O bolsonarismo veio para ficar?

O bolsonarismo veio para ficar?

Alguns indícios das eleições municipais no Brasil e das eleições presidenciais nos EUA apontam na direção de que o bolsonarismo e o trumpismo vieram para ficar, independente do resultado das eleições. Ambos os movimentos políticos podem ser entendidos como atualizações da longa história do reacionarismo-autoritário. Mas, no atual contexto, representam movimentos de dissimulação das maiorias predatórias em supostas minorias. Movimentos em detrimento de partidos. Processo mediado pela desinformação, guerras culturais e redes (pseudo)sociais.

Bolsonaro e Trump a todo o tempo fazem esse jogo de representarem uma “maioria” ameaçada e supostamente oprimida. Esse tipo de estratégia tem se mostrado eficiente e será um fenômeno duradouro. Nos termos do antropólogo indiano Arjun Appadurai, trata-se de uma angústia da incompletude que parece estar no DNA dos estados nacionais. Fato que implica na construção de identidades predatórias, isto é, identidades majoritárias que se representam como ameaçadas em suas fantasias narcísicas de viverem em uma sociedade sem diferenças, onde todos seriam o retrato delas mesmas.

Nas eleições municipais deste ano percebemos que o núcleo dos discursos da maioria dos candidatos evangélicos e militares tem como base esses códigos. Frente à ameaça de extinção e do diferente, oferece-se a representação política para garantir proteção. Os líderes políticos representam essa “maioria” ansiosa, e aqui vale lembrar que nem sempre esses grupos configuram maiorias numéricas reais, mas se apresentam enquanto tal. Maioria pode ser sinônimo daquilo tido por normal e/ou superior, e que por isso deveria ser a “alma da nação”.

No caso de nossa tradição reacionária, a “maioria” é branca (tanto quanto possível), cristã, heterossexual. Essa maioria se expressa por mitos como o da democracia racial e da cordialidade do brasileiro. Em geral, seu discurso mobiliza o medo de que possam virar minorias e que por isso a alma e o corpo da pátria-nação estaria ameaçada.

Lembremos a fala de Bolsonaro no fim do seu discurso na Assembléia Geral da ONU esse ano: “o Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base”. Quem não é cristão ou conservador não pode ser brasileiro, é o inimigo interno que deve ser convertido, subjugado ou exterminado. Embora os olhos azuis de Bolsonaro não enxerguem cor, sua nação, além de cristã e conservadora, é também preferencialmente branca. Quem duvidar pode cruzar os percentuais de voto em Bolsonaro na última eleição com as categorias preto e branco.

Bolsonaro não precisa interferir diretamente nas eleições, pois a agenda, a linguagem e a energia de seu movimento já estão colocados nos pleitos municipais, atravessando um amplo espectro partidário. No que se refere aos chamados evangélicos, é preciso destacar que um em cada três brasileiros é evangélico. Não se trata, portanto, de uma frágil minoria. Em se tratando de representação política é certamente o segmento religioso com maior representação.

A Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, é composta por mais de 200 parlamentares, isto é, mais de 30% do total de parlamentares. No ano passado, essa frente foi considerada pelo “Estadão” a bancada mais governista dos últimos cinco mandatos presidenciais, já que 90% dos seus votos foram a favor do governo Bolsonaro. É no interior desse contexto que devemos entender o aumento, na eleição deste ano, de 10% dos candidatos a prefeitos e mais de 40% dos candidatos a vereador com títulos religiosos.

Bolsonaro soube, como ninguém, capturar a maior parte das lideranças e bases desse segmento. A disputa política no Brasil cada vez mais passará por algum tipo de negociação e articulação com o movimento/segmento evangélico. Ignorá-los e/ou apenas rotulá-los é certamente um erro. E os estudos atuais mostram que caso os evangélicos continuem a crescer no mesmo ritmo, eles serão a maioria da população brasileira na próxima década. O grande problema é que cada vez mais o “campo evangélico” vem sendo hegemonizado por lideranças conservadoras e/ou reacionárias.

Nessa direção, para esse segmento da população torna-se estratégico a aliança com líderes políticos que atualizam a tradição conservadora e realizam a guerra cultural por meio da construção de identidades predatórias. Assim, nossa aposta é que nas eleições deste ano a representação evangélica conservadora será a que mais crescerá. E continuará dessa forma até que o campo progressista desenvolva uma estratégia inteligente de diálogo.

As esquerdas não devem ser vistas como uma ameaça existencial que alimente as ansiedades dessa maioria em ascensão. Pautas como a descriminalização do aborto e o casamento homoafetivo são exemplos de como essa maioria anseia por formas totais de controle. Haveria um medo profundo de que com o aborto discriminalizado os próprios cristãos-evangélicos adotariam a prática? Da mesma forma, no discurso conservador há um medo de que a visibilidade LGBT gere algum tipo de contaminação e epidemia. No fundo, há o medo de que em um novo normal uma nova maioria reproduza os comportamento intolerantes das maiorias predatórias.

Ao tirar do armário pautas tabus como o direito ao aborto e o respeito às diferenças, mesmo que involuntariamente, a onda conservadora pode ter aberto finalmente a oportunidade para um debate mais profundo sobre esses temas na sociedade brasileira. Quem sabe possamos encontrar modos em que as maiorias possam ser menos predatórias e mais solidárias.

A nova estratégia do campo progressista precisa ser pensada para além do capitalismo neoliberal e suas metamorfoses, já que a destruição causada por este modelo hegemônico tem minado as possibilidades emancipatórias e transformadoras que existiam, mesmo que de forma latente, nas sociedades liberais. A direita tem sido mais sagaz em atualizar seu discurso. Um exemplo disso, nessa eleição, foi a frase da candidata a prefeitura de São Paulo, Joice Hasselmann, que afirmou que quase do dia para noite pode-se transformar um desempregado em um empreendedor.

Enquanto o campo progressista não for capaz de entender as mudanças em curso, por exemplo, nos mundos da religião e do trabalho, o Bolsonarismo, entendido como uma atualização local, circunstancial e singular da tradição conservadora/reacionária-autoritária, continuará a construir uma forte base social e não apenas nas periferias das grandes cidades. É o que parte dos dados disponíveis das pesquisas realizadas até o momento estão indicando.

