Juntas e misturadas: política e religião no Brasil 2020

Juntas e misturadas: política e religião no Brasil 2020

Oswaldo E. do Amaral e Monize Arquer*

Em tempos de polarização ideológica em vários países, o mantra “política e religião não se discutem” voltou a ser dito em várias reuniões de família como forma de evitar aquela briga desagradável que separa irmãos, primos, etc., e acaba com a festa muitas vezes antes mesmo da sobremesa. Em 2017, pesquisadores nos EUA chegaram a demonstrar que a tradicional reunião do Dia de Ação de Graças por lá tendia a durar de 20 a 30 minutos menos quando as famílias misturavam republicanos e democratas.

Apesar do mantra e das boas intenções dos que não querem ver as reuniões de família consumidas por discussões intermináveis e nem sempre amistosas, cada vez mais política e religião estão conectadas no Brasil e sua relação deve ser discutida e analisada. Neste espaço, por exemplo, já mostramos como vem crescendo o número de candidatos que utilizam títulos religiosos (pastor, bispa, padre, etc.) na identificação de urna. Em tempos de campanhas eleitorais cada vez mais curtas, esse aumento indica que os candidatos julgam ser importante comunicar essa informação para o eleitor tomar sua decisão.

Uma série de trabalhos acadêmicos mostra que há alguns padrões de comportamento político e eleitoral específicos entre alguns grupos religiosos. Em 2018, por exemplo, o então candidato Jair Bolsonaro recebeu o apoio das principais lideranças evangélicas do país e foi muito bem votado nesse segmento. Estudos mostraram que ser evangélico dobrava a chance de votar em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais com relação aos católicos. Para além disso, pesquisas realizadas pelo Ibope durante a eleição presidencial e disponíveis no banco de dados do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp mostraram também que o antipetismo era maior entre os evangélicos do que entre os católicos.

Pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”

E em 2020? É possível distinguir preferências políticas a partir da filiação religiosa dos entrevistados? Tentamos responder a essa pergunta usando a recente pesquisa “A Cara da Democracia – Eleições 2020”, realizada pelo INCT – Democracia e Democratização das Comunicações, um consórcio de universidades e pesquisadores financiado pelo CNPq e pela Fapemig. A pesquisa foi realizada com dois mil entrevistados em todo o Brasil entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro, e possui margem de erro de 2,2 pontos percentuais e Índice de Confiança de 95%.

Apoio ao Governo Bolsonaro é maior entre evangélicos

Começamos com aspectos relativos às eleições de 2020. Perguntados se poderiam votar em um candidato para prefeito indicado pelo ex-presidente Lula, 42% dos católicos (51% do total da amostra) e 52% dos evangélicos (23% do total) disseram que não votariam de jeito nenhum em uma pessoa indicada pelo líder petista. Quando o cabo eleitoral foi Jair Bolsonaro, o sentido se inverteu: 36% dos evangélicos e 47% dos católicos declararam que não seguiriam de forma alguma uma indicação do atual presidente.

Lógica semelhante foi encontrada no nível de aprovação da administração Bolsonaro: entre os evangélicos, o governo contou com a aprovação de 52% e, entre os católicos, de 42%.

Já com relação à preferência partidária, os evangélicos mostraram-se menos identificados com o PT do que os católicos, sendo o partido o mais mencionado entre os eleitores de uma maneira geral (16%). Entre os primeiros, 10% afirmou ser o PT o seu partido favorito e, no segundo grupo, a porcentagem foi de 17%.

O PT foi também o partido que mais foi citado quando os eleitores foram perguntados sobre a agremiação política de que menos gostavam (26%). Entre os católicos, a porcentagem foi de 25% e, entre os evangélicos, de 31%.

Com os dados de que dispomos, é possível afirmar que a religião continua sendo um componente que influencia a preferência dos eleitores e ajuda a explicar a política brasileira. Ao que parece, os padrões identificados a partir da última disputa presidencial continuam vigentes. Os eleitores evangélicos, em comparação com os católicos (os dois grandes grupos religiosos do país), continuam a apoiar mais o presidente Jair Bolsonaro e seu governo, e a rejeitar em maior porcentagem o PT e o ex-presidente Lula.

