Pra campanha ficar Odara…

Pra campanha ficar Odara…

Esta semana viralizou nas redes sociais um vídeo de Caetano Veloso, e não era com ele cantando. O compositor, falando para a câmera de Paula Lavigne, criticava decisão da Justiça Eleitoral gaúcha que proibia Manuela d’Ávila, do PCdoB de Porto Alegre, de divulgar a live que o cantor realizaria para arrecadar fundos para a campanha da candidata. A decisão gerava dúvidas se o evento poderia ou não ser realizado. Munido da legislação eleitoral, Caetano afirmava que faria o show, quase um “deixa eu cantar”.

A decisão é provisória, mas o embate não deverá ser o único desse tipo. Isso porque se tornou cada vez mais comum no Brasil a transposição para a Justiça Eleitoral das disputas entre os candidatos, em uma modalidade de judicialização das eleições que atinge as campanhas eleitorais.

As eleições tornaram-se um campo fértil para intervenção de juízes e promotores e isso se deve ao fato de que se combina, no Brasil, um quadro institucional que oferece inúmeros pontos de acesso ao Poder Judiciário. Para o caso da Justiça Eleitoral, há previsão legal de variados instrumentos jurídicos que estão à disposição dos cidadãos, mas, sobretudo, podem ser mobilizados estrategicamente pelas candidaturas. Como consequência, quase todos os aspectos do processo eleitoral podem ser questionados judicialmente.

Ainda que este modelo de governança eleitoral tenha sido pensado para garantir a legitimidade das eleições, em um ambiente de generalizada desconfiança e visão profundamente negativa da política e dos políticos, o resultado pode não ser o desejável.

Limitações dificultam a arrecadação para quem não pode doar para si mesmo

Entre as principais ferramentas de controle judicial da influência do poder econômico ou abuso de poder nas eleições, destaca-se a representação eleitoral. Esta serve para apurar e punir infrações às normas eleitorais que possam desequilibrar a disputa, incluídas aí as irregularidades referentes à propaganda eleitoral e doações e contribuições para campanhas. A discussão em torno da live de Caetano Veloso envolve, justamente, estes campos.

Equiparado a um showmício pela justiça, o que se pretendia, segundo seus organizadores, era promover um evento de arrecadação para as campanhas de Manuela e, também, de Boulos, respectivamente às prefeituras de Porto Alegre e São Paulo. A peculiaridade se restringe ao fato de que, no lugar de um teatro, a performance de Caetano aconteceria no universo virtual. A iniciativa, no entanto, tornou-se objeto de disputa, o que coloca em questão a conveniência de uma justiça que escrutina e tutela não apenas as virtudes do voto, mas também das doações dos cidadãos.

A questão se torna urgente diante de um quadro em que progressivamente se limitam as campanhas eleitorais e se alteram as regras de obtenção de recursos para que os candidatos possam divulgar suas ideias e projetos para suas cidades. Se houver limites tão rigorosos para arrecadação, quem poderá disputar eleições? Segundo matéria na imprensa, autofinanciamento já é a segunda maior fonte de recursos para os candidatos, perdendo apenas para o dinheiro vindo dos próprios partidos. Somente os ricos serão competitivos?

Profissionalização das assessorias jurídicas de campanha

Ao mesmo tempo em que avança o fenômeno da judicialização das eleições, observa-se a crescente profissionalização das assessorias jurídicas das campanhas. Bancas de advogados solapam a informalidade que marcava no passado recente a atuação errática das candidaturas perante a Justiça Eleitoral.

São expressivos os dados do TSE sobre litigância nas eleições de 2018. Embora os registros de candidaturas e as prestações de conta ainda sejam os mais contestados judicialmente, perfazendo aproximadamente 78% das ações propostas perante os TREs, as representações são a terceira classe processual mais mobilizada. E das 3.849 reclamações propostas, aproximadamente 82% questionam irregularidades em propagandas. Esse é um indicativo de quais são os principais instrumentos por meio dos quais as assessorias judicializam as campanhas, tendo por objeto preferencial justamente a propaganda eleitoral.