Assim, sem abandonar suas especificidades e pautas, um dos desafios do campo progressista é construir discursos e políticas públicas concretas também para as “maiorias ansiosas” que podem se tornar, como dissemos, predatórias, mas que também podem assumir formas solidárias. Do contrário, o medo continuará a ser o afeto dominante em nossa vida política e social. O bolsonarismo sempre esteve entre nós e continuará presente por muito tempo, o que podemos fazer é trabalhar para desativá-lo atualizando outras histórias.

* Mateus Pereira é Professor Associado da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), onde leciona, na graduação, disciplinas sobre História do Brasil República. É membro do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM). Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006), onde também se graduou em História (1999).
Valdei Araújo é Professor Adjunto da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Possui graduação(1995) e mestrado(1998) em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, doutorado em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2003), com estágio PDEE na Universidade de Stanford.

O DEM é de centro?

O DEM é de centro?

Tem sido comum afirmar que o DEM desponta como a principal força de centro nas eleições municipais. De fato, o DEM tem apresentado um bom desempenho nas capitais. Mas a questão aqui é saber se seria correto caracterizá-lo como um partido de centro.

Para isso, analiso a opinião de deputadas e deputados sobre como posicionar os partidos, e mostro que o DEM é tido como o partido mais à direita dentre os analisados, ainda que tenha feito um percurso em direção ao centro.

Esquerda e direita

A distinção entre esquerda e direita surgiu na Revolução Francesa, quando os partidários do rei na Assembleia Nacional sentavam-se à direita e os simpatizantes da revolução, à esquerda. A partir do século XIX, a distinção associou-se à clivagem capital/trabalho e o termo esquerda passou a designar os partidos socialistas, comunistas ou social democratas.

Contemporaneamente, aceita-se que os dois campos são caracterizados em função da atitude frente à igualdade: para a esquerda, a desigualdade entre os indivíduos é artificial e deve ser enfrentada pela ação estatal; para a direita, as desigualdades mais importantes entre os indivíduos são naturais e são mais bem enfrentadas pela ação do mercado.

Esquerda e direita na Câmara dos Deputados

A classificação dos partidos em uma escala esquerda-direita sempre causa controvérsia. Neste artigo, considera-se a opinião dos deputados e deputadas na Câmara. Os dados são provenientes do projeto, “Representação política e qualidade da democracia” conduzido pelo Centro de Estudos Legislativos da UFMG.

São consideradas as cinco últimas legislaturas. Em cada uma foram feitas 125 entrevistas em amostras que levaram em conta o tamanho das bancadas. Foi solicitado, aos deputados e deputadas que posicionassem os maiores partidos em uma escala, onde 1 significava esquerda e 10 direita. As respostas foram categorizadas em “esquerda” (1-4); “centro” (5-6) e “direita” (7-10). O resultado é mostrado na Figura 1.

Figura 1

  

Fonte: Representação política e qualidade da democracia (CEL-DCP/UFMG)

No geral, as posições se mantêm no tempo com pequenas variações. A exceção fica por conta do PT, posicionado cada vez mais à esquerda, indo de 3,9 na primeira legislatura a 2,3 na última. PSB e PDT mantiveram-se no limite entre as posições de esquerda e de centro. MDB e PSDB também ocuparam uma posição limite, mas entre o centro e a direita.

Finalmente, os partidos à direita, PP e DEM, fizeram um percurso em direção ao centro – de forma mais clara no primeiro caso (de 7,9 para 6,4) do que no segundo (de 7,6 para 7,0). A série não inclui o PSL, dada a sua inexpressividade até a eleição de 2018. Na atual legislatura, o partido foi incluído na lista de legendas apresentada aos deputados(as), que o alocaram na posição 7,5.

Estado ou mercado?

Em função do modo como veem a possibilidade de redução das desigualdades sociais, é de se esperar que partidos de esquerda prefiram fortalecer a presença do Estado. Para verificar se isso procede, deputadas e deputados dos maiores partidos foram questionados sobre: (a) se seriam favoráveis a uma economia regulada pelo Estado ou pelo mercado; (b) qual deveria ser o controle do Estado sobre a gestão dos serviços públicos; e (c) qual deveria ser o controle do Estado sobre os recursos naturais. Foi utilizada a escala de 1 a 10 onde 1 significava máxima presença do Estado.

A figura 2 apresenta os resultados para a atual legislatura. A posição dos partidos em cada uma das três questões foi definida com base nas respostas dadas por seus representantes eleitos, extraindo-se daí a média, que é o valor associado a cada legenda na Figura.

Como se observa, PSB e PDT ficam mais próximos do MDB, o que deixa o PT relativamente isolado na defesa de posições mais estatais. Praticamente não há distinção entre o PSDB e o bloco mais claramente “pró-mercado” que, por sua vez, é capitaneado pelo DEM, a legenda mais “neoliberal” de todas, com média de 7,4 nas três questões.

Figura 2

Fonte: Representação política e qualidade da democracia (CEL-DCP/UFMG)

Progressistas ou conservadores?

Para verificar se partidos de esquerda seriam também mais progressistas (e vice versa) foram utilizadas questões sobre redução da maioridade penal, união entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte, descriminalização do uso de drogas, proibição da venda de armas e aborto. Na escala utilizada, 1 significava uma postura progressista e 10 conservadora. A posição de cada partido, na Figura 3, corresponde a uma média das respostas dadas por seus deputados ou deputadas.

Figura 3

Fonte: Representação política e qualidade da democracia (CEL-DCP/UFMG)

Parece que, pelo menos na Câmara, a esquerda é mais progressista, ainda que PSB e PDT novamente se aproximem do MDB. Sem surpresa, o PSL é o mais conservador, “trocando de posição” com o DEM, em relação à figura anterior. Surpresa talvez seja o PSDB que, de acordo com seus deputados, é tão ou pouco mais conservador que partidos tradicionalmente considerados como tal no Brasil.

Moral da história

À medida que uma nova geração substituiu os velhos caciques do antigo PFL, o DEM de fato moderou algumas de suas posições, mas é mais correto deixá-lo onde sempre esteve, à direita, ainda que não tão longe do centro. O surgimento de uma direita mais radical e reacionária, personificada em Bolsonaro e seus filhos, não deve fazer com que tudo o que não seja esquerda passe a ser denominado centro.

Dois anos após a eleição de Bolsonaro, a desinformação tem o mesmo impacto?

Dois anos após a eleição de Bolsonaro, a desinformação tem o mesmo impacto?