Conservadorismo social?

A influência de condições sociais sobre o comportamento eleitoral não é novidade na Ciência Política, e a religião não seria uma exceção. O fato dos eleitores escolherem candidatos que defendam suas demandas está diretamente ligado ao princípio da representatividade. Por exemplo, quando perguntados se pessoas do mesmo sexo poderiam se casar, 64% dos evangélicos discordaram, enquanto a porcentagem geral entre os entrevistados foi de 40%. Natural, então, que essa seja uma questão que preocupe os eleitores evangélicos em maior proporção do que os católicos.

Mas, se por um lado há a importância do princípio representativo de atender demandas específicas da população, por outro também é importante verificar os limites dessas demandas, principalmente quando tratamos de questões relacionadas à moralidade, algo que se relaciona diretamente com princípios religiosos. Isso porque, partindo do princípio da laicidade do Estado, presente na Constituição Federal de 1988, é importante ficarmos atentos para que pautas morais relativas à vida privada não levem a políticas públicas universais que privem ou limitem a liberdade e os direitos da população.

Ao defender uma visão tradicional de família e adotar uma postura conservadora nos costumes, o governo Bolsonaro e as bancadas religiosas parecem conseguir mobilizar e responder a uma parcela importante da sociedade. Se essa postura será capaz de criar uma identidade política duradoura entre alguns grupos ainda é cedo para dizer. Por agora, parece suficiente concluir que política e religião estão juntas e misturadas o bastante para atrapalharem muitos encontros de família e que muitas sobremesas ficarão intocadas – uma pena.

Oswaldo E. do Amaral é professor de Ciência Política na Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição.
Monize Arquer é doutora em Ciência Política pela Unicamp, com período sanduíche na Universidade de Oxford, e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop – Unicamp). Atua em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC.

Nota metodológica: todas as diferenças porcentuais mencionadas no texto são estatisticamente significativas a 95%. Os católicos representam 51% do total de respondentes e os evangélicos, 23% do total.

A pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020”, do INCT-Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e do Cesop/Unicamp foi realizada entre os dias 24 de outubro e 04 de novembro de 2020. A pesquisa entrevistou duas mil pessoas por telefone, tem grau de confiança de 95% e margem de erro de 2,2%. Todas as diferenças percentuais mencionadas no texto são estatisticamente significativas a 95%. Os católicos representam 51% do total de respondentes e os evangélicos, 23% do total.

Com disputa acirrada, candidatos apelam para desinformação em Fortaleza

Com disputa acirrada, candidatos apelam para desinformação em Fortaleza

A disputa está acirrada entre os candidatos à Prefeitura de Fortaleza Capitão Wagner (PROS), Luizianne Lins (PT) e Sarto (PDT). Na última semana, as campanhas de Wagner e Freire (PSL), que vinham tendo como centro a apresentação dos candidatos, partiram para o ataque, lançando mão de informações descontextualizadas, incompletas ou mesmo desinformativas.

A maior controvérsia gira em torno do primeiro colocado, Capitão Wagner, por uma discussão travada nas redes e nas emissoras de rádio e TV com o próprio governador Camilo Santana (PT). Em entrevista ao programa de TV Ponto Poder na terça-feira (13), Capitão Wagner negou ter apoiado o movimento de policiais militares que culminou na paralisação ocorrida em fevereiro deste ano no Ceará.

“A gente foi contra a realização desse movimento. Em nenhum momento eu me posicionei a favor de qualquer paralisação em Fortaleza ou no Estado do Ceará. Eu tenho muita responsabilidade nessa questão”, afirmou.

O governador utilizou as redes sociais para rebater: “Não é verdade. [Capitão Wagner] Tanto liderou o motim de 2011 como teve participação direta nesse último motim. […] Foi um dos atos mais covardes já praticados contra a população”, postou.

Mensagens publicadas no twitter de Camilo Santana, governador do Ceará, no dia 14 de outubro


Captura de tela feita em 22 de outubro, do perfil https://twitter.com/CamiloSantanaCE

O capitão inicialmente evitou retrucar, possivelmente pela dificuldade de sustentar a afirmação e necessidade de afastar a imagem negativa da greve da PM. Mas a questão ganhou as redes sociais, com ampla circulação de vídeos apócrifos críticos a ele em grupos de WhatsApp.