Nenhuma candidatura que se pretenda competitiva prescinde, atualmente, de planejamento jurídico estratégico, o que não envolve apenas aspectos defensivos. As candidaturas e campanhas dos adversários são escrutinadas em cada etapa do processo eleitoral. Não surpreende, portanto, que tenha sido um dos adversários de Manuela d’Ávila a atiçar a Justiça Eleitoral. Cada vez mais, advogadas e advogados dividem os holofotes com marqueteiros no universo das campanhas eleitorais. Diante deste quadro é que a acossada Justiça Eleitoral precisa exercer suas virtudes passivas – talvez mais do que nunca.

Disputa acirrada em Maceió mira a sucessão para o governo estadual em 2022

Disputa acirrada em Maceió mira a sucessão para o governo estadual em 2022

Na última sexta-feira (9), o Ibope e a TV Gazeta divulgaram resultados da primeira pesquisa de intenção de votos que aponta para uma disputa acirrada entre os dois primeiros colocados. Dentre as dez candidaturas registradas, Alfredo Gaspar de Mendonça (MDB) e JHC (PSB), tecnicamente empatados com 26% e 25%78 respectivamente, são os dois nomes mais fortes na competição, e podem levar a definição da eleição para o segundo turno.


Fonte: Pesquisa Ibope/TVGazeta de Alagoas 09/10/2020

A soma da intenção de votos nos demais candidatos é de 26%. Cícero Almeida (DC) tem 10%, Davi Davino (Progressitas) 5% e Lenilda Luna (UP) tem 3%. Josan Leite (Patriota), Ricardo Barbosa (PT) e Valéria Correia (Psol) têm 2% cada um. Cícero Filho (PC do B) e Corintho Campelo (PMN) também têm 1% cada.

Com o fim das coligações para eleição proporcional, uma das estratégias dos partidos de esquerda na capital tem sido impulsionar e dar visibilidade às candidaturas a vereador (a). A despeito dos demais partidos de esquerda, chama a atenção a intenção de votos da candidata Lenilda Luna, filiada ao mais novo partido político registrado no TSE, Unidade Popular (UP), que alcançou 3% na primeira pesquisa do Ibope.

Rejeição dos candidatos

Ainda de acordo com os dados da pesquisa Ibope, Cícero Almeida (DC), ex-prefeito e ex-deputado federal, é o candidato com menor potencial de crescimento, já que apresenta a maior taxa de rejeição. 49% dos entrevistados responderam que não votariam nele de jeito nenhum.

JHC é rejeitado por 21% dos entrevistados e Alfredo Gaspar de Mendonça por 17%. Os demais candidatos tiveram rejeição abaixo de 15%, conforme pode ser observado na figura a seguir.

Taxa de rejeição aos candidatos à prefeitura de Maceió

Fonte: Pesquisa Ibope/TVGazeta de Alagoas 09/10/2020

Uma disputa municipal com olhares voltados para 2022

Apesar da pesquisa apontar uma disputa acirrada, centrada nos dois primeiros colocados, e do tempo curto de campanha, é possível que outros candidatos cresçam até o dia das eleições. Mas pouco provável que alterem a situação atual. Podem, no entanto, ser peças estratégicas na composição de apoios aos candidatos em um eventual segundo turno.

Além do comando da capital, a disputa pelo governo do estado também faz parte do baralho eleitoral em Maceió.

Alfredo Gaspar de Mendonça é apoiado pelo governador Renan Filho (MDB) e também pelo atual prefeito, Rui Palmeira (sem partido). Há menos de um ano, ter os dois governantes lado a lado apoiando o mesmo candidato pareceria algo improvável. Todavia, os embates internos com a direção do PSDB estadual, que não aceitou a indicação de um nome próprio do partido para a disputa na capital, levaram à desfiliação de Rui e sua aproximação do governador, desde o início do ano.