Há exatos dois anos, o então deputado Jair Bolsonaro, considerado um político inoperante e do baixo clero, era eleito presidente do Brasil. Nenhum fator isolado é capaz de explicar sua eleição, mas no pacote de motivos há consenso em torno do papel da estratégia de comunicação desinformativa que utilizou e que, ainda antes do segundo turno, foi denunciada pela imprensa e por pesquisadores. Longe de pontual, aquela eleição mostrou a própria reconfiguração da política diante do crescimento da mediação pelas tecnologias e da importância das redes sociais.

O sinal vermelho foi aceso e, desde então, preocupações em relação aos possíveis impactos da desinformação em outros pleitos motivaram iniciativas por parte de agentes públicos. Um exemplo veio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que recentemente anunciou parceria com as plataformas digitais e criação de canal sobre fatos e mentiras.

Agentes privados também apresentaram iniciativas, como o Facebook, que, além de criar uma biblioteca de anúncios dando transparência às propagandas digitais, passou a remover conteúdos desinformativos que causem violência, dano ou que comprometam processos eleitorais. A rede também proíbe a veiculação de anúncios com mensagens falsas.

O sucesso na internet reverte-se em sucesso nas intenções de voto?

A pouco mais de 15 dias do primeiro turno das eleições municipais, há dúvidas sobre o papel que as redes sociais e as estratégias de desinfomação têm exercido. Em que pese forte investimento dos candidatos em impulsionamento de conteúdos, pesquisas de intenção de votos não têm demonstrado uma correlação direta entre número de seguidores e o apoio efetivo a candidaturas.

No campo bolsonarista, embora ruidosos na internet, poucos são os candidatos nas capitais que vão bem nas sondagens. Estudo do Manchetômetro a partir de 319 páginas de prefeituráveis analisou aqueles com mensagens mais compartilhadas em diversas capitais e verificou essa diferença entre o barulho que fazem nas redes e intenções de votos.

Marcelo Crivella (Republicanos) candidato à reeleição no Rio de Janeiro, teve 8 dos 10 posts mais compartilhados, mas tem 13% de intenções de votos segundo o Datafolha, ficando em segundo lugar e tecnicamente empatado com terceiro e quarto.

Em Belo Horizonte, Bruno Engler (PRTB) faz sucesso com postagens que o associam ao presidente e usam hashtags como #Bolsonaro, #GoBolsonaro e #Bolsonaro2022, mas pontua apenas 3%.

Em São Paulo, Joice Hasselmann (PSL), que tem o maior número de seguidores e ganhou boa visibilidade com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana, amarga 3% de intenções de votos, segundo a última pesquisa daquele instituto. Também em São Paulo, o candidato Arthur do Val (Patriota), conhecido pelo canal do YouTube Mamãe Falei, tem quase 3 milhões de seguidores, mas registra apenas 4%.

Registrar 3% ou 4% não é pouco para candidatos que se lançaram há pouco na política, mas não reflete o alcance que possuem. O que explica esse descompasso? As redes teriam perdido importância?

Difícil sustentar tal argumento, ainda mais em tempos de pandemia, que levou as pessoas a ficarem mais tempo na internet. Mas é possível afirmar que as redes sozinhas não ganham uma eleição. Mesmo no caso de Bolsonaro, não me parece ser o caso de apontar apenas esse fator e desconsiderar outros, como a insatisfação com a política, o afastamento de seu principal adversário, Lula, a partir de movimentações do Judiciário e o desgaste construído pela mídia em relação ao PT. No caso de uma eleição municipal, pesam ainda outros fatores que estão mais próximos e podem influenciar de maneira mais decisiva na hora do voto, como as políticas das prefeituras em relação à pandemia, como já abordado neste Observatório das Eleições.

WhatsApp como principal ferramenta para desinformação

Quanto à desinformação, teriam os adeptos do bolsonarismo deixado de utilizar as estratégias que se mostraram vitoriosas na ascensão do hoje presidente? Ou elas passaram a ter menos impacto? São perguntas fundamentais na tentativa de se compreender a dinâmica de uma política cada vez mais midiatizada, mas que só serão respondidas com as urnas fechadas e os resultados conhecidos. Antes disso, algumas hipóteses podem ser lançadas.

A primeira é que não, a desinformação não está fora do jogo político. Fake news requentadas e mentiras ditas por candidatos até em frente às câmeras de TV têm sido verificadas. Mas seu impacto pode ter sido mitigado, tanto por iniciativas das plataformas quanto pela dinâmica própria das eleições municipais.

No caso do Facebook, a criação de um espaço a partir do qual é possível verificar os conteúdos veiculados pelos candidatos, assim como as proibições antes mencionadas, podem ter dificultado o uso da estratégia de desinformar. Isso, aliás, ocorreu já em 2018 no Brasil. Antes daquela eleição, muitos dos debates e propostas que objetivavam proteger o pleito foram direcionadas à tal plataforma.

O que se viu ao longo do ano foi o direcionamento de conteúdos desinformativos por meio do WhatsApp, onde candidaturas também adotaram a tática de disparos em massa, valendo-se das possibilidades de criação de grupos e da alimentação de diversos deles por alguns usuários. Importante notar que, para tanto, foi constituída uma lógica de distribuição que começa centralizada, com difusão de mensagens por parte de alguns agentes espalhados em diversos grupos, e depois ganha capilaridade com o engajamento orgânico dos participante – inclusive em grupos menores que não são claramente identificados com determinadas candidaturas, como de bairros ou serviços, o que ajuda a “furar a bolha”.

A segunda hipótese é que a plataforma do WhatsApp é mais vulnerável a isso, inclusive por suas escolhas, como não uma ter política específica para combater a desinformação nas eleições. Como nas eleições passadas, segue sendo possível criar infinitos grupos e listas de transmissão. Também não houve desbaratamento das fábricas de desinformação e disparo em massa, “serviços”, aliás, que continuam sendo ofertados, como mostrou a Folha de S. Paulo.

Por outro lado, desde 2018 o mensageiro tem reduzido a circulação de conteúdos altamente compartilhados, limitando o número de encaminhamentos de mensagens permitido. Também tem utilizado ferramentas de tratamento de spam e aprendizagem avançada de máquinas para retirar mensagens automatizadas em massa e banir contas de usuários com comportamentos inadequados, a exemplo do envio de mensagens em massa e da criação de múltiplas contas. Medidas que podem dificultar o disparo em massa ou reduzir a velocidade na propagação da desinformação, ainda que não impeçam que ocorra, pois muitos dos agentes que se valem desse mecanismo utilizam sistemas que conseguem driblar esses empecilhos.