Logo após a divulgação da pesquisa DataFolha, no dia 17 de outubro, que confirmou a indefinição do cenário eleitoral na cidade, diferentes candidaturas reforçaram menções ao fato. Na TV, desde o dia 21, postagens de Camilo passaram a ser utilizadas por Sarto, em repetidas inserções ao longo da programação das emissoras.

Wagner, então, apontou tratar-se de “fake news” e chegou a criar um site específico para “que vocês possam se informar sobre as mentiras que têm sido espalhadas sobre mim”, como anunciou em vídeo na rede social. Retrucando, Camilo publicou imagens de matérias, entre as quais uma que destaca projeto de Wagner como deputado federal para anistiar participantes da greve.

A estratégia do candidato apoiado por Jair Bolsonaro faz lembrar a de Donald Trump, que passou a utilizar a expressão “fake news” contra a cobertura crítica em relação a ele pela imprensa, tentando fazer crer que as críticas não são mais que intrigas da oposição. O problema é que esse tipo de discurso pode convencer parte do seu eleitorado, especialmente em um contexto de polarização como o vivido nos Estados Unidos e também no Brasil.

Mas um olhar atento evidencia as contradições. No site oficial, o candidato retirou a foto em que aparece com lideranças do movimento e substituiu por uma imagem apenas descritiva das suas pautas de segurança (ver imagens abaixo).

Na foto, Wagner, o deputado estadual Soldado Noélio e um dos líderes da paralisação. Imagem que estava no site do Capitão Wagner no início da campanha. https://capitaowagner.com/

Imagem com texto sobre segurança pública, inserida para substituir a imagem anterior. Site do Capitão Wagner. https://capitaowagner.com/

Ainda que tenha utilizado o programa no Horário Eleitoral Gratuito para negar participação na greve, usando vídeo da época em que diz que “Eu não vim aqui para inflamar a greve, vim aqui para solucionar o problema”, é difícil sustentar a afirmação, tendo em vista o histórico com o grupo e, inclusive, a participação em sua chapa de vereadores de pessoas vinculadas à paralisação.

Outra fala de Wagner amplamente repercutida e questionada refere-se à liberação de, segundo o candidato, R$ 43 milhões de emenda parlamentar para a saúde pública do Estado, no primeiro semestre de 2020, dos quais R$ 25 milhões teriam sido destinados ao enfrentamento à Covid-19. Pesquisando no site Siga Brasil, vê-se que a soma das emendas do deputado totalizam menos de R$ 16 milhões, com R$ 3 milhões dedicados às ações contra pandemia. Destes, R$ 9,3 milhões foram executados. Do empenhado, nem tudo foi para saúde. Há emendas dedicadas ao Comando da Marinha, administração do Ministério da Justiça e Segurança Pública e outras pastas. No site do capitão, ele apresenta documento assinado de próprio punho para comprovar os recursos. No entanto, a Justiça determinou a retirada da propaganda de Wagner sobre o suposto repasse à saúde.

Ataques ao PT

Também subindo o tom nas agressões, pelo menos desde o dia 18, o representante do PSL, Heitor Freire, que figura com 1% na pesquisa DataFolha, tem usado programas eleitorais para atacar adversários. O candidato que pretende “endireitar Fortaleza” dirige-se indiretamente à candidata petista, Luizianne Lins. Em uma das propagandas no rádio, menciona “candidata vermelhinha querendo voltar pra prefeitura” e “galega pulso frouxo”.

Nesta semana, Luizianne acionou à Justiça e, segundo divulgado em suas redes sociais, ganhou liminar determinando a exclusão de vídeo difamatório que circulava em grupos do Facebook e do Whatsapp. Na decisão também é solicitada a identificação do administrador e responsável pela postagem. O jornal O POVO detalhou que “a Justiça Eleitoral bloqueou dois números de telefone, um responsável por grupo de WhatsApp chamado ‘Grupo Mercadinho do Bairro’, o outro pela postagem de vídeo com ataques pessoais à candidata à Prefeitura de Fortaleza”.