Mendonça foi secretário da segurança pública no primeiro mandato de Renan Filho e pediu exoneração do cargo de procurador do estado para disputar a eleição. Seu candidato a vice é Tácio Melo (Podemos) indicado por Rui Palmeira. O lema de sua campanha é “pulso firme”, em referência aos êxitos de sua gestão no combate à criminalidade no estado.

Caso ele seja eleito prefeito, o governador ganha um reforço para a disputa ao Senado Federal em 2022, e Rui Palmeira à sucessão do governo estadual.

A disputa ao governo do estado também faz parte da ambição política de outros candidatos. O deputado federal João Henrique Caldas (JHC), filho do ex-deputado federal João Caldas e da ex-prefeita de Ibateguara, Eudócia Caldas, também quer ser eleito e influenciar a sucessão ao governo em 2022, apoiando o – possivelmente candidato – senador Rodrigo Cunha (PSDB). Seu vice é Ronaldo Lessa (PDT), ex-deputado federal, ex-governador de Alagoas e ex-prefeito de Maceió. O lema da campanha de JHC é “Prefeito de Verdade” e tem sido incisivo nas críticas às atuais gestões, tanto no estado, quanto em Maceió.

Candidatos bolsonaristas

Na última eleição presidencial, a capital alagoana deu proporcionalmente mais votos ao então candidato e atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do que as demais capitais do nordeste, tanto no primeiro quanto no segundo turno.

Muito embora vários dos atuais candidatos tenham declarado voto em Bolsonaro em 2018, apenas um candidato à prefeitura de Maceió, Josan Leite, se declara apoiador incondicional de Bolsonaro neste ano. Os demais candidatos não trouxeram Bolsonaro para a eleição municipal (pelo menos até então). Nem mesmo Davi Davino, apoiado pelo líder do “centrão”, Arthur Lira (Progressista).

Pandemia e desafios para as campanhas na capital

Apesar dos dados apresentados pela pesquisa do Ibope e das intenções futuras dos candidatos, é fundamental para os candidatos aproveitar o tempo disponível para campanhas e convencer o eleitor não apenas de que são melhores candidatos (as) à sucessão na capital, mas também de que é necessário ir às urnas votar em meio a uma pandemia.

Como há uma determinação da Justiça Eleitoral do estado para que os candidatos cumpram os decretos sanitários de controle do coronavírus, especialmente quanto ao distanciamento social, a campanha digital nas redes sociais e a propaganda de rádio e TV podem ser um diferencial na comunicação entre candidatos e eleitores. Mas ainda é cedo para fazer essa avaliação.

No Recife, ainda é muito cedo para apontar favoritos

No Recife, ainda é muito cedo para apontar favoritos

Definidos/as os/as candidatos/as, as primeiras pesquisas de intenção de voto no Recife anunciam que a disputa está indefinida e será muito acirrada. Das 11 candidaturas, pelo menos quatro parecem despontar como as mais viáveis. A do deputado federal João Campos (PSB), a do ex-governador Mendonça Filho (DEM), a da deputada federal Marília Arraes (PT) e a da delegada Patrícia (Podemos). É o que mostra a pesquisa Ibope encomendada pela TV Globo/ Jornal do Commercio, divulgada na última sexta-feira (2).

A pesquisa aponta João Campos com 23%, e Mendonça Filho com 19% das intenções de voto, tecnicamente empatados na margem de erro. Além deste, dois outros empates se verificam: Mendonça Filho (19%) e Marília Arraes (14%) dividem a segunda colocação; e a candidata do PT empata também com a candidata do Podemos, Delegada Patrícia, que aparece em quarto lugar.