Toda essa situação e o fato de ser pouco transparente e dificilmente auditável permitem sustentar que o WhatsApp pode ser o canal preferido para quem busca desinformar. Observando o radar da agência de checagem Aos Fatos, que monitora conteúdos “de baixa qualidade” em diversas plataformas, indícios de confirmação dessa hipótese são vistos. Em uma semana de monitoramento de 272 grupos, foram coletadas 6.517 publicações sobre eleições municipais, das quais 1.143 mensagens foram rotuladas como de baixa qualidade.

A mensagem mais compartilhada diz, em caixa alta,: “VAMOS VARRER DAS PREFEITURAS E CÂMARAS MUNICIPAIS DE VEREADORES DE TODO BRASIL OS COMUNISTAS DESGRAÇADOS SAO TODOS CONTRA A FAMÍLIA, CONTRA A PROPRIEDADE PRIVADA CONTRA AOS CRISTÃO. SE VOCÊ AMA SUA FAMÍLIA E A NOSSA PÁTRIA ENTÃO VOCÊ NÃO VOTA NOS SEGUINTES PARTIDOS ABAIXO” – e segue listando 26 partidos.

A segunda em número de compartilhamentos mistura supostas fraudes na eleição e “o desmonte da farsa da peste chinesa”. A terceira refere-se criticamente à discussão sobre educação e ensino de gênero. A quarta faz alusão à fraude nas urnas eletrônicas, desinformação que tem sido bastante recorrente, como já mostramos aqui. A maior parte das demais mensagens com expressivo número de compartilhamentos também faz a defesa de Bolsonaro e refere-se às eleições municipais.

Os grupos analisados são públicos, com links de acesso disponibilizados na rede por seus administradores de diversos estados. Em grupos mais fechados, saber o que acontece é mais difícil, mas denúncias de desinformação têm sido verificadas. Em Fortaleza, por exemplo, o grupo “Mercadinho do Bairro” foi utilizado para disparar mensagens contra a candidata do PT, Luizianne Lins. Na análise da Aos Fatos, quando comparada a pontuação conferida às mensagens monitoradas no WhatsApp, YouTube, Web e Twitter, o WhatsApp registra a menor nota, o que indica mais conteúdos de “baixa qualidade circulando”.

Situação semelhante é verificada pelo Coar, projeto piauiense de fact-checking que recebe e analisa mensagens, além de coletá-las em dezenas de grupos de WhatsApp. Nas primeiras semanas destas eleições, de acordo com a fundadora da iniciativa, Marta Alencar, foram recebidos poucos conteúdos sobre o pleito. Ainda que o volume tenha começado a aumentar, seguem predominando menções ao cenário nacional e a temas como a vacina contra o coronavírus.

Em geral, a circulação sobre eleições tem se dado sobretudo por meio de grupos fechados no WhatsApp e no Telegram, além de em canais do YouTube. Circulam vídeos e textos, por exemplo, sobre suposta proposta do candidato Kleber Montezuma (PSDB) de implantar o “kit gay” nas unidades de ensino em Teresina. A Coar não encontrou nenhuma declaração feita por Montezuma sobre programa do tipo. Mensagens que manipulam resultados de pesquisas de intenção de voto também têm sido denunciadas e checadas.

Perspectivas para a reta final da campanha

A redução na circulação da desinformação sobre as eleições municipais leva a crer que o impacto que vimos em 2018 não será o mesmo em 2020. Em uma eleição nacional, é mais fácil unificar discursos e organizar a distribuição de mensagens em variados grupos sobre temas como o famoso “kit gay”.

Em embates municipais, as dinâmicas e mesmo candidatos diversos dificultam essa operação. A fragmentação do campo da direita pode também incidir nesse cenário e levar à redução das campanhas de desinformação. O fracasso político de Bolsonaro em sua tentativa de organizar um partido para ele e sua família também pesa. Caso a Aliança tivesse sido consolidada, possivelmente a transmissão da tecnologia de organização de campanhas nas plataformas digitais teria sido facilitada.

Ainda que essas questões estejam postas, é prudente observar especialmente grupos que aparentam ser privados e segmentados e acompanhar a reta final da campanha, especialmente em cidades com cenário indefinido e que podem ser palcos do “vale tudo” eleitoral.

Em eleição de maioria negra, partidos investem mais nos homens brancos

A 25 dias do primeiro turno das eleições, cerca de 450 milhões de reais já foram repassados a candidatas e candidatos de todo o Brasil. O valor refere-se à soma do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) e do Fundo Partidário. Desse montante, 62,9% foram destinados para brancos, sendo que apenas 47,9% do total de candidatos declararam-se brancos.

Em 2020, pela primeira vez nas eleições brasileiras, o número de candidatos autodeclarados negros é maior que o de brancos, correspondendo a 49,9% do total. Porém, a soma dos recursos repassados aos candidatos pretos e pardos é 35,7%, ainda distante de ser proporcional.

Mesmo que neste ano tenhamos decisão inédita do Supremo Tribunal Federal (STF) que pede correspondência exata entre a proporção de candidatos por raça e a distribuição dos recursos, até o momento isso não se confirmou.

Cabe, no entanto, observar que resta pouco mais de 20 dias para os partidos organizarem-se e distribuírem a verba conforme indicado pelo STF. Os dados aqui utilizados foram retirados no dia 20 de outubro da Plataforma Observatório 72 horas, um site para monitoramento do Fundo Eleitoral e Partidário que utiliza dados fornecidos pelo TSE.

Apesar das cotas, mulheres seguem prejudicadas na distribuição dos recursos

As mulheres, somando todas as cores ou raças, receberam até agora 26,1% dos recursos – valor inferior a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que exige uma reserva de 30% do Fundo Eleitoral para campanhas de mulheres.

Homens brancos disparam com 47,7% dos recursos. Abaixo estão os homens pardos, com 21,2%, e os homens pretos, com 3,9%. Já entre as mulheres, brancas recebem 15,2% do total de recursos, enquanto pardas recebem 7,0% e pretas recebem 3,6%.

