A disputa entre o DEM e o bolsonarismo nas eleições

A disputa entre o DEM e o bolsonarismo nas eleições

As forças de centro-direita foram as principais derrotadas nas eleições de 2018, em especial o PSDB e o DEM, que concorreram coligados na candidatura de Geraldo Alckmin. No entanto, alguns meses depois das eleições de 2018, os Democratas (DEM) já haviam recuperado influência política a despeito da derrota eleitoral. É interessante observar que, à exceção de Rodrigo Maia – cuja liderança da Câmara já é consolidada desde o governo Michel Temer –, nos demais casos o que agiu foi a fortuna.

Davi Alcolumbre era um político desconhecido até a ascensão do bolsonarismo. O principal candidato a presidente do Senado em 2019 era Renan Calheiros, que foi derrubado por uma campanha do bolsonarismo nas redes sociais pela abertura dos votos dos senadores. A presidência do Senado caiu do nada nas mãos de um político desconhecido e o Democratas inesperadamente passou a controlar as duas casas do Congresso.

No início de 2020, o DEM encontrou-se em situação inédita, detendo a presidência das duas casas e com o único político de capaz de desafiar a popularidade de Jair Bolsonaro, o ex-ministro da saúde, Henrique Mandetta. Ele agora parece estar se posicionando muito bem nas eleições de 2020.

A tabela 1 abaixo aborda as seis capitais nas quais os candidatos do DEM têm mais de 10% das intenções de voto segundo pesquisas do Ibope e do Datafolha.

Tabela 1:Candidatos do Democratas nas capitais com mais de 10% de intenções de voto

Podemos notar um processo interessante que vale a pena analisar: a concentração das candidaturas de direita ou de centro direita no DEM e a forte tendência à reeleição dos seus candidatos mais fortes. Em primeiro lugar, o DEM não parece estar ameaçado nas três capitais que ele governa: Salvador, Florianópolis e Curitiba. Em todos estes casos, seus candidatos têm mais de 40% de intenção de voto.

Nos outros casos, candidatos da centro direita se aproximaram do DEM vindo de outros partidos, o que aponta na direção de uma certa hegemonia do DEM na centro direita. O caso mais relevante parece ser o do Rio de Janeiro, onde Eduardo Paes saiu do MDB, outro partido de centro fortemente derrotado em 2018, e está concorrendo pelo DEM. Paes encontra-se em primeiro lugar, na frente do atual prefeito Marcelo Crivella que é apoiado por Jair Bolsonaro.

A ascensão do DEM enquanto representante da centro direita contrasta com a incapacidade de candidatos do campo bolsonarista motivarem o eleitorado e colocarem-se em uma posição confortável na disputa eleitoral. A tabela 2 mostra a dificuldade da direita bolsonarista em importantes cidades nestas eleições.

Tabela 2: Candidatos apoiados por Bolsonaro em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte

Na tabela estão os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro em três capitais (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) tendo ou intenção de voto muito baixa ou perdendo apoio.

O que podemos perceber é que Bolsonaro não é um grande eleitor nas capitais em que há apenas alguns meses antes estavam batendo panelas nas varandas contra a sua política sanitária. Nenhum dos seus candidatos está bem colocado nas maiores cidades. Pelo contrário, a candidatura de Celso Russomano parece estar derretendo apesar do apoio do presidente, o mesmo acontecendo com a candidatura de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro. Por último, o candidato de Bolsonaro contra o prefeito que mais se distanciou das políticas do presidente na pandemia, o prefeito de Belo Horizonte, parece não ter nenhuma chance nessa eleição.

Assim, vemos dois fenômenos diferentes: de um lado, não há indicações de que o eleitorado tenha se movido em direção à esquerda desde 2018, ainda que ela possa ter vitórias importantes em 2020, se as pesquisas de Porto Alegre e Recife estiverem certas. De outro, observa-se um movimento de moderação no conservadorismo que parece estar desaguando em candidatos do Democratas e não naqueles apoiados pelo presidente Bolsonaro.

Assim, o resultado das eleições de 2020, a se manter a tendência da pesquisa Datafolha de 22 de outubro, é de maior equilíbrio entre Bolsonaro e o DEM. Se o presidente parece manter um nível de popularidade alto, em especial se levarmos em conta o desastre da sua política sanitária e o número de mortos no país, ele também  parece ter perdido um dos seus principais ganhos de 2018: o benefício da dúvida que lhe foi dado pelo eleitorado de classe média das grandes capitais.