Assim como em 2018, a reta final do pleito não só repete a redução da discussão política, mas também estratégias que pretendem confundir o eleitor, sejam aquelas adotadas abertamente na TV e rádio ou as que circulam mais ocultas nas redes sociais. É cedo para saber se a rede montada naquela campanha está sendo usada ou se terá o mesmo impacto em pleitos pulverizados como são as eleições municipais, com questões locais que dificultam a padronização das mensagens e a viralização nacional delas. Mas o exemplo da eleição fortalezense, na qual a polarização tem se reproduzido, é um indício preocupante.

Eleições locais, pero no mucho

Eleições locais, pero no mucho

As eleições municipais obedecem a lógicas locais. Essa é uma máxima muito comum entre os analistas políticos e é, em grande medida, verdadeira. Descolados das eleições gerais, questões e temas municipais tendem a dominar as discussões nas disputas para prefeituras e câmara de vereadores.

No entanto, políticos e partidos não disputam as eleições municipais pensando apenas nelas. Pensam também em suas carreiras e em como ampliar as chances de sucesso em seus eventuais mandatos e eleições futuras. Ou seja, há um pedaço da estratégia que está conectado com dinâmicas políticas que estão além das questões locais.

Ao analisarmos os dados de lançamento de candidaturas para prefeitos e vereadores entre 2000 e 2020 por bloco ideológico (esquerda, centro e direita), é possível observar movimentos compatíveis com a distribuição de poder em nível nacional.

Esquerda cresceu entre 2000-2012

Entre 2000 e 2012, houve um crescimento na porcentagem de candidaturas dos partidos de esquerda no país tanto para as prefeituras como para as câmaras dos vereadores. Em boa medida, isso reflete o aumento da capilaridade do PT no período. Ocupando o governo federal desde 2003, o partido ampliou os incentivos para a migração de políticos e para a abertura de diretórios no interior do Brasil. Desde 2016, porém, os partidos de esquerda perderam espaço e apresentaram queda na proporção de candidatos lançados.

A crise que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e a subsequente conquista do governo federal por um presidente abertamente hostil a qualquer partido de esquerda reduziram os incentivos para os candidatos locais se lançarem por esses partidos.

O PSB e o PV, por exemplo, estão entre os partidos que mais perderam candidatos que disputam novamente as eleições em 2020. Entre os que mais obtiveram ganhos, nenhum partido é de esquerda.

Os partidos de centro mantiveram o viés de queda verificado desde os anos 2000. Ou seja, não se beneficiaram da nova conjuntura política do país e perderam espaço entre 2016 e 2020 para partidos de direita.

O PSDB, por exemplo, assim como os partidos mencionados, está entre as agremiações que mais perderam candidatos que disputam novamente a eleição em 2020. O destino preferido, neste caso, foi o PSD, legenda que já nasceu com alguma força eleitoral por ter atraído lideranças importantes do cenário político e que segue buscando ampliar sua capilaridade no interior do país.

Direita ganhou espaço a partir de 2016

Entre 2000 e 2008, houve uma pequena queda na porcentagem de candidatos de partidos de direita. A partir de 2016, no entanto, houve um crescimento expressivo na porcentagem de candidatos que pertencem a esse bloco ideológico. Em 2020, quase 60% dos candidatos a vereador e a prefeito estão filiados a partidos de direita – recorde na série entre 2000 e 2020. O DEM foi o partido que mais se beneficiou com a migração de candidatos que disputaram as eleições de 2016, seguido pelo PP e pelo PSD.

Quando observamos os dados por UF, vemos que o crescimento das candidaturas em partidos de direita é generalizado em todo o Brasil. Apenas no Rio Grande do Norte, há menor proporção de candidatos de partidos de direita em 2020 do que em 2016 nas disputas para as prefeituras. Para as câmaras dos vereadores, em apenas quatro estados (BA, CE, RN e RR) não houve aumento da proporção de candidaturas por legendas de direita.

Os dados mostram duas coisas: (a) as eleições locais não se restringem apenas a dinâmicas políticas locais; (b) no cálculo de políticos e lideranças partidárias, de uma maneira geral, candidatar-se por um partido de direita na atual conjuntura política do Brasil, parece aumentar as chances de sucesso.