Em todas as cores ou raças os candidatos do gênero masculino recebem mais do que as candidatas do gênero feminino. A menor desigualdade de gênero na distribuição de recursos está entre os pretos, em que mulheres recebem 48,1% do total, e homens 51,9%. No caso de candidatos autodeclarados brancos, pardos ou indígenas, as mulheres recebem apenas em torno de um quarto dos recursos, enquanto o restante vai para os homens.

Indígenas e amarelos recebem um valor abaixo de 1,0% do total de recursos. Dentro desse grupo, o maior repasse está para os homens amarelos (R$ 1.030.850), em seguida para mulheres amarelas (R$ 552.381), depois para homens indígenas (R$ 366.296) e por fim para mulheres indígenas (R$ 131.906).

Como os partidos com mais recurso, PSL e o PT, estão distribuindo seus repasses?

Os dois partidos que recebem mais recursos do FEFC e do Fundo Partidário em 2020 são o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Social Liberal (PSL). O PT recebe do FEFC pouco mais de 201 milhões de reais e 65,3 milhões do Fundo Partidário. Já o PSL recebe aproximadamente 199 milhões do FEFC e 73,7 milhões do Fundo Partidário.

O PT, até o momento, repassou 36,3 milhões de reais, sendo 66,9% em candidaturas de brancos. Em relação a distribuição de gênero, 33,7% da verba está com candidaturas de mulheres – cumprindo, portanto, com a reserva de 30%. Cabe destacar que 18,5% dos recursos estão com candidaturas de mulheres brancas, 12,2% de mulheres pretas e 2,9% de mulheres pardas.

A campanha do PT com mais recursos é a de Jilmar Tatto, candidato a prefeito de São Paulo, com quase 4,5 milhões de reais. As campanhas de Benedita da Silva, candidata a prefeita do Rio de Janeiro, e de Major Denice, candidata a prefeita de Salvador, ambas do gênero feminino e autodeclaradas pretas, receberam, respectivamente, 5,4% e 2,5% do total dos recursos.

A campanha de Jilmar Tatto, sozinha, ultrapassa o valor repassado às candidatas do Rio e Salvador somadas a todas as candidaturas de mulheres pretas do PT. Representante da máquina partidária e com baixíssima intenção de voto, a candidatura de Tatto é símbolo da crítica feita ao partido mesmo internamente. Em um artigo de Leonardo Avritzer neste Observatório, analisamos a dificuldade que a candidatura de Tatto tem nesta eleição.

O PSL já repassou 41,3 milhões de reais, sendo 56% destes recursos a homens brancos. O total destinado a brancos é de 69,4%, e a mulheres é de 27,6%, não cumprindo as regras de distribuição das verbas até o momento. Mulheres pretas receberam 2,4 milhões de reais, o que representa 5,8% dos recursos repassados, mas quase a totalidade (2,3 milhões de reais) foi para uma única pessoa, Vanda Monteiro, candidata a Prefeitura de Palmas.

Concentração de recursos dos fundos eleitoral e partidário

A campanha com mais recursos dos fundos, por enquanto, é a de João Campos (PSB), candidato a prefeito de Recife, com 7,5 milhões de reais. Bruno Covas (PSDB), candidato a prefeito de São Paulo, vem em segundo lugar no índice de concentração de recursos dos fundos, com 7 milhões de reais. Em terceiro lugar, está a campanha de Alfredo Nascimento, candidato do PL a Prefeitura de Manaus, com 6 milhões de reais, e então Jilmar Tatto (PT), com pouco menos de 4,5 milhões. Isso significa que 6% do total foi repassado até agora foi para estes quatro candidatos, que correspondem a 0,02% do total de candidatos a prefeito em todo o país.

Dentre as candidaturas do gênero feminino, a Delegada Martha Rocha, candidata do PDT à Prefeitura do Rio de Janeiro, é a que teve mais recursos, com 4 milhões de reais. Já dentre as candidaturas a vereador, a candidatura de Milton Leite (DEM), de São Paulo, é a que recebeu mais recursos até agora, totalizando 2,2 milhões de reais.

O que fazer se o dinheiro chega na última semana?

Os recursos repassados às campanhas são utilizados, principalmente, para divulgação das candidaturas. Ou seja, são essenciais para que a pessoa possa ser conhecida pela população, e assim ser escolhida entre uma miríade de candidaturas. Estes recursos podem ser utilizados para gastos com equipe, materiais gráficos, campanhas digitais, dentre outras coisas.

Em 2020, além do Fundo Partidário e FEFC, as candidatas e candidatos podem financiar suas campanhas com recursos próprios, doações de correligionários, realização de eventos ou venda de bens.

Ainda que não sejam a única fonte de recursos para uma campanha, os repasses dos partidos e do FEFC correspondem a um apoio importante, sobretudo para quem não tem recursos próprios. Candidatos mais pobres têm maior dependência desses recursos para construírem suas candidaturas. Cabe aos fundos, em grande medida, equalizar a disputa, garantindo condições mínimas de competitividade para todas e todos que desejam ser representantes da população

Há alguns que contam com algum repasse futuro e estão conseguindo se movimentar. Outros, no entanto, não conseguem agir enquanto não recebem recursos públicos. Se os partidos, que agora por decisão judicial devem distribuir proporcionalmente os recursos por gênero e raça ou cor, não o fizerem desde o princípio, algumas campanhas vão ter mais dificuldade de se estruturar para a reta final. E então, para completar, estaremos diante de um desperdício de recurso público.

Explorando as brechas nas regras e fugindo da representatividade

As decisões recentes mencionadas acima, que se referem a reserva de 30% dos recursos para candidaturas de mulheres e a sua distribuição entre negros e brancos de forma proporcional a quantidade de candidatos de cada raça, visam ter mais diversidade e representatividade na política. No entanto, elas têm sido frequentemente dribladas pelos partidos.

As decisões não especificam se a distribuição dos recursos é apenas para cargos proporcionais ou também para majoritários. Um subterfúgio usado pelos partidos tem sido apresentar mulheres e negros como candidatos a vice. Campanhas majoritárias custam geralmente mais caro do que campanhas proporcionais e investindo em uma candidatura majoritária que tem uma vice mulher e/ou negra, partidos conseguem alcançar as metas sem necessariamente alterar a distribuição dos recursos internamente.

Um artigo do UOL mostrou que em 2020, 41,7% dos candidatos a vice das principais cidades são mulheres, número que era de 27,8% em 2016.

