

Carlos Ranulfo Melo*

Terminadas as eleições, três questões ficam no ar: qual a dimensão da derrota de Bolsonaro? Quais as perspectivas do campo de centro-direita? Como a esquerda vai chegar em 2022?

Há um consenso: Bolsonaro perdeu. Começando pelas derrotas de repercussão nacional em São Paulo e Rio de Janeiro e terminando pelas 44 lives apoiando vereadores em diferentes rincões do país, o personagem que venceu em 2018 deu vexame.

Não se sabe ao certo se ele entendeu o recado, mas de todo modo a onda que o elegeu não se apresentou para o embate. Com algumas exceções, predominou uma busca por estabilidade, experiência e responsabilidade.

Nada que não se esperasse, afinal eram eleições locais e em meio a uma pandemia. Mas foram muitos os que tentaram reeditar o espírito de dois anos atrás. Na esmagadora maioria das vezes, fracassaram.

Bolsonaro pode argumentar que seus aliados se saíram bem. É verdade. Segundo levantamento do G1, partidos do Centrão, “vão comandar quase metade dos municípios do país” e, como já adiantaram lideranças do Progressistas, o atual presidente seria muito bem recebido na legenda.

Bolsonaro pode mergulhar de cabeça na “velha política” e aceitar o preço cobrado pela reeleição, mas é uma manobra difícil. Ainda que sua base mais radical aceite o gesto como uma dose necessária de sacrifício, o resultado pode ser caricato se Bolsonaro começar a pedir a todos que esqueçam seus inúmeros terraplanismos.

O problema é que tem coisas que “nem o dinheiro paga”. Uma delas é o apoio a um governo fracassado. Durante um tempo Bolsonaro enganou liberais, com Guedes, e lavajatistas, com Moro. Agora só engana os que não querem ver e as perspectivas não são boas.

No plano internacional, isolamento quase absoluto após a derrota de Trump. No plano interno, a insistência em levar a irresponsabilidade diante da pandemia ao paroxismo, minimizando a importância da vacina, e a ausência de qualquer plano minimamente coerente para lidar com a grave crise econômica e social que o país tem pela frente, projetam um cenário muito turbulento. Os “companheiros” do Centrão são pragmáticos e sabem que não vai dar para culpar o PT e o comunismo no caso de um fracasso.

Isso leva à segunda questão. De novo, uma obviedade: para além do Centrão, os partidos DEM, PSDB e MDB também têm muito a comemorar, apesar da diminuição no número de prefeituras conquistadas pelos dois últimos. Este conjunto de partidos compõe o que se pode caracterizar como um amplo campo de centro-direita no país. Um grupo que andou por um tempo sob o guarda-chuva tucano, “rachou” durante o período petista, se reagrupou sob Temer e Maia, e ensaia nova separação na disputa pela Presidência da Câmara.

Aqui o futuro encontra-se conectado à sorte do governo. Caso o naufrágio torne-se por demais evidente, a centro-direita pode se reagrupar, deixando isolados Bolsonaro e os seus. Caso contrário, ou seja, se o presidente mantiver o nariz fora d’água, com perspectivas de chegar ao segundo turno de 2022, um novo “racha” se produzirá.

Em qualquer dos casos, o Centrão se comportará como linha auxiliar ou, como preferem dizer suas lideranças, como fiador da governabilidade, seja apoiando Bolsonaro, seja chancelando o nome que sair das tratativas entre PSDB e DEM. Nesse último caso, o problema do campo está na construção de uma candidatura competitiva. Como bem disse FHC, a alternativa mais saliente, João Doria, é apenas uma liderança paulista. E contestada, como a campanha de Covas para a Prefeitura de São Paulo tratou de evidenciar.

Finalmente, a esquerda. No cômputo geral, foram 291 vitórias a menos que em 2016, um recuo de 26,6%. Nos municípios com mais de 200 mil habitantes um quadro semelhante, com queda de 23%: eram 26 em 2015 e agora foram vinte. PCdoB e PSB registraram os maiores reveses, com quedas de 44% e 39% no número de prefeituras. A situação se repete nas maiores cidades: os comunistas perderam as duas que administravam e os socialistas caíram de 13 para apenas seis.

O PDT saiu da eleição mais ou menos do mesmo tamanho. O PT viu seu número de vitórias reduzir em 28%, mas avançou nas grandes cidades, subindo de quatro para sete. O partido mostrou-se mais competitivo: foi a legenda com maior presença no segundo turno e o segundo colocado em número de vereadores eleitos nas capitais. Com Belém, o PSOL marcou sua estreia à frente das capitais.