A julgar pelas preferências dos políticos, a direita larga na frente para 2022. Agora resta combinar com os “russos”: os eleitores, a partir de 15 de novembro.

Nota metodológica

Os partidos foram classificados da seguinte forma:

Esquerda – PCdoB, PCB, PCO, PDT, PMN, PPL, PROS, PSB, PSOL, PSTU, PT, PV, Rede e UP.
Centro – MDB, PPS, PSDB.
Direita – Novo, PAN, Patriota, PTB, DEM, PGT, PHL, PL, PMB, PP, PRN, PR, PRB/Republicanos, Prona, PRP, PRTB, PSC, PSDC/DC, PSL, PST, PTdoB/Avante, PTC, PTN/Podemos, Solidariedade.

Em Fortaleza, apoio de Lula importa mais que de Bolsonaro ou do prefeito

Em Fortaleza, apoio de Lula importa mais que de Bolsonaro ou do prefeito

A eleição municipal na capital cearense tem chamado a atenção especialmente pelo desempenho nas pesquisas de intenção de voto do candidato da oposição, Capitão Wagner (PROS). O candidato, que tem apoio do presidente da república, Jair Bolsonaro, coloca em risco a possibilidade de sucessão do grupo que atualmente está no comando da capital, representado pelo Prefeito Roberto Cláudio (PDT).

Na última pesquisa realizada pelo Ibope/TV Verdes Mares, divulgada no dia 14 de outubro, Capitão Wagner apareceu com 28% das intenções de votos e segue tecnicamente empatado com a candidata Luizianne Lins (PT), que tem 23%. Sarto (PDT) aparece em terceiro lugar com 16%. Os demais candidatos não ultrapassaram 6%.

Fonte: Ibope/ TV Verdes Mares

Desempenho de Capitão Wagner

O deputado federal Capitão Wagner tem forte associação com as corporações militares. Foi o principal líder do movimento paradista dos policiais militares em 2012, quando marcou definitivamente seu papel como antagonista ao então governador Cid Gomes (PDT).

De lá para cá, venceu sucessivas disputas a cargos legislativos, sempre como o mais votado. Eleito vereador em 2012, deputado estadual em 2014 e federal em 2018, Wagner disputou a prefeitura de Fortaleza em 2016 pelo PR, perdendo no segundo turno para o atual prefeito, que disputava a reeleição. Em 2020, o seu bom desempenho nas pesquisas indica que pode ir novamente para o segundo turno.

PDT e PT em Fortaleza

Como em outros momentos da história política de Fortaleza, em 2020 o prefeito Roberto Cláudio não preparou um sucessor que pudesse emergir como candidato natural representando o bloco governista. A dificuldade era acomodar aliados fortes dentro de uma base ampla e com projetos partidários para 2022.

Apesar dos movimentos do atual governador do Ceará, Camilo Santana (PT), a ala petista mais ligada a ex-prefeita Luizianne Lins recusou aliança com o PDT de Roberto Cláudio e dos irmãos Ferreira Gomes, a quem se coloca como opositora desde 2012.

Pelo lado governista, havia a certeza de que a cabeça de chapa deveria ser do PDT, já que o projeto nacional do PDT para 2022 passa, necessariamente, pela conquista da prefeitura de Fortaleza, a quinta maior capital do país.

Dentre os pré-candidatos governistas a prefeitura de Fortaleza em 2020, o nome de Sarto (PDT) aparecia com um dos mais fortes. Atualmente, está em seu sétimo mandato de deputado estadual, é presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (ALECE) e trabalhou muito próximo ao governador Camilo Santana nos episódios recentes das crises de segurança pública e sanitária. Político de carreira, possui excelente trânsito entre os partidos que compõem a base aliada, além de ter construído boas relações na Câmara de Municipal de Fortaleza (CMF).

A indicação do vice de Sarto foi avalizada por Camilo Santana. A opção recaiu no ex-secretário da Casa Civil do governo do estado, o sociólogo e pessebista Élcio Batista, homem de confiança do governador.