Questões como as cotas e a proporcionalidade na distribuição dos recursos geram resistência de parte da população, que se posiciona contra políticas afirmativas. Por isso, precisam ser acertadas e não permitir, seja por despreparo ou intenção, interpretações dúbias ou deturpações. Do contrário, tornam-se medidas ao mesmo tempo impopulares e inefetivas.

Com os resultados das eleições, será possível analisar os recursos repassados e quem se elegeu ou não. Mas, por hora, a distribuição dos recursos já repassados e o alto investimento em vices mulheres parecem indicar que os partidos deram o seu jeitinho de contribuir para mais uma eleição de maioria branca e masculina, sem descumprir as regras do jogo.

Nota: todas as informações sobre os repasses foram retiradas da plataforma Observatório 72 Horas, que organiza as informações a partir dos dados do TSE, no dia 20 de outubro de 2020, às 18h. A plataforma está com a última atualização feita às 10h10min de 19 de outubro de 2020.
A plataforma faz a distinção apenas dos gêneros masculino e feminino, portanto, para fins de simplificação, neste artigo colocamos mulher como sinônimo de gênero feminino e homem como sinônimo de gênero masculino. 

Quais candidatos lideram nos gastos em redes sociais?

Quais candidatos lideram nos gastos em redes sociais?

Desde 4 de agosto, gastos com anúncios no Facebook e Instagram ultrapassam R$ 14 milhões. Apenas entre os dias 9 e 15 de outubro, foram mais de R$ 4,3 milhões em impulsionamentos de conteúdos sobre temas sociais, eleições ou política nessas redes. Os maiores anunciantes foram dois candidatos à Prefeitura de Fortaleza: Sarto (PDT) e Capitão Wagner (PROS), que juntos aportaram mais de R$ 300 mil na última semana. Entre os políticos, o terceiro lugar em investimento nesse serviço é uma candidata a vereadora no Recife, Andreza Romero (PP). Em quarto, Célio Studart (PV), também candidato à prefeitura da capital cearense. Os dados foram extraídos da Biblioteca de Anúncios do Facebook.

Apesar dos destaques cearenses, São Paulo é o estado que lidera quando somados os recursos empregados na plataforma. Ao todo, foram mais de R$ 980 mil em uma semana. Mas, enquanto nesse caso há diversos candidatos impulsionando, no Ceará a prática é mais restrita e o volume dedicado por poucos políticos é enorme. A soma dos gastos ultrapassa R$ 587 mil, mas apenas aqueles três candidatos à prefeitura concentram mais de 60% do total.

Pouco conhecido pelo grande eleitorado, embora acumule mandatos e presida atualmente a Assembleia Legislativa, Sarto dedicou mais de R$ 178,5 mil no período analisado. Os anúncios mais recorrentes trazem textos como “Conheça um pouco mais sobre a trajetória de Sarto e conheça as propostas que vão fazer Fortaleza cada vez melhor” e “O Time 12 só cresce!”. Também publicações com o prefeito Roberto Cláudio (PDT) e sobre o resultado da pesquisa Ibope, que mostrou Sarto em terceiro lugar, com 16% das intenções de voto, foram estimulados. Nos últimos dois dias, o candidato passou a publicar, além de conteúdos com caráter de apresentação, propostas sobre saúde e mobilidade.

Capitão Wagner, por sua vez, pagou em uma semana R$ 123,6 mil em anúncios. Liderando as pesquisas de intenção de votos, Wagner tem buscado se apresentar de forma mais humanizada e diversa, evitando a monotemática imagem de capitão que o consagrou, mas que impõe limites para ampliação do eleitorado e está arranhada devido à repercussão negativa da última greve de policiais militares no Ceará, no início do ano.

A estratégia de diversificação de imagem de Wagner se revela na TV, onde o candidato tem apresentado programas que ressaltam sua atuação como professor, e também nos anúncios nas redes sociais, mais diversos do que o que se vê no caso de Sarto. Fotos com família e animais, chamados para lives de comentários sobre filmes e outros conteúdos, muitos com estética jovial, foram impulsionados. Nenhum anúncio na última semana fez menção ao presidente Jair Bolsonaro, que declarou apoio ao capitão ao longo do período analisado, o que é um indício de que esse apoio está sendo trabalhado em espaços de comunicação mais segmentados, como grupos de WhatsApp.

Interessante notar que, a partir do dia 16 de outubro, Wagner passou a impulsionar conteúdo sobre a pesquisa do instituto Paraná Pesquisa que o colocava com 36% das intenções de voto. Ocorre que a pesquisa foi divulgada no dia 12 e, no dia 14, levantamento do Ibope reduziu sua projeção, apontando ter 28%. Fica claro que Wagner prioriza o conteúdo favorável nas redes, tendo investido apenas nesse anúncio entre R$ 5 e 6 mil.

No caso de Célio Studart, que aparece em 5o lugar no Ibope, foram mais de R$ 56,7 mil destinados à ampliação da circulação de seus conteúdos no Facebook e Instagram. Postagens sobre proteção animal, com fotos do candidato com cachorros, estão entre as mais recorrentes, assim como posts com o número do candidato e a promessa de “acabar com a indústria da multa em Fortaleza”.

Studart utilizou frequentemente o impulsionamento desde a eleição passada e hoje tem uma audiência ampla, com quase 653 mil seguidores no Facebook e mais de 174 mil no Instagram, registrando também bastante engajamento por meio de comentários. Wagner, por sua vez, tem no Facebook e no Instagram 298,5 mil e 195,8 mil seguidores, respectivamente. Já Sarto possui, nas respectivas redes, 24,7 e 26,8 mil seguidores.

A aposta desses candidatos nas redes pode ser dimensionada quando os aportes são comparados com o top dez dos que mais gastaram dinheiro no Facebook até agora. Tendo em vista os gastos desde 4 de agosto, Sarto, Wagner e Célio somam, respectivamente, mais de R$ 285 mil, R$ 161 mil e R$ 83 mil. No Recife, Mendonça Filho (DEM) gastou R$ 73 mil. Rodrigo Valadares (PTB), prefeiturável em Sergipe, R$ 57 mil. Rogério Santos (PSDB), candidato em Santos, mais de R$ 66 mil. Ricardo Nicolau (PSD), candidato em Manaus, quase R$ 57 mil. Em Belo Horizonte, Rodrigo Paiva (Novo), investiu R$ 33 mil. Sozinho, o Partido Novo empregou quase R$ 70 mil desde agosto em suas páginas oficiais. Heitor Freire (PSL), também candidato em Fortaleza, quase R$ 30 mil, sendo R$ 25 mil apenas na última semana.