Como nas principais democracias do mundo, o eleitorado brasileiro está optando por um poder dividido, ao invés de transferir todo o seu poder a um candidato ou a um clã que não se mostrou nem democrático, nem eficiente em combater a pandemia e nem capaz de gerir a economia.

O bolsonarismo veio para ficar?

O bolsonarismo veio para ficar?

Alguns indícios das eleições municipais no Brasil e das eleições presidenciais nos EUA apontam na direção de que o bolsonarismo e o trumpismo vieram para ficar, independente do resultado das eleições. Ambos os movimentos políticos podem ser entendidos como atualizações da longa história do reacionarismo-autoritário. Mas, no atual contexto, representam movimentos de dissimulação das maiorias predatórias em supostas minorias. Movimentos em detrimento de partidos. Processo mediado pela desinformação, guerras culturais e redes (pseudo)sociais.

Bolsonaro e Trump a todo o tempo fazem esse jogo de representarem uma “maioria” ameaçada e supostamente oprimida. Esse tipo de estratégia tem se mostrado eficiente e será um fenômeno duradouro. Nos termos do antropólogo indiano Arjun Appadurai, trata-se de uma angústia da incompletude que parece estar no DNA dos estados nacionais. Fato que implica na construção de identidades predatórias, isto é, identidades majoritárias que se representam como ameaçadas em suas fantasias narcísicas de viverem em uma sociedade sem diferenças, onde todos seriam o retrato delas mesmas.

Nas eleições municipais deste ano percebemos que o núcleo dos discursos da maioria dos candidatos evangélicos e militares tem como base esses códigos. Frente à ameaça de extinção e do diferente, oferece-se a representação política para garantir proteção. Os líderes políticos representam essa “maioria” ansiosa, e aqui vale lembrar que nem sempre esses grupos configuram maiorias numéricas reais, mas se apresentam enquanto tal. Maioria pode ser sinônimo daquilo tido por normal e/ou superior, e que por isso deveria ser a “alma da nação”.

No caso de nossa tradição reacionária, a “maioria” é branca (tanto quanto possível), cristã, heterossexual. Essa maioria se expressa por mitos como o da democracia racial e da cordialidade do brasileiro. Em geral, seu discurso mobiliza o medo de que possam virar minorias e que por isso a alma e o corpo da pátria-nação estaria ameaçada.

Lembremos a fala de Bolsonaro no fim do seu discurso na Assembléia Geral da ONU esse ano: “o Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base”. Quem não é cristão ou conservador não pode ser brasileiro, é o inimigo interno que deve ser convertido, subjugado ou exterminado. Embora os olhos azuis de Bolsonaro não enxerguem cor, sua nação, além de cristã e conservadora, é também preferencialmente branca. Quem duvidar pode cruzar os percentuais de voto em Bolsonaro na última eleição com as categorias preto e branco.

Bolsonaro não precisa interferir diretamente nas eleições, pois a agenda, a linguagem e a energia de seu movimento já estão colocados nos pleitos municipais, atravessando um amplo espectro partidário. No que se refere aos chamados evangélicos, é preciso destacar que um em cada três brasileiros é evangélico. Não se trata, portanto, de uma frágil minoria. Em se tratando de representação política é certamente o segmento religioso com maior representação.

A Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, é composta por mais de 200 parlamentares, isto é, mais de 30% do total de parlamentares. No ano passado, essa frente foi considerada pelo “Estadão” a bancada mais governista dos últimos cinco mandatos presidenciais, já que 90% dos seus votos foram a favor do governo Bolsonaro. É no interior desse contexto que devemos entender o aumento, na eleição deste ano, de 10% dos candidatos a prefeitos e mais de 40% dos candidatos a vereador com títulos religiosos.

Bolsonaro soube, como ninguém, capturar a maior parte das lideranças e bases desse segmento. A disputa política no Brasil cada vez mais passará por algum tipo de negociação e articulação com o movimento/segmento evangélico. Ignorá-los e/ou apenas rotulá-los é certamente um erro. E os estudos atuais mostram que caso os evangélicos continuem a crescer no mesmo ritmo, eles serão a maioria da população brasileira na próxima década. O grande problema é que cada vez mais o “campo evangélico” vem sendo hegemonizado por lideranças conservadoras e/ou reacionárias.