Fonte: Ibope (02/10/2020)

A indefinição aumenta quando se verificam os números da rejeição. Os dois primeiros colocados, Campos e Mendonça, são exatamente os que apresentam a maior rejeição, ambos com 36% e, portanto, com menos espaço para avançar na preferência do eleitorado. Já Marília Arraes tem 20% de rejeição, o que sugere que ela pode crescer um pouco mais que os dois. Mas o destaque fica para a Delegada Patrícia. Ela tem a menor rejeição entre os/as candidatos/as mais bem colocados, apenas 10%.

Ao que tudo indica, a incerteza sobre o resultado levará a estratégias de alianças que serão decisivas. A campanha vai importar, e muito. E quem manejar bem esses recursos, pode se beneficiar.

O apoio de Bolsonaro

Tudo indica que dois apoios podem ser decisivos na campanha. O primeiro é o do prefeito Geraldo Júlio (PSB) e o segundo é o de Bolsonaro. Contrariando as expectativas, em boa medida baseadas no fraco desempenho de Bolsonaro no Nordeste nas eleições de 2018, o presidente parece ser uma força importante na disputa eleitoral do Recife. Na pesquisa realizada pela 6 Sigma, entre 20 e 22 de setembro, a avaliação do presidente é melhor que a do Governador Paulo Câmara (PSB) e superior à do Prefeito do Recife, Geraldo Júlio, ainda que se verifique empate técnico neste último caso. Os percentuais são relativos aos eleitores que responderam ótimo e bom.

É bem verdade que a avaliação do presidente é menor do que a que se vem observando no Sudeste e em nível nacional, que em setembro estava em torno de 40%, a depender da pesquisa. Mas se cotejada com os líderes locais, seu apoio não parece ser dispensável. Bolsonaro é apoiado por quase um terço do eleitorado do Recife e isso não é pouca coisa.

Fonte: 6 Sigma (20 a 22/09/2020).

Resta saber, primeiro, se ele vai se envolver na campanha, e segundo, se for o caso, a quem ele dará apoio. A primeira pergunta ainda é uma incógnita, mas sobre a segunda, é possível especular. Se Bolsonaro entrar na campanha, dará apoio ou à delegada Patrícia, ou ao Cel. Feitosa. Como este último parece não ser viável, o apoio do presidente pode ser em favor da delegada do Podemos, e isso, associado à sua baixa rejeição, a torna uma candidata competitiva.

Enquanto a estratégia do presidente não está definida, qualquer palpite sobre a disputa do Recife se torna muito arriscado.

Esquerda dividida

Somado à incerteza sobre o apoio de Bolsonaro, Recife tem um quadro complicado para as esquerdas. O socialista João Campos, filho do falecido Eduardo Campos, certamente contará com o apoio do Prefeito Geraldo Júlio e do Governador Paulo Câmara, e isso lhe dá boa vantagem. Afinal, a máquina fala alto numa eleição, mas ele tem um problema pela frente: desta vez, o PT sai com candidatura própria.

Historicamente, o PT tem formado aliança com o PSB em Pernambuco, dando suporte ao projeto dos Campos e, para muitos, como partido satélite. Foi o que aconteceu em 2018, quando Marília Arraes foi preterida, em favor da candidatura de Paulo Câmara ao Governo do Estado. Agora, a história mudou. Marília conseguiu a indicação do partido e, embora conte com alguma oposição dentro do PT, notadamente do Senador Humberto Costa, ela aparece como candidata viável já no início do pleito.

Disputa indefinida

Duas das quatro candidaturas mais promissoras, segundo resultado do Ibope, já eram esperadas. Campos, pelo legado do pai e a força do PSB no Estado, e Mendonça, por já ter sido Governador. A novidade fica por conta das mulheres.