No conjunto, a esquerda mostra-se dependente do Nordeste. Na região, que detém 32% dos municípios brasileiros, foram eleitos 49% de seus prefeitos, além de quatro de suas cinco capitais. Pelo país afora, destacaram-se os excelentes desempenhos de Boulos e Manoela.

A essa altura do campeonato, e até onde a vista alcança, parece que a configuração de uma ampla frente contra Bolsonaro em 2022 vai ficar para o segundo turno. Tal probabilidade aumentará no caso de um fracasso do governo. Nesse quadro, a esquerda tem bala na agulha para um bom desempenho e comparada à centro-direita tem mais nomes de projeção nacional.

Mas algumas perguntas se impõem. Ciro Gomes topa conversar ou encontra-se apenas à espera de um vice? O PT percebeu que os tempos mudaram ou vai deixar que o núcleo em torno de Lula continue impondo escolhas equivocadas? Qual o lugar de Boulos em uma composição a ser feita?

Das respostas dependerá o papel da esquerda em 2022. A julgar pela postura dos partidos no Congresso e pelo quadro de 2020, PSB e PDT estão cada vez mais próximos do centro e mais distantes de PT e PSOL. A se configurarem duas chapas pela esquerda, aumenta a probabilidade de um segundo turno à direita. A ver como se desenrolam as conversas.

Por que a fragmentação não diminuiu nas capitais?

Por que a fragmentação não diminuiu nas capitais?

Uma das expectativas que a eleição deste ano gerou foi a de que haveria uma diminuição na fragmentação partidária nas Câmaras Municipais. A razão para tanto estava na proibição das coligações para as eleições legislativas, o que obrigou cada partido a lançar uma chapa própria, e bloqueou aquela que sempre foi uma das vias de acesso das legendas mais fracas ao legislativo – a carona nos partidos eleitoralmente mais fortes.

No entanto, isso não aconteceu. Ou pelo menos não aconteceu nas capitais, onde o número de partidos nas Câmaras manteve-se mais ou menos o mesmo, sofrendo apenas pequenas oscilações. É preciso entender o que aconteceu e tentar explicar. Para situar o leitor, a tabela a seguir mostra quantos vereadores cada município elege – a menor Câmara é a de Vitória, com 15 vereadores e a maior, São Paulo, tem 55 – e quantos partidos conquistaram pelo menos uma das vagas em 2020.

As Câmaras nas capitais: número de vagas e de partidos – 2020

Um rápido passeio pela tabela basta para que a fragmentação salte aos olhos. Em Vitória e Palmas o número de partidos aproxima-se do total de vereadores. Apenas em 8 capitais – Florianópolis, Belém, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo – chega-se a uma proporção de dois vereadores para cada partido e somente a última ultrapassa três vereadores por partido.

A figura seguinte explora o fenômeno com outros dados. Nela é comparada a situação das Câmaras, levando em conta os valores médios de quatro fatores para os anos de 2016 e 2020. A fragmentação é dada pelo índice de fracionalização (F), um indicador clássico da Ciência Política. Seu valor vai de 0, situação em que um mesmo partido detém todas as vagas, a 1, quando cada vereador pertence a um partido diferente. Os outros fatores são auto explicativos: o percentual de bancadas compostas por um vereador e das que possuem pelo menos 10% das cadeiras, além da proporção entre vereadores e partidos. Todos os valores representam a média dos valores encontrados para as 25 Câmaras.

A fragmentação nas Câmaras Municipais. Valores médios para 2016 e 2020

Como se pode perceber, os valores médios para F são exatamente os mesmos! Mais do que uma coincidência, o resultado das urnas, nas duas eleições, gerou um quadro muito parecido em todas as Câmaras, sem exceção. Em 2016, Vitória apresentou o menor índice, com 0,85, enquanto BH e Goiânia chegaram a 0,95. Em 2020 foi a vez de Rio Branco e Recife apresentarem o menor índice – 0,87 – ao passo que Belém e, novamente, BH foram a 0,95. Mesmo nas menores Câmaras, a variação de um ano para outro foi pequena e na maior parte das vezes para cima: em Vitória foi de 0,85 para 0,91 e em Palmas, Maceió e Porto Velho, de 0,86 para 0,88. Diminuição só mesmo em Rio Branco – de 0,92 para 0,87. Em resumo, pouco ou nada mudou.