O PT tentou aproximação com o MDB de Eunício Oliveira, mas os acordos não avançaram. O insucesso de compor alianças com outras legendas forçou o PT a lançar candidatura pura. Isolado, o partido oficializou Luizianne Lins e Vladyson Viana (PT), nome ligado ao deputado federal José Guimarães (PT).

Apoios políticos nacionais na disputa

A pesquisa Ibope também sondou a influência do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula no voto do fortalezense. Para apenas 14% dos entrevistados, o apoio de Bolsonaro contaria muito na decisão do voto. Já para outros 33%, o apoio de Lula aumentaria muito as chances de voto em um candidato. Isso indica um recall positivo em relação aos governos petistas na capital cearense.

Os respondentes também foram consultados sobre a influência de Ciro Gomes (PDT) e Roberto Cláudio. Para 14%, o apoio de Ciro Gomes conta muito e 18% consideram muito importante o apoio do atual prefeito, que aparece com 49% de avaliação ótima e boa.

E o apoio do governador Camilo?

Apesar da pesquisa Ibope também sondar o apoio de lideranças políticas, como o caso do atual governador do Ceará, sobre o voto do eleitor de Fortaleza, é importante ressaltar que, desde a redemocratização a dinâmica eleitoral de Fortaleza tem se mostrado “imune” a influência do governador. Nem mesmo Tasso Jereissati (PSDB), no auge de seu poder, conseguiu emplacar candidaturas a prefeito na capital.

Mas, pela primeira vez, o apoio do governador parece ter importância nas disputas em Fortaleza. Duas candidaturas disputam o apoio de Camilo Santana, que tem 56% de aprovação segundo Ibope. De acordo com a pesquisa, 20% afirmaram votar em um candidato indicado pelo governador.

A boa avaliação de Camilo e o desempenho de seu governo na gestão da pandemia são fatores que podem contribuir para uma melhorar a intenção de votos em Sarto e Luizianne. Ambos tem feito menções ao governador em propagandas eleitorais veiculadas na primeira semana. Apesar de afirmar neutralidade no primeiro turno das eleições em Fortaleza, Camilo Santana fez sinalizações de seu apoio a Sarto.

Luizianne, partidária do governador, chegou a dizer que trabalhará “em parceria com o companheiro Camilo Santana” e reivindica o direito de explorar o “legado petista” a nível federal e estadual.

Eleição indefinida

Apesar das movimentações, ainda é cedo para cravar os nomes dos candidatos que chegarão ao segundo turno na disputa pelo comando da capital.

*Monalisa Torres é doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. É professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Políticas, Eleições e Mídia (Lepem/UFC)

 ** Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.

Combater a pandemia dá votos?

Combater a pandemia dá votos?

Desde as eleições de 2016, é possível observar um padrão de voto por parte do eleitor brasileiro, tanto em eleições municipais quanto em eleições estaduais. Como resultado de uma crítica ao establishment político e aos partidos, esse eleitor passou a se preocupar muito mais com a aparência física dos candidatos e com certo discurso anticorrupção e não se atentou muito à capacidade que os vereadores, deputados, prefeitos e até mesmo governadores eleitos teriam de formular e implantar políticas.

Uma pergunta importante para a eleição de 2020 é se esse padrão irá ou não mudar em virtude da pandemia do novo coronavírus. Afinal vimos tanto experiências de forte empenho no combate à pandemia quanto prefeitos e governadores que se eximiram de adotar medidas contundentes e não foram capazes de controlá-la.

Belo Horizonte e Florianópolis: aparentemente imbatíveis

Temos motivos para assumir que o padrão irá se alterar a partir de 2020. Ainda que não em todos os lugares. Alguns exemplos já podem ser percebidos, como o caso do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), e do prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (DEM).

Alexandre Kalil foi um dos prefeitos a implementar as políticas mais radicais contra o coronavírus, tornando Belo Horizonte a primeira cidade a adotar medidas de isolamento social, em 17 de março, como também uma das poucas a retornar ao isolamento em virtude do aumento da taxa de contaminação após a abertura do comércio.