Não são apenas candidatos à prefeitura que estão adotando essa estratégia. Na lista dos 10 maiores, há também Andreza Romero (PP), candidata à vereança no Recife, que se apresenta em todas as postagens como defensora da causa animal.

A centralidade da comunicação como estratégia para a eleição é nítida. Em agosto, o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) aplicou multa de R$ 15 mil como condenação do deputado estadual Romero Lima Bezerra de Albuquerque (PP) e de Andreza, sua esposa, por propaganda eleitoral antecipada. Isso porque foram espalhados outdoors destacando a imagem de Andreza, então pré-candidata. Com impulsionamentos, a campanha de Andreza gastou mais de R$ 95 mil desde agosto, dos quais R$ 70 mil entre 9 e 15 de outubro, segundo o Facebook. Em Fortaleza, Natália Rios (PDT) dedicou mais de R$ 38 mil desde agosto, sendo R$ 21 mil na última semana.

Impulsionamento na legislação eleitoral

Os dados sobre impulsionamento foram obtidos a partir de análise da Biblioteca de Anúncios do Facebook, corporação que também é dona do Instagram, por isso os gastos se referem ao volume de recursos destinados para ampliar a circulação nas duas redes sociais.

Ao impulsionar, os candidatos pagam para ampliar a visibilidade das postagens. Eles também podem, por meio de pagamento, obter priorização de conteúdos em sites de buscas como o Google. Como tem sido perceptível ao acessar o YouTube neste momento das eleições, há muita gente pagando para ter propaganda veiculada também na principal plataforma de vídeos do Brasil e do mundo.

Para a alegria dessas plataformas, que passaram a ganhar muito dinheiro nas eleições, essas práticas foram permitidas com a Minirreforma Eleitoral (Lei 13.488) de 2017. Depois, a Resolução 23.551/2017 detalhou que as mensagens sobre eleições deveriam estar identificadas nas redes. Definiu, por isso, que deveriam conter rótulo específico com informações sobre o candidato ou partido, como os nomes e o CPF ou CNPJ do patrocinador.

Mas há controvérsias, por exemplo, quanto à possibilidade de impulsionamento no período da “pré-campanha”, o que dados da página de Sarto, de seus apoiadores e de outros candidatos indicam que houve, embora a regra proíba. Além disso, ainda não está claro o entendimento quanto ao abuso do poder econômico nesses casos, apesar da evidente quebra de isonomia de oportunidade entre concorrentes.

Além da questão jurídica, no centro da questão está o reforço da desigualdade nas eleições. Como argumentei anteriormente neste Observatório das Eleições, tais mecanismos potencializam uma visibilidade artificial baseada no poder econômico. Afinal, é preciso pagar para levar. No caso, para alcançar o eleitorado.

É claro que determinadas estratégias podem acabar ganhando notoriedade e viralizando de forma orgânica, mas não é essa a tendência dominante no uso das redes. Afinal as plataformas de redes sociais adotam modelos de negócios cada vez mais atrelados à monetização de conteúdos. O engajamento orgânico que antes poderia privilegiar candidatos, mesmo aqueles com poucos recursos, tem sido mais difícil, até porque para alcançar a própria audiência é preciso pagar. E, seguindo a lei da oferta e da procura que rege também as plataformas, pagar caro.

Assim como a legislação proíbe a contratação e veiculação de anúncios no rádio e na TV, permitindo apenas a ocupação do espaço do Horário Eleitoral Gratuito e das inserções definidas pela Justiça Eleitoral, é necessário enfrentar esse tema na internet, que está longe de ser, como muitos ainda pensam, um espaço livre e no qual a disputa se dá de forma igualitária entre as diferentes candidaturas.

Não há igualdade de oportunidades quando o dinheiro é o critério de acesso à visibilidade. Visibilidade que foi bastante reduzida no caso da TV (vale lembrar a redução na duração do Horário Eleitoral Gratuito, que de 1h passou a apenas 10 minutos, mantendo a divisão baseada no tamanho da bancada federal de cada partido) e que passa, cada vez mais, pela internet, até pela sua constante presença no cotidiano de boa parte da população.

Organizações que lutam pelo direito à comunicação, como o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, defendem restrições para o impulsionamento, especialmente no período eleitoral. “Rever a liberação do impulsionamento pago nas plataformas digitais, principalmente no contexto eleitoral, já que ele acaba privilegiando candidatos que possuem mais recursos, além de facilitar a propagação de conteúdos, inclusive desinformativos, e de dar margem à ação de ‘fábricas de fake news’” é uma das propostas para o combate à desinformação que consta no livro “Desinformação: crise política e saídas democráticas para as fake news”, publicado pelo Intervozes em 2020. O coletivo também entende que, em períodos eleitorais, em caso de utilização de impulsionamento, as empresas intermediárias de oferta de conteúdo devem manter “registro de tudo o que for impulsionado e que, contendo menções nominais a candidatos, partidos ou coligações, atinja patamar expressivo de disseminação”.

Debate público opaco

O impulsionamento tem relação com a desinformação porque é por meio desse mecanismo que as candidaturas podem fazer os chamados “dark posts”, postagens que não constam nas próprias páginas e que são encaminhadas para o público definido por elas, uma mediação que é feita de forma pouco transparente pelas plataformas, que são os agentes que efetivamente fazem a distribuição e constroem os públicos, a partir dos dados que coletam deles. Como não são efetivamente públicas, essas postagens podem conter informações falsas e não serem objeto da avaliação pública.

Tendo em vista o escândalo envolvendo as campanhas de Donald Trump e Jair Bolsonaro, entre outras, nas quais esses mecanismos foram largamente utilizados, passou-se a cobrar mais transparência das plataformas como forma de combater o uso para desinformação. Uma das respostas do Facebook foi exatamente a criação da Biblioteca de Anúncios.

Além disso, em setembro deste ano, a rede adotou mais medidas de transparência relacionadas às eleições. A primeira é o relatório de transparência, com informações sobre gastos na plataforma. A outra é a disponibilização de uma Interface de Programação de Aplicativo (API, na sigla em inglês) para personalizar pesquisas. Foram estes os mecanismos utilizados para a obtenção dos dados apresentados neste texto.