Impressiona também o contraste entre o percentual de partidos que elegeram apenas um vereador e aqueles com pelo menos 10% dos representantes eleitos. Em mais de 50% dos casos não faz sentido “reunir a bancada”. E, novamente, a mudança de 2016 para 2020 é mínima. De fato, as grandes bancadas de vereadores nas capitais em 2020 podem ser contadas nos dedos. O PSB com 12 vereadores em Recife, o PDT com 10 em Fortaleza, PT e PSDB com oito cada em São Paulo; DEM, PSOL e Republicanos com sete cada no Rio de Janeiro, e o MDB com seis em Goiânia. Por fim, dividindo o total de vereadores eleitos – 970 – pelo número de representações partidárias nas Câmaras, descobrimos que, a depender do ano, em média a cada 1,86 ou 1,92 vereadores “constituiríamos” um partido.

Esperava-se menor fragmentação. Por que não ocorreu? Há duas explicações possíveis. Uma aponta para o aumento do número de candidatos a prefeitos: prevendo dificuldades para eleger seus vereadores, os partidos teriam sido estimulados a lançar candidaturas próprias ao Executivo municipal para, com isso, “puxar” a votação na legenda. Mas não se deve apostar que uma legião de candidatos a prefeito com votações irrisórias tenha “puxado” alguma coisa.

O mais provável é que a manutenção da fragmentação em níveis elevados seja explicada pela própria situação do sistema partidário nos municípios. A nível local a atomização é ainda mais intensa do que a observada no plano federal. Com uma ou outra exceção, na disputa por vagas nas câmaras municipais já não se pode falar em partidos eleitoralmente mais fortes: legendas nacionalmente relevantes, DEM, PSDB ou PT, enfrentam quase que ombro a ombro aquelas que costumeiramente são designadas como “nanicas” no Congresso. A fragmentação nas capitais deverá, com o tempo, ser revertida. Mas seguirá a reboque do efeito que o fim das coligações, aliado à cláusula de desempenho, terá sobre o sistema partidário nacional.

Vereadores nas capitais: o desempenho dos partidos em um quadro de fluidez

Vereadores nas capitais: o desempenho dos partidos em um quadro de fluidez

O quadro nas capitais é semelhante ao do restante do país, no que se refere ao crescimento do DEM e do PSD, assim como ao recuo do MDB e do PSDB. Mas há uma diferença: o PT cresce e é o segundo em número de vereadores eleitos.

O vereador das capitais é peça importante no sistema político brasileiro. Por um lado, trata-se de valioso ativo eleitoral para os partidos. Por outro, é uma das portas de entrada para a carreira – um bom mandato na capital costuma marcar o início de uma trajetória política; já um tropeço neste estágio geralmente significa final de caminho.

Qual a situação das câmaras nas capitais após o resultado das eleições deste ano? Na primeira figura, o desempenho dos partidos em 2020 é comparado ao de 2016. Foram consideradas apenas as legendas que elegeram pelo menos 25 vereadores nas referidas cidades em 2020.

Os 17 partidos representados na figura vão ocupar 631 (65%) das 790 vagas existentes nos legislativos das capitais. Outros 12 partidos conquistaram o restante. O quadro geral é de fragmentação. As 53 cadeiras angariadas pelo partido de melhor desempenho, o Republicanos, representam 6,7% do total.

Os partidos estão dispostos levando em conta o desempenho em 2020. Em termos absolutos, DEM e Republicanos apresentaram o maior crescimento em relação a 2016, com um acréscimo de 19 e 18 vereadores(as) respectivamente. Avante (ex- PT do B), PSL e PT conquistaram pelo menos dez vagas além do que tinham há quatro anos.

Merecem destaque o fraco desempenho do PSL, se considerarmos as perspectivas abertas pelo resultado de 2018, e a boa performance do PT, que em 2016 havia ficado em sexto lugar nas câmaras das capitais. PSOL, PSD, PP e Cidadania cresceram entre oito e quatro cadeiras. Patriotas (fusão de PRP e PEN), PDT, PSC e PL pouco se mexeram. Na outra ponta, MDB, PSDB, PSB e Podemos foram os partidos com maiores perdas – 23, 18, 13 e seis respectivamente.

Levando em conta os campos ideológicos e considerando estes 17 partidos, o quadro nas capitais reflete o cenário nacional. Partidos situados à direita (PSL, Avante, Patriotas, DEM, PP, PSD, PL e PSC) ganharam espaço e passaram de 223 para 305 cadeiras. O centro (MDB, PSDB e Cidadania) cedeu terreno, elegendo 103 vereadores, 45 a menos do que em 2016. E a esquerda “patinou”, passando de 160 para 166 – um crescimento anulado quando se leva em conta o recuo de sete cadeiras do PC do B, que não consta da tabela.