Até hoje, a capital mineira não reabriu completamente seus restaurantes e escolas. O prefeito de BH, mesmo com implementação de políticas tão incisivas de combate à pandemia, disparou na frente de outros candidatos na corrida eleitoral pela reeleição. De acordo com a pesquisa IBOPE do dia 02 de outubro Kalil possui 56% das intenções de voto.

Situação semelhante ocorre em Florianópolis, onde o atual prefeito tem 44% de votos e seu desempenho contra a pandemia vem sendo bem avaliado pela população. No entanto, uma pergunta ainda se coloca: os casos dos prefeitos de Belo Horizonte e de Florianópolis são casos isolados ou seria um novo padrão a ser observado nas eleições deste ano?

Combate a pandemia parece ser relevante, mas não sozinho

Comparando a atuação de alguns prefeitos a partir de três critérios, a saber, a política em relação à reabertura do comércio, em relação a restaurantes e escolas e seus posicionamentos públicos, podemos avaliar a reação à pandemia entre intensa, média, baixa e muito baixa. Na tabela abaixo, observa-se também a intenção de voto.

Tabela 1: intenção de voto e reação à pandemia

Os casos marcados em verde-escuro apontam para aqueles prefeitos que tiveram atitudes incisivas no combate à pandemia. Os dois mencionados anteriormente, Alexandre Kalil (Belo Horizonte) e Gean Loureiro (Florianópolis), são praticamente imbatíveis, segundo os números atuais. Dados os impactos e a relevância do tema sanitário na conjuntura, isso indica certo alinhamento da população às atitudes dos prefeitos.

As certezas, no entanto, acabam aí. Por um lado, o caso de Bruno Covas já levanta algumas dúvidas sobre essa correlação. O prefeito paulistano, que em 2016 foi vice de João Dória, agora está como candidato pelo PSDB e em segundo lugar na pesquisa, perdendo apenas para Russomano (Republicanos) que tem 26% dos votos. Ainda que esteja perdendo para um candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, figura que teve uma atuação na pandemia contrária ao que aqui consideramos como exemplar, o prefeito tem chances de reeleição dado o histórico de perda de fôlego de Russomano.

Por outro lado, há dúvidas se a péssima intenção de votos em relação ao prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) deve-se unicamente a sua atuação frente à pandemia. Provavelmente não, já que ele acumulava um desempenho muito ruim em um conjunto de áreas de sua administração antes mesmo do início da pandemia.

Resta explicar, portanto, os casos intermediários. Prefeitos que antes da pandemia eram frágeis e tiveram atitudes médias – apontando para mais de uma direção em termos de medidas intensas e de pouca atenção à severidade da crise – parecem ter os maiores problemas em relação a corrida eleitoral.

Esse é o caso principalmente do atual prefeito de Porto Alegre e candidato à reeleição, Nelson Marchezan Júnior. Corre contra ele um processo na Câmara dos Vereadores por desviar recursos de combate à Covid-19 para outras áreas. Recife teve um momento muito ruim no início da pandemia mas se recuperou bem ao passo que Porto Alegre tem um desempenho ruim que se manteve, especialmente se comparado às duas outras capitais da região Sul.

Vale a pena também apontar a baixíssima taxa de reeleição no estado do Rio Grande do Sul e que deve também afetar Marchezan, um candidato que se beneficiou da onda de boa aparência somada ao discurso anticorrupção em 2016, mas que parece não conseguir se reeleger apenas com base neste binômio.

Por último, temos um caso que não se enquadra completamente em nossa tipologia, que é Cuiabá. Por um lado, o desempenho frente à Covid–19 do prefeito Emanuel Pinheiro parece ser muito ruim, mas, por outro lado, ele tem alta intenção de votos. O caso de Cuiabá mostra que a pandemia é relevante, mas não foi e não será capaz de ser o único item nas agendas das eleições deste ano. Continuarão existindo pautas e lideranças regionais. Porém, aqueles prefeitos que conseguiram associar um bom desempenho anterior com um bom desempenho na gestão da pandemia parecem ter maiores chances de reeleição.