Nessa direção, para esse segmento da população torna-se estratégico a aliança com líderes políticos que atualizam a tradição conservadora e realizam a guerra cultural por meio da construção de identidades predatórias. Assim, nossa aposta é que nas eleições deste ano a representação evangélica conservadora será a que mais crescerá. E continuará dessa forma até que o campo progressista desenvolva uma estratégia inteligente de diálogo.

As esquerdas não devem ser vistas como uma ameaça existencial que alimente as ansiedades dessa maioria em ascensão. Pautas como a descriminalização do aborto e o casamento homoafetivo são exemplos de como essa maioria anseia por formas totais de controle. Haveria um medo profundo de que com o aborto discriminalizado os próprios cristãos-evangélicos adotariam a prática? Da mesma forma, no discurso conservador há um medo de que a visibilidade LGBT gere algum tipo de contaminação e epidemia. No fundo, há o medo de que em um novo normal uma nova maioria reproduza os comportamento intolerantes das maiorias predatórias.

Ao tirar do armário pautas tabus como o direito ao aborto e o respeito às diferenças, mesmo que involuntariamente, a onda conservadora pode ter aberto finalmente a oportunidade para um debate mais profundo sobre esses temas na sociedade brasileira. Quem sabe possamos encontrar modos em que as maiorias possam ser menos predatórias e mais solidárias.

A nova estratégia do campo progressista precisa ser pensada para além do capitalismo neoliberal e suas metamorfoses, já que a destruição causada por este modelo hegemônico tem minado as possibilidades emancipatórias e transformadoras que existiam, mesmo que de forma latente, nas sociedades liberais. A direita tem sido mais sagaz em atualizar seu discurso. Um exemplo disso, nessa eleição, foi a frase da candidata a prefeitura de São Paulo, Joice Hasselmann, que afirmou que quase do dia para noite pode-se transformar um desempregado em um empreendedor.

Enquanto o campo progressista não for capaz de entender as mudanças em curso, por exemplo, nos mundos da religião e do trabalho, o Bolsonarismo, entendido como uma atualização local, circunstancial e singular da tradição conservadora/reacionária-autoritária, continuará a construir uma forte base social e não apenas nas periferias das grandes cidades. É o que parte dos dados disponíveis das pesquisas realizadas até o momento estão indicando.

Assim, sem abandonar suas especificidades e pautas, um dos desafios do campo progressista é construir discursos e políticas públicas concretas também para as “maiorias ansiosas” que podem se tornar, como dissemos, predatórias, mas que também podem assumir formas solidárias. Do contrário, o medo continuará a ser o afeto dominante em nossa vida política e social. O bolsonarismo sempre esteve entre nós e continuará presente por muito tempo, o que podemos fazer é trabalhar para desativá-lo atualizando outras histórias.

* Mateus Pereira é Professor Associado da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), onde leciona, na graduação, disciplinas sobre História do Brasil República. É membro do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM). Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006), onde também se graduou em História (1999).
Valdei Araújo é Professor Adjunto da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Possui graduação(1995) e mestrado(1998) em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, doutorado em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2003), com estágio PDEE na Universidade de Stanford.

Em ao menos 5 municípios, a cota de gênero garantiu candidaturas masculinas

Estamos a menos de 20 dias das eleições. Desde o dia 27 de setembro, a Justiça Eleitoral tem se ocupado da análise dos Demonstrativos de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) que afere, de maneira geral, se as agremiações se atentaram às formalidades necessárias para lançar seus filiados como candidatos.

Em suma, o que a Justiça Eleitoral tem feito é analisar todos os registros de candidatura e ver se elas estão regulares para competir, ou se há algum impedimento. Dentre os requisitos a serem observados, estão a existência de Diretório ou Comissão Provisória vigente no Município, a redação de ata de convenção e também a observância da cota de gênero. Até o momento, 16 mil candidaturas já foram indeferidas.

Cotas na política

A proposta de um sistema de cotas integrou a Lei das Eleições desde sua primeira versão, em 1997, e previa que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”.