Nas páginas analisadas, não foram verificados posts com desinformação, ainda que haja uso descontextualizado de informações sobre pesquisas de intenção de votos. Porém há uma questão a ser destacada: a opacidade do debate público.

A implementação de ferramentas de distribuição segmentada de informações por meio do pagamento pode fazer com que você receba um conteúdo e eu, outro. O que chega sobre eleições pode ser absolutamente diferente para cada pessoa. Essa lógica tende a fortalecer a criação de bolhas e, com isso, a ausência de debate entre as diferentes visões. São questões a serem avaliadas e respondidas, tendo em vista a experiência de pleitos tão marcados por aplicações digitais. Agora, já é possível afirmar que a desigualdade também impera nas redes e pode desequilibrar a disputa nas eleições.

Para onde foi o PSDB mineiro?

Para onde foi o PSDB mineiro?

A história é conhecida. Em 2014, o PSDB não reconheceu a derrota nas eleições para Presidente. Sem apresentar evidências que justificassem a atitude, solicitou recontagem de votos ao Tribunal Superior Eleitoral e seu candidato declarou que havia sido derrotado por uma “organização criminosa”. Não satisfeito, o partido entrou com um pedido de cassação de Dilma alegando que sua legitimidade era “extremamente tênue”. Na sequência, o partido passou a buscar uma maneira de interromper o mandato da presidente eleita.

A tática parecia ter dado resultado. Nas eleições municipais de 2016 o PSDB fez barba, cabelo e bigode. Acrescentou mais de 100 prefeituras a seu “portfólio” – o maior crescimento percentual entre os dez maiores partidos – conquistou São Paulo no primeiro turno e foi a legenda mais votada nos grandes municípios brasileiros. Mas logo depois foi tragado pela crise que ajudara a fomentar para afastar o PT e viu sua votação no primeiro turno da eleição presidencial de 2018 despencar de 33,5% para 4,76%.

Até mesmo em função do papel desempenhado por Aécio Neves ao longo deste período, Minas Gerais foi onde o recuo do partido foi mais sentido. Na primeira década e meia deste século, o PSDB tornara-se hegemônico no estado. Entre 2002 e 2014 o partido esteve frente do Palácio da Liberdade de forma ininterrupta, vencendo três eleições no primeiro turno. O controle das cadeiras no Senado foi ainda maior e manteve-se mesmo com a perda do governo estadual para o PT em 2014: à exceção da eleição de Hélio Costa (MDB) para uma das vagas em 2002, candidatos do PSDB ou de partidos coligados só foram derrotados na eleição de 2018.

PSDB na capital mineira

O PSDB governou Belo Horizonte apenas entre 1989 a 1992, com Pimenta da Veiga e depois seu vice, Eduardo Azeredo. Mas sempre participou com destaque nas disputas. Em 1992 o jovem Aécio Neves chegou em terceiro lugar. Em 1996 Amilcar Martins foi derrotado no segundo turno por Célio de Castro (PSB), o mesmo acontecendo com João Leite quatro anos depois. Em 2004, quando João Leite (então no PSB), foi derrotado por Fernando Pimentel (PT), os tucanos estavam na coligação. Em 2008, o PSDB voltou a participar da administração municipal em função da inusitada aliança entre PT e PSDB que elegeu Marcio Lacerda (PSB). A situação se manteve em 2012, mas com o PT fora da coligação. Finalmente em 2016, novamente João Leite, agora de volta ao ninho, foi derrotado no segundo turno por Alexandre Kalil.

Na eleição deste ano, 2020, o partido lançou Luísa Barreto, ex-secretária-adjunta de Planejamento e Gestão do governo de Romeu Zema (Novo), à sucessão de Kalil. Desconhecida do eleitorado e concorrendo em chapa pura, a candidata tem um minuto e 11 segundos na TV para sair do 1% das intenções de voto registrado pelas pesquisas já realizadas (DataFolha; IBOPE ou Data Tempo/Quaest). Muito longe dos mais de 50% do atual prefeito.

Nas demais cidades, partido também reduziu candidaturas

O quadro não é diferente no estado como um todo. O partido reduziu o número de candidaturas próprias em relação a 2016: foram oitenta candidatos (as) a menos para prefeito e 857 para vereador. Nas vinte maiores cidades do estado, o PSDB lançou candidatura própria em apenas quatro, além de BH: Ribeirão das Neves, Teófilo Otoni, Governador Valadares e Poços de Caldas. Apenas nas duas últimas o candidato – prefeito do partido buscando a reeleição – é competitivo. 

Nas quatro cidades com maior população depois de Belo Horizonte, apenas em Uberlândia o partido tem boas perspectivas por participar da coligação de Odelmo Leão, candidato à reeleição pelo PP. 

Em Juiz de Fora, Contagem e Betim, cidades já governadas pelo partido, a situação é ruim. Na primeira, o atual prefeito é do partido, mas desistiu de disputar a reeleição. Na segunda, o atual prefeito também desistiu de disputar a reeleição, mas antes rompeu com o partido. Nos dois municípios o PSDB ocupa a vice em chapas que, segundo pesquisas disponíveis, possuem entre 1% e 3% das intenções de voto. Em Betim, o PSDB não registrou candidato a prefeito ou vice e tampouco integra alguma coligação competitiva.

O sinal amarelo para o PSDB em Minas está aceso desde 2018. Na esteira da “queda” de Aécio Neves, veio a derrota para o governo estadual, ao mesmo tempo em que a maioria dos eleitores de Antônio Anastasia, o candidato, descarregava votos em Bolsonaro, e não em Alckmin, na eleição presidencial. Pela primeira vez desde 2002, o partido em Minas ficou sem um representante no Senado, uma vez que Anastasia, após a eleição, resolveu integrar as fileiras do PSD. 

Por fim, o resultado não foi melhor para a Câmara dos Deputados ou para a Assembleia Legislativa – nos dois casos, a votação do partido caiu quase pela metade em uma comparação com 2014 e retrocedeu a patamares inferiores aos obtidos em 1994. Tão ou mais expressiva foi a queda no voto dado à legenda: um recuo de 85% para a Câmara e 67% para a Assembleia.

A desarticulação em curso do sistema partidário brasileiro não atingiu apenas o PSDB. PT e MDB também estão entre as vítimas. Mas se os tucanos pretendem recuperar algum protagonismo no cenário nacional, as chances de Minas Gerais contribuir para tanto são pequenas.