A distribuição regional

Dentre as legendas aqui consideradas, nenhuma conseguiu eleger vereadores em todas as capitais. Quem chegou mais perto foi o Republicanos, ausente apenas na Câmara de Rio Branco. A seguir vem PT e PSD, presentes em 22 dos 25 municípios aqui considerados. O MDB elegeu vereadores em 19 capitais e o PSDB em 18.

A tabela a seguir mostra a distribuição regional dos vereadores eleitos pelos partidos aqui considerados. A distribuição fornece uma ideia aproximada do grau de nacionalização das legendas. Como o total de vereadores é muito diferente a depender da região, a solução foi apresentar o desempenho de cada partido como um percentual das cadeiras disponíveis. Na primeira linha, entre parênteses, está o total de vereadores eleitos em cada região.

Na região norte, os partidos com melhor desempenho são Republicanos, MDB, Podemos e PSDB. Também é nesta região que o primeiro e o último alcançam seus melhores percentuais. O Nordeste é a região da esquerda: alí PDT, PSB e PT ostentam os melhores índices. Dos 45 vereadores eleitos pelo PDT no Brasil, 27 vieram da região, sendo 10 de Fortaleza. No caso do PSB, a região foi responsável por mais da metade dos eleitos no país – 22 em 38, sendo 12 em Recife. Já a bancada de 20 vereadores do PT encontra-se mais dispersa pela região. O MDB possui o melhor desempenho no Centro-Oeste, concentrando-se em Goiânia; a seguir vem o PSD e, novamente, o Republicanos. O PSOL é o destaque no Sudeste, com fortes bancadas nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo – o mesmo acontece com o DEM, que divide a segunda colocação regional com o PT, que concentra suas forças na capital paulista. Finalmente, no Sul o DEM tem sua melhor performance, com 10,3% dos vereadores eleitos, seguido por PT, PSD e PSOL.

Um quadro de fluidez

A força na Câmaras Municipais é um bom indicador da capilaridade dos partidos, mas é preciso considerar um “detalhe”: a extrema fluidez do quadro partidário municipal no Brasil. Um levantamento da Folha de São Paulo mostra que “66% dos candidatos [vereadores] que disputam novamente a eleição estão em outro partido em 2020”. A fluidez é marcante mesmo nas capitais e a tabela a seguir fornece um quadro sintético da situação.

O percentual de novos vereadores (renovação bruta) como resultado da eleição de 2020 foi, em média, de 58,3%. Em Vitória, o percentual chegou a 80%. Por outro lado, dentre os reeleitos, 56,6% haviam mudado de partido em relação a 2016. Em Palmas, todos o fizeram. O resultado é que entre uma eleição e outra a composição partidária das câmaras municipais costuma alterar-se de forma radical. Por isso, a eleição de vereadores nas capitais é um sinal de força dos partidos, desde que os eleitos mantenham seus mandatos e permaneçam nas legendas.

Não votaria “de jeito nenhum”: Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais

Não votaria “de jeito nenhum”: Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais

Carlos Ranulfo Melo*

Qual a influência de Lula e Bolsonaro sobre os eleitores nessa eleição? Com base em pesquisa nacional realizada pelo projeto “A cara da democracia: eleições 2020”, este artigo compara o desempenho dos dois líderes como cabos eleitorais. A pesquisa foi realizada por telefone, entre 24 e 30 de outubro, entrevistou duas mil pessoas e tem margem de erro de 2,2%.

Para avaliar a influência de Lula e Bolsonaro foi utilizada a seguinte pergunta: “Pensando na eleição para prefeito, o sr.(a) votaria em um candidato apoiado por________”? A figura a seguir mostra o resultado.

Como se percebe, a diferença é pequena, ainda que Lula se saia um pouco melhor – 23,4% disseram que votariam com certeza, enquanto 19,6% fariam o mesmo sob a influência de Bolsonaro. Agregando-se a este percentual o dos que “poderiam votar”, Lula chega a 47,9% e Bolsonaro a 43,5%. Por outro lado, 44,5% não votariam “de jeito nenhum” em um nome indicado pelo petista e 48,5% teriam o mesmo comportamento diante de uma indicação do atual presidente.

Nas duas figuras seguintes, é analisado o perfil dos que afirmaram não votar “de jeito nenhum” em um candidato apoiado por Lula ou por Bolsonaro. Ao se levar em conta a distribuição dos entrevistados por região do país, idade, sexo, educação e renda, percebe-se que onde Lula se sai melhor é justamente onde Bolsonaro tem mais dificuldades.