Como se previa apenas a reserva, e não o preenchimento das vagas, a determinação legal acabava não sendo completamente efetiva. Com essa redação, o único inconveniente a que o partido estaria sujeito ao não preencher o percentual mínimo de 30% das candidaturas para gênero era meramente não poder preenchê-las com homens.

A legislação atual, vigente desde 2009, por sua vez, exige que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo, sob pena de ter indeferido o registro de toda a chapa.

É um exercício necessário lembrar que a cota é de gênero e não feminina: a cada 10 candidatos, no mínimo 3 precisam ser mulheres, mas, no máximo 7 podem ser mulheres.

A despeito disso, confesso: desde que iniciei minha trajetória como eleitoralista, meu trabalho de advocacia preventiva em registros começa pela contagem de mulheres na lista de pré-candidatos para, não raro, encontrar percentuais inferiores ao exigido pela norma.

Eis que, este ano, ao acompanhar uma cliente candidata à Prefeitura de um município em Goiás, notei que o percentual de pretensas candidatas mulheres excedia a 70%. Quando me dirigi à equipe e informei que não cumpriam a cota, os coordenadores reagiram com surpresa, afinal, a futura chapa incluía muitas mulheres.

Até a data da convenção, não tínhamos certeza se conseguiríamos alcançar a proporção de 30%/70% para cada gênero. Por fim, encontramos homens interessados em concorrer e terminamos registrando cinco candidaturas femininas e três masculinas, de modo que a “cota” acabou sendo destinada aos candidatos, e não às candidatas.

Dividindo esse caso, de São Luís de Montes Belos (GO), com alguns colegas, logrei descobrir que ele não foi o único: repetiu-se em Estrela do Norte (GO), Alto Horizonte (GO), Itaperuna (RJ) e Canoas (RS).

Parecem muitos casos, mas veja-se: dos 5.570 municípios brasileiros, tem-se notícia de cinco. Ainda estamos muito distantes de um cenário em que chapas majoritariamente femininas ou com paridade são uma realidade comum.

A fim de contextualizar a discussão, cumpre mencionar que o Brasil ocupa a 134ª posição no ranking de porcentagem de mulheres nos Parlamentos Nacionais, entre os 190 países analisados pelo Inter-Parliamentary Union, atrás de países como Líbia, Jordânia e Turquia. As mulheres ocupam apenas 15% dos assentos do parlamento no Brasil, mesmo representando mais de 50% da população.

Por um lado, o debate acerca da necessidade de uma maior efetividade das políticas de incentivo à participação feminina na política tem assumido protagonismo nas discussões acadêmicas e partidárias, em especial após a exposição do grande número de candidaturas femininas fictícias nas eleições de 2016, que culminaram na cassação de chapas proporcionais inteiras. Por outro, há quem defenda a flexibilização da política de cotas.

Como exemplo, tem-se o Projeto de Lei (PL) nº 4130/19, que propunha que, caso a cota de gênero atualmente prevista na Lei das Eleições não fosse preenchida, a vaga permanecesse vazia. O PL parecia propor um retorno ao status quo, anterior a 2009, em tempos de pouca efetividade da cota, e foi retirado em 25/09/2019.

Com efeito, tentativas de flexibilização da cota de gênero não são raras, talvez porque os partidos não possuam competência ou vontade para cumprir com o mínimo de 30% das vagas para candidatas mulheres. A retirada do Projeto demonstra um avanço nessas discussões, mas ainda há que se evoluir muito até uma composição paritária de chapas.

É interessante observar que as maiores críticas dirigidas ao projeto retirado o identificavam como um retrocesso nos direitos conquistados pelas mulheres, mesmo quando a cota é de gênero. De fato, até o ano passado, não se tinha notícia da cota como mecanismo garantidor da participação de candidatos do sexo masculino, como nos casos de São Luís de Montes Belos (GO), Estrela do Norte (GO), Alto Horizonte (GO), Itaperuna (RJ) e Canoas (RS).

A questão que fica é a seguinte: será que se os casos de “inversão da cota” observados nas eleições de 2020 se tornarem mais comuns, o sistema ainda veria a necessidade de se garantir candidaturas de ambos os sexos nas chapas como uma dificuldade? Ou se as cotas fossem para proteger as candidaturas masculinas as cotas não mais seriam vistas como um problema?