Tanto Marília Arraes quanto a delegada Patrícia aparecem bem posicionadas e isso complica o jogo. As duas tem potencial de crescimento, pois têm baixa rejeição e promissores apoios. Marília já provou ser boa de urna, foi eleita em 2018 com 193.108 mil votos – a segunda parlamentar federal mais votada no estado naquele ano. Mas seu sucesso depende de equacionar internamente o racha no PT, mantendo a militância coesa.

Já para Patrícia, seu desempenho pode melhorar significativamente se tiver apoio do Presidente. Embora diga que não depende do apoio de Bolsonaro, logo descobrirá que não existe eleição fácil, sobretudo para ela, que ainda não foi testada nas urnas. No Recife, menos ainda, dada a tendência do eleitorado à esquerda.

* Manoel Leonardo Santos é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG

Primeira semana de campanha é marcada por fake news requentadas sobre urnas

Primeira semana de campanha é marcada por fake news requentadas sobre urnas

Campeãs em número de circulação nas eleições de 2018, campanhas de desinformação sobre urnas eletrônicas são novamente vistas aos montes na internet. Observando os chats de WhatsApp e os portais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e das principais agências de checagem de fatos em operação no Brasil, fica claro que, ao longo da primeira semana de campanha, conteúdos já bastante conhecidos e rotulados como falsos mas que atingem a credibilidade do sistema eleitoral têm sido novamente utilizados.

O Tira-Dúvidas Eleitoral do TSE, assistente virtual da Justiça Eleitoral acessível por meio do WhatsApp, apresentou neste domingo (4) os seguintes destaques sobre a primeira semana de campanha: “É falso que a Lenovo comprou a Positivo, fabricante de urnas das eleições de 2022”; “Escolhida para produzir urnas eletrônicas, Positivo não foi comprada pela chinesa Lenovo” e “Lenovo nunca comprou a Positivo, ao contrário do que diz boato”.

Urnas eletrônicas no centro das fake news

Na página “Fato ou Boato”, iniciativa do TSE em parceria com diversos agentes para combater a desinformação, as urnas eletrônicas também tiveram destaque. Anulação de mais de 7 milhões de votos nas eleições, impossibilidade de auditoria das urnas e suposta entrega de códigos delas para Venezuela foram alguns dos conteúdos desmentidos.

Imagem da página Fato ou Boato (TSE) no dia 05 de outubro.

Tendo em vista a opacidade das plataformas digitais, que podem direcionar conteúdos exclusivamente para determinados usuários, e também a diversidade de sites, canais, contas e grupos, não é possível cravar o número de compartilhamentos ou saber se outros conteúdos falsos não viralizaram ainda mais.

Mas a análise de diferentes sites de verificação possibilita uma amostra importante do que vem ocorrendo, já que cada um desenvolve sua própria metodologia de coleta e análise de posts, chegando a distintas fontes. Destaco o que foi produzido sobre o que circulou sobre eleições nas redes, sem considerar, por isso, análises dos verificadores sobre falas de políticos em debates, situação já abordada neste Observatório das Eleições.

Na Agência Lupa, considerada a primeira agência de fact-checking do Brasil, as eleições aparecem em mensagens sobre urnas eletrônicas. “Circula nas redes sociais um post que diz que somente Brasil, Cuba e Venezuela usam urnas eletrônicas em eleições”, informa.

Segundo checagem da agência, de acordo com o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International IDEA), 26 países, como Índia e Peru, usam urnas com tecnologia eletrônica para eleições gerais, de um total de 178. Outros 16 utilizam esses equipamentos em pleitos regionais.

O Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 28 diferentes veículos de comunicação brasileiros, deu o mesmo destaque: “Postagem no Facebook afirma que, além do Brasil, apenas Cuba e Venezuela usam urnas eletrônicas”. Fato ou Fake, do Grupo Globo, também verificou mensagens sobre urnas eletrônicas. Uma delas fazia referência a possível veto do Paraguai à utilização desses equipamentos brasileiros. Nesses casos, teorias da conspiração envolvendo outros países saltam aos olhos.