PT em números: uma análise de 2000 a 2016

PT em números: uma análise de 2000 a 2016

Existem muitas maneiras de medir o desempenho dos partidos brasileiros em uma eleição municipal. A mais óbvia é observar o número de prefeitos e vereadores eleitos. Algumas vezes, a escolha recai sobre um segmento específico de cidades: as capitais, as cem com maior população, os municípios onde há segundo turno. Basta contar quantas cadeiras um partido obteve numa eleição e comparar com a anterior para termos um quadro geral a respeito do sucesso ou fracasso de uma legenda.

Há dois problemas com essa métrica. O primeiro é que muitas vezes o partido não apresenta candidato próprio a prefeito e participa de uma coligação, apoiando um nome de outra legenda. Nesse caso, seus votos acabam não sendo computados na avaliação.

O segundo é que a eleição de vereadores nem sempre é uma boa métrica do desempenho eleitoral. Muitas vezes um partido é bem votado e não elege um vereador; em outras, o partido mesmo com uma votação reduzida consegue eleger um dos seus candidatos (a coligação permitia que isso acontecesse).

Minha sugestão é que o melhor indicador para avaliar o sucesso dos partidos em eleições municipais é observar o percentual de votos que eles obtiveram para a Câmara Municipal. Se um partido tem um diretório em um município é bem provável que ele apresente pelo menos um candidato a vereador. Desse modo, a proporção de votos nas cidades em que o partido disputou serviria como um bom indicador de sua “força”.

Avalio aqui o desempenho do Partido dos Trabalhadores (PT), o mais organizado partido brasileiro em todas as eleições realizadas desde 2000 – ano em que a urna eletrônica foi utilizada pela primeira vez em todos os municípios. Em artigos subsequentes analisarei a performance de outras legendas.

Desempenho do PT de 2000 a 2016

Entre os analistas políticos, há um consenso de que o PT foi o grande derrotado nas últimas eleições municipais (2016). O partido perdeu vereadores e prefeitos, como mostrou Oswaldo E. do Amaral no artigo E agora, PT?. A eleição aconteceu no ano em que a presidente Dilma Rousseff foi afastada e as investigações da Lava-Jato estavam no ápice.

No meio da campanha eleitoral daquele ano, eu encontrei um candidato do PT a prefeito de uma importante cidade brasileira que relatou: “Está difícil ser candidato pelo PT. Tem muito candidato a vereador tirando o símbolo do partido do material de campanha”.

O gráfico 1 mostra a votação média obtida pelos candidatos do PT nas cinco eleições realizadas desde 2000. As cidades foram agregadas em cinco faixas, de acordo com o tamanho da população. É importante assinalar que apenas as cidades em que o partido concorreu são consideradas no cálculo.

O gráfico revela que aconteceu uma inflexão na história eleitoral do PT na disputa de 2016. Nas três faixas de menor população, o partido interrompeu o processo de crescimento contínuo de sua votação. O declínio mais expressivo, porém, aconteceu nas maiores cidades. Nos municípios com população entre 150 mil e 500 mil habitantes, onde o partido tinha obtido cerca de 10% nas três eleições anteriores, ele caiu para a faixa de 4% em 2016. Nas megacidades (população acima de 500 mil habitantes) a votação do PT vinha declinando levemente, mas teve uma queda brusca em 2016 (cerca de 5 pontos percentuais).

Para mostrar em mais detalhes a evolução da votação do PT nos grandes centros urbanos, mostro apenas os resultados das 19 cidades mais populosas, as que têm acima de 800 mil habitantes (ver na imagem abaixo). Em todas elas o partido encolheu sua votação em 2016, comparativamente à 2012. Chama a atenção o declínio constante em três cidades que eram símbolos da força do partido em 2000: Belém, São Paulo e Porto Alegre.

Nas eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro venceu em um número expressivo de megacidades. Em boa parte delas, o PT já vinha reduzindo sua votação na disputa presidencial desde 2006. Os dados apresentados nos dois gráficos acima mostram, porém, que as dificuldades do partido nessas cidades talvez sejam mais estruturais do que a derrota para Bolsonaro tenha sugerido.

Pensando no futuro: a retomada do protagonismo do PT na disputa presidencial passa em larga medida pela reconquista das grandes cidades brasileiras. Por isso, as eleições de 2020 terão um papel tão importante para o partido.