* Marina Morais é advogada e mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás. Pesquisadora bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP. Coordenadora da Subcomissão de Estudos Eleitorais da OAB/GO.

O DEM é de centro?

O DEM é de centro?

Tem sido comum afirmar que o DEM desponta como a principal força de centro nas eleições municipais. De fato, o DEM tem apresentado um bom desempenho nas capitais. Mas a questão aqui é saber se seria correto caracterizá-lo como um partido de centro.

Para isso, analiso a opinião de deputadas e deputados sobre como posicionar os partidos, e mostro que o DEM é tido como o partido mais à direita dentre os analisados, ainda que tenha feito um percurso em direção ao centro.

Esquerda e direita

A distinção entre esquerda e direita surgiu na Revolução Francesa, quando os partidários do rei na Assembleia Nacional sentavam-se à direita e os simpatizantes da revolução, à esquerda. A partir do século XIX, a distinção associou-se à clivagem capital/trabalho e o termo esquerda passou a designar os partidos socialistas, comunistas ou social democratas.

Contemporaneamente, aceita-se que os dois campos são caracterizados em função da atitude frente à igualdade: para a esquerda, a desigualdade entre os indivíduos é artificial e deve ser enfrentada pela ação estatal; para a direita, as desigualdades mais importantes entre os indivíduos são naturais e são mais bem enfrentadas pela ação do mercado.

Esquerda e direita na Câmara dos Deputados

A classificação dos partidos em uma escala esquerda-direita sempre causa controvérsia. Neste artigo, considera-se a opinião dos deputados e deputadas na Câmara. Os dados são provenientes do projeto, “Representação política e qualidade da democracia” conduzido pelo Centro de Estudos Legislativos da UFMG.

São consideradas as cinco últimas legislaturas. Em cada uma foram feitas 125 entrevistas em amostras que levaram em conta o tamanho das bancadas. Foi solicitado, aos deputados e deputadas que posicionassem os maiores partidos em uma escala, onde 1 significava esquerda e 10 direita. As respostas foram categorizadas em “esquerda” (1-4); “centro” (5-6) e “direita” (7-10). O resultado é mostrado na Figura 1.

Figura 1

  

Fonte: Representação política e qualidade da democracia (CEL-DCP/UFMG)

No geral, as posições se mantêm no tempo com pequenas variações. A exceção fica por conta do PT, posicionado cada vez mais à esquerda, indo de 3,9 na primeira legislatura a 2,3 na última. PSB e PDT mantiveram-se no limite entre as posições de esquerda e de centro. MDB e PSDB também ocuparam uma posição limite, mas entre o centro e a direita.

Finalmente, os partidos à direita, PP e DEM, fizeram um percurso em direção ao centro – de forma mais clara no primeiro caso (de 7,9 para 6,4) do que no segundo (de 7,6 para 7,0). A série não inclui o PSL, dada a sua inexpressividade até a eleição de 2018. Na atual legislatura, o partido foi incluído na lista de legendas apresentada aos deputados(as), que o alocaram na posição 7,5.

Estado ou mercado?

Em função do modo como veem a possibilidade de redução das desigualdades sociais, é de se esperar que partidos de esquerda prefiram fortalecer a presença do Estado. Para verificar se isso procede, deputadas e deputados dos maiores partidos foram questionados sobre: (a) se seriam favoráveis a uma economia regulada pelo Estado ou pelo mercado; (b) qual deveria ser o controle do Estado sobre a gestão dos serviços públicos; e (c) qual deveria ser o controle do Estado sobre os recursos naturais. Foi utilizada a escala de 1 a 10 onde 1 significava máxima presença do Estado.

A figura 2 apresenta os resultados para a atual legislatura. A posição dos partidos em cada uma das três questões foi definida com base nas respostas dadas por seus representantes eleitos, extraindo-se daí a média, que é o valor associado a cada legenda na Figura.

Como se observa, PSB e PDT ficam mais próximos do MDB, o que deixa o PT relativamente isolado na defesa de posições mais estatais. Praticamente não há distinção entre o PSDB e o bloco mais claramente “pró-mercado” que, por sua vez, é capitaneado pelo DEM, a legenda mais “neoliberal” de todas, com média de 7,4 nas três questões.

Figura 2

Fonte: Representação política e qualidade da democracia (CEL-DCP/UFMG)

Progressistas ou conservadores?

Para verificar se partidos de esquerda seriam também mais progressistas (e vice versa) foram utilizadas questões sobre redução da maioridade penal, união entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte, descriminalização do uso de drogas, proibição da venda de armas e aborto. Na escala utilizada, 1 significava uma postura progressista e 10 conservadora. A posição de cada partido, na Figura 3, corresponde a uma média das respostas dadas por seus deputados ou deputadas.

Figura 3

Fonte: Representação política e qualidade da democracia (CEL-DCP/UFMG)

Parece que, pelo menos na Câmara, a esquerda é mais progressista, ainda que PSB e PDT novamente se aproximem do MDB. Sem surpresa, o PSL é o mais conservador, “trocando de posição” com o DEM, em relação à figura anterior. Surpresa talvez seja o PSDB que, de acordo com seus deputados, é tão ou pouco mais conservador que partidos tradicionalmente considerados como tal no Brasil.

Moral da história

À medida que uma nova geração substituiu os velhos caciques do antigo PFL, o DEM de fato moderou algumas de suas posições, mas é mais correto deixá-lo onde sempre esteve, à direita, ainda que não tão longe do centro. O surgimento de uma direita mais radical e reacionária, personificada em Bolsonaro e seus filhos, não deve fazer com que tudo o que não seja esquerda passe a ser denominado centro.

Rio: o espírito do bolsonarismo e os órfãos de Marcelo Freixo

Rio: o espírito do bolsonarismo e os órfãos de Marcelo Freixo

Antonio C. Alkmim*

Sinais. Foi o que apresentou a eleição de 2016 para a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, com uma nova alternativa à continuidade do prefeito Eduardo Paes (PMDB). A emergência de uma máquina política que iria sinalizar os novos tempos, com a eleição do bispo evangélico Marcelo Crivella (PRB), após uma disputa com o candidato da esquerda Marcelo Freixo (PSOL).

Crivella é diretamente ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), sendo sobrinho do seu fundador, o bispo Edir Macedo. De um galpão no subúrbio inaugurado em 1977, a Universal se tornaria um complexo religioso multinacional. Filiado à igreja desde o início, Crivella torna-se missionário e cantor gospel de sucesso. Daí para a carreira política que culmina em 2016.

A força evangélica que acompanha Crivella mobiliza um contingente expressivo de adeptos. A sua proporção na cidade do Rio, como no país, é ascendente há décadas: 27,9%, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2010, contra 18,4% em 2000. Uma força em expansão, que convive com a diversidade de crenças peculiar da cidade que não opõe ou distingue apenas católicos e evangélicos. Há uma proporção importante dos que se declaram sem filiação religiosa (13,6% de ateus, agnósticos, ou acreditam em alguma força espiritual) e os que se filiam a outras religiões (11%).

O movimento das lideranças evangélicas criou uma máquina política e eleitoral, com uma contraprestação de atendimentos e redes de proteção, aliados à uma temática conservadora. Por outro lado, a ocupação direta de cargos públicos e de representação, seja no executivo ou legislativo.

Em 2016 a religião, dentre outros fatores (sexo, idade, escolaridade e renda) foi o mais discriminante. Cerca de 70% ou mais dos evangélicos, segundo pesquisas eleitorais, mostravam a intenção de voto estimulada em Crivella. Pelo peso dos evangélicos (um terço do eleitorado), isto justifica os 842 mil votos recebidos no primeiro turno, e 1,7 milhões no segundo.

A atual disputa, de acordo com a pesquisa do Datafolha fechada em 21 de outubro, mostra uma rejeição ao prefeito e à sua candidatura que alcança mais de 50%, inclusive com um desgaste entre os evangélicos. Essa rejeição é alta para se ganhar uma eleição ou talvez mesmo chegar ao segundo turno, o que beneficia seus adversários mais diretos.

No entanto, a religião continua a ser um diferencial distinguindo o prefeito de outros candidatos, como Eduardo Paes (DEM) e Marta Rocha (PDT) com maior apoio católico. A importância da religião é acompanhada pela idade, seguida pela escolaridade e renda. Fatores como sexo e cor não se mostram tão significativos no cenário inicial da disputa.

Intenção estimulada de voto e rejeição para prefeito 2020, Rio de janeiro

Elaboração própria, a partir de dados do Datafolha de 21 de outubro

Intenção estimulada de voto para prefeito 2020, Rio de janeiro, segundo indicadores sociodemográficos

Elaboração própria, a partir de dados do Datafolha de 21 de outubro

O direcionamento dos evangélicos rumo ao bolsonarismo teve a sua gênese no Rio, na comunhão entre a IURD e outras igrejas cristãs e a candidatura do candidato do PSL em 2018. Mas já em 2016 Crivella se descolou de um vínculo ideológico à esquerda.

O atual contexto remete a uma cidade mais que partida, com uma diferença estrutural, segmentada. A oposição horizontal separa em extremos a zona sul e oeste, e do mesmo jeito, verticalmente, asfalto e favela. Os indicadores sociais mudam conforme a geografia da cidade.

É o que mostra o mapa do segundo turno em 2016. Crivella junto à máquina evangélica entrou no mundo popular e ocupou este universo, pois a máquina política, em sua natureza, atende demandas concretas de sua clientela, que vão além da força simbólica e espiritual, ritualizada ou caricata dos cultos. O terreno estava pronto. Faltava à máquina evangélica a interseção com o capitão e suas múltiplas causalidades.

Diferença da votação entre Marcelo Crivella (PR) e Marcelo Freixo (PSOL), no segundo turno das eleições para prefeito no município do Rio de Janeiro, 2016

Elaboração própria, a partir de dados do TSE

A eleição de Bolsonaro foi multicausal. A formação e conformação do seu eleitorado, o contexto internacional, os militares, o olavismo, o seu vínculo com as milícias, a pauta conservadora, a utilização das redes sociais, da televisão, o antipetismo. Uma eleição espetacular. A estratégia do atual prefeito, através de sua propaganda, é de potencializar o voto bolsonarista e o seu atual terço de aprovação, mais arrefecida que a do início do mandato.

Diferença da votação entre Jair Bolsonaro (PSOL) e Fernando Haddad (PT), no segundo turno das eleições para presidente no município do Rio de Janeiro, 2018

Elaboração própria, a partir de dados do TSE

A conjunção entre o bolsonarismo e a máquina evangélica é superposta geograficamente, embora a votação de Bolsonaro tenha sido superior não só a de Haddad, como à de Crivella e Freixo. Agregou novos significados.

Chegamos ao ponto em que três forças estão em disputa no Rio. O favoritismo, no ponto de partida de Eduardo Paes não lhe garante. Crivella, na interseção da máquina evangélica e do bolsonarismo corre todos os riscos. E uma terceira via se viabilizou, incluindo os órfãos da desistência da candidatura do deputado Marcelo Freixo (PSOL). Um espaço sendo disputado, por duas candidatas, nesta ordem: Marta Rocha (PDT) e Benedita da Silva (PT). Ou quem sabe ainda, um oculto imponderável.

*Antonio C. Alkmim é cientista político e professor da PUC-RJ.

Renovação política não deve ser alta em 2020

Renovação política não deve ser alta em 2020

No próximo dia 15 de novembro, teremos eleições nos mais de cinco mil municípios brasileiros, mas muitos poderão acordar com o mesmo prefeito em 1º de janeiro de 2021. A reeleição consecutiva para cargos do Executivo foi aprovada em 1997 por meio de emenda constitucional, e desde então isso tem sido padrão. Ou seja, boa parte dos ocupantes do cargo levaram vantagem sobre os concorrentes durante os pleitos e permaneceram em seus cargos.

No entanto, a taxa de sucesso de prefeitos que buscam um segundo mandato vem caindo desde 2008. Mas isso pode se reverter esse ano. O número de candidatos com a intenção de conquistar a reeleição aumentou e as eleições municipais de 2020 tem o maior número de prefeitos aptos à reeleição desde 2000 – a primeira disputa eleitoral municipal depois que a recondução foi permitida. Hoje, mais da metade dos prefeitos tentam um segundo mandato.

“A política só tem uma porta, a porta de entrada. Não tem porta de saída” – José Sarney

No final do mandato, políticos devem decidir entre se ausentar da disputa seguinte, concorrer a um cargo diferente daquele que ocupam ou buscar a reeleição. Caso decidam permanecer no cenário político, isso pode ser feito por meio do mesmo partido pelo qual foi eleito na disputa anterior ou por um novo. Para o cargo de prefeito, a regra permite apenas uma reeleição consecutiva. Já para vereador, não existem impeditivos para a reeleição.

Sendo assim, é importante saber quem são esses candidatos que buscam permanecer no cenário político e se é possível identificar estratégias para a disputa eleitoral que irão enfrentar.

Caras conhecidas em 2020

Do total de candidatos que disputam as eleições para prefeito em 2020, 31% já competiram por essa vaga em 2016 e, no caso dos vereadores, quase 29% do total de candidatos já pleitearam pela vaga nas eleições anteriores.

É possível imaginar que a maior recorrência de candidaturas seja entre postulantes que foram eleitos em 2016, e isso vale para os prefeitos. Em aproximadamente 60% dos municípios brasileiros, os prefeitos estão buscando uma nova vitória nessas eleições. Mas, dado o maior número de candidatos em disputa, entre os vereadores essa condição se inverte. Cerca de 70% dos candidatos que não foram eleitos em 2016 estão disputando novamente uma vaga nas Câmaras Municipais.

Outro dado interessante é que do total de candidatos a prefeito esse ano, quase 17% foram candidatos a vereador em 2016, dentre os quais, 71% foram eleitos naquele pleito. Ou seja, o aumento no número de candidaturas para as prefeituras é composto por indivíduos já conhecidos no cenário político municipal, o que pode ser uma vantagem para aqueles que buscam essa vaga.

Migração entre candidatos a vereador é grande

Um ponto que vale ser ponderado a respeito das candidaturas repetidas é a migração partidária. Além de pensar de qual partido o candidato vem e para qual foi, é igualmente importante ponderar o que essa movimentação significa. Por um lado, certamente, temos estratégias partidárias que visam atrair essas candidaturas a fim de ampliar sua atuação nacional. Mas, por outro, também existe a agência do indivíduo que opta por permanecer no mesmo partido ou não.

Entre os prefeitos, é mais comum que aqueles que estão eleitos busquem uma nova candidatura pelo mesmo partido. Mas entre os vereadores isto não parece ser tão frequente. Mais de 60% dos vereadores que estão se candidatando novamente e que foram eleitos em 2016 apostam em uma nova legenda para as eleições 2020, e entre os que se candidataram, mas não foram eleitos, esse valor ultrapassa os 70%.

Mas como escolher para onde ir? Os incentivos para a migração partidária são vários, e não cabe aqui discuti-los. Neste observatório, foi discutido já o efeito do fim das coligações nos cargos proporcionais, que certamente fez com que a decisão de vereadores sobre partidos encontrasse novos elementos para poderar.

Mas um ponto que vale a pena questionar é se, nesse cálculo, entra a ponderação sobre o partido do governador. Isso porque, a presença no principal cargo Executivo do estado poderia gerar maior visibilidade, recursos e até mesmo facilidades durante a campanha eleitoral. E, de um modo geral, parece que esse é um atrativo.

Os governadores importam

Entre candidatos que se candidataram para prefeito em 2016 e estão tentando novamente, 13,4% estão no partido do governador de seu estado e, dentre esses, 41% estavam em um partido diferente na eleição anterior. Entre os vereadores, 9% estão disputando pelo mesmo partido que o do governador e, desse total, quase 65% migrou para esse partido para concorrer em 2020. Sobre isso, chama atenção o caso de São Paulo, onde o PSDB domina a disputa pelo governo do estado há mais de 20 anos e, ainda hoje, segue atraindo muitos competidores para sua sigla em comparação com os que acontece nos demais estados.

Ainda não dá para saber se essa é uma estratégia eficiente, precisamos aguardar o resultado da disputa. Mas já podemos adiantar que, provavelmente, haverá muitos rostos conhecidos em janeiro de 2021.

Monize Arquer é doutora em Ciência Política pela Unicamp, com período sanduíche na Universidade de Oxford, e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop – Unicamp). Atualmente atua em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC.

Luiz Gabriel Lima é graduando em Ciências Sociais pela Unicamp e bolsista do INCT/IDDC.