Na Aos Fatos, projeto mais abrangente de verificação, mais uma vez há referências e explicações sobre as urnas. A agência informa que, na primeira semana das eleições, foram encontradas 17.891 publicações consideradas de “baixa qualidade” sobre o pleito, de um total de 658.707 mensagens coletadas no período. Os termos que mais apareceram na coleta foram: Bolsonaro (851 menções), presidente (610) e candidato (606). Candidatos (510), Trump (426), pandemia (381) e prefeito (400) foram outros recorrentes.

A campanha ainda está fria e o fato de termos o noticiário bastante pautado pelos debates nacional, com destaque para a indicação de Kassio Nunes por Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF), e internacional, com as eleições norte-americanas, explicam isso.

Partido Novo, João Dória, Manuela D`Ávila e até Jesus foram tema de desinformação

Além de conteúdos sobre a urna, outros temas aparecem. No dia 2, o destaque foi uma mensagem referente ao partido Novo, alegando que um representante dele teria participado da criação de conselho político com partidos de esquerda contra Bolsonaro durante um encontro do movimento Direitos Já – Fórum da Democracia, o que não é confirmado pelo partido. Publicações do tipo acumulavam cerca de 6 mil compartilhamentos até aquela sexta, segundo a agência.

Outra checagem mostrou que são falsas as mensagens que apontam que o governador de São Paulo, João Doria, seria rejeitado por 98% da população.

Uma montagem de foto de Manuela D’Ávila (PCdoB), candidata à Prefeitura de Porto Alegre, vestindo camiseta com dizeres “Jesus é travesti” também voltou a circular. Até o dia 28, publicações recentes já acumulavam mais de 18 mil compartilhamentos com a mesma montagem, que foi recorrente em 2018, época em que também circulou informação de que a blusa continha, na verdade, a frase “rebele-se”.

Além desta, “Aos Fatos identificou, por exemplo, que a publicação que alegava que D’Ávila teria afirmado ser “mais popular que Jesus” foi compartilhada ao menos 10 mil vezes nas últimas 48 horas”, informa publicação do dia 29.

O fato de conteúdos notoriamente requentados serem novamente utilizados é um indício de que continuam servindo aos interesses de grupos que promovem campanhas de desinformação e de que estes seguem apostando na tática de fragilizar a confiança no sistema eleitoral e na própria democracia. Por outro lado, a situação demonstra os limites das checagens, seja porque não conseguem levar a verificação a quem teve contato com o conteúdo falso ou porque os receptores, mesmo sabendo ou desconfiando da veracidade de algo, participam deliberadamente das ações de compartilhamento.

A adesão da população à essas notícias pode ter várias explicações, entre elas a reafirmação de posicionamentos previamente existentes. Além disso, escreve Giuliano da Empoli em Engenheiros do Caos (Vestígio, 2019), para população que adere a líderes políticos de viés populista, “a verdade dos fatos, tomados um a um, não conta. O que é verdadeiro é a mensagem no seu conjunto, que corresponde a seus sentimentos e suas sensações”.

No YouTube predominam ataques à esquerda

A Aos Fatos produz um radar que também mapeia conteúdos categorizados como de baixa qualidade no YouTube. No mapeamento desta plataforma, aparecem com destaque ataques à esquerda. Na primeira semana das eleições, a agência apontou dois conteúdos como com “alta probabilidade” de ser desinformativo.

Um deles ganhou o título “Freixo capitalista e Felipe Santa Cruz jogando o jogo”. O vídeo faz referência a uma situação verídica: a controvérsia em torno da doação de Armínio Fraga e de outros empresários a candidato do PSOL. Freixo disse que, se a candidatura fosse impugnada, poderia deixar o partido. O youtuber, por sua vez, sentencia que o deputado “ameaçou sair do PSOL caso o partido não aceitasse doações polpudas de bilionários banqueiros brasileiros