A próxima figura tem como objetivo evidenciar o contraste, utilizando, para tanto, o percentual dos que não votariam em candidatos apoiados por Lula ou Bolsonaro no Nordeste, entre os jovens de 16 a 24 anos, entre as mulheres, entre os que têm renda familiar de até dois salários mínimos e entre os que chegaram a completar o ginásio.

No Nordeste, Lula tem sua menor rejeição: 31,9% afirmam não votar de jeito nenhum em um candidato por ele indicado, enquanto 60,8% votariam ou poderiam votar. Já Bolsonaro encontra maior resistência: 54,5% rejeitariam sua indicação, enquanto 39,1% votariam ou poderiam votar. Nas demais regiões, o percentual dos que rejeitam uma indicação de Lula varia entre 46% e 50%. Bolsonaro tem melhor trânsito no Centro-Oeste, onde 58,4% dos entrevistados votariam ou poderiam votar e 39,1% não o fariam de forma alguma.

Dentre os jovens (16-24 anos), 60,4% rejeitariam uma indicação de Bolsonaro – a rejeição diminui entre os mais velhos, com pouca variação entre as faixas de idade. Nessa mesma faixa etária encontra-se o público mais receptivo a Lula: 59% votariam ou poderiam votar, enquanto 33,2% não o fariam. A rejeição sobe com a idade, ainda que não o faça linearmente, e aqueles com mais de 60 anos são os mais arredios ao petista.

Também quando se considera o sexo, opera-se uma inversão. A rejeição de Lula entre as mulheres é de 40,5% e entre os homens de 48,8%. Para Bolsonaro os percentuais são de 53,7% e 43,1% respectivamente.

Entre aqueles cuja renda familiar vai até dois salários, 53,5% não seguiriam uma indicação de Bolsonaro e 41,1% fariam o mesmo no caso de Lula. A situação se inverte quando são considerados aqueles com mais de dez salários: a rejeição a Bolsonaro diminui em 16,1 pontos percentuais enquanto a de Lula cresce 9,1 pontos. As trajetórias são lineares; a cada faixa de renda a rejeição sobe ou desce, a depender do caso.

Por fim, o quadro se repete com a variável educação. Entre os que cursaram até o ginásio, 40% não votariam com Lula. A partir daí a rejeição cresce e chega 49,2% daqueles com  ensino superior (mesmo incompleto). Dentre os de menor nível educacional, 52,1% não aceitariam uma indicação de Bolsonaro, mas 47,7% o fariam entre aqueles com ensino superior.

Na próxima figura, são levados em conta aspectos políticos ou comportamentais dos entrevistados. Como seria de se esperar, 72,9% dos que não votariam de jeito nenhum com Lula, estiveram com Bolsonaro na eleição de 2018. O que chama a atenção é que dentre os eleitores do atual presidente da República, 20,1% já o descartam como cabo eleitoral.

O quadro é semelhante quando se considera a aprovação do governo Bolsonaro ou sua atuação frente à pandemia. Entre os que rejeitam Lula, 64,2% aprovam o governo e 46,9% consideram ótima ou boa a atuação de Bolsonaro no enfrentamento da COVID 19. Para efeito de comparação, os dados gerais da pesquisa indicam uma aprovação de 40,6% do governo, enquanto 31,2% classificaram sua atuação na pandemia como ótima ou boa. Entre os que não votariam em um candidato indicado por Bolsonaro, 12,6% aprovam o governo e 9,7% a condução das ações na pandemia.

Por fim, as duas últimas colunas mostram que os que rejeitam Lula compõem um conjunto mais autoritário e conservador. Quando considerados todos os entrevistados, 22,2% consideram justificado um golpe de estado em caso de muita corrupção no país;  entre os que rejeitam Lula o percentual sobe para 30,3% e entre os que não votariam com Bolsonaro cai para 15,4%.

Perguntados sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, 43,5% dos entrevistados discordaram e 56,5% concordaram. Entre os que rejeitam Lula a discordância sobe para 52,1%. Entre os que não votariam no candidato de Bolsonaro, ela cai para 29,2%.

Para além do contraste evidenciado em todos os aspectos aqui examinados, os dados mostram a dificuldade encontrada por Bolsonaro no Nordeste e entre a população de menor nível educacional e mais pobre. Uma última evidência nesse sentido: entre quem teve alguém da família beneficiado por pelo menos uma parcela do auxílio emergencial, 51,2% rejeitariam uma indicação de Bolsonaro, enquanto 41% fariam o mesmo com Lula.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2011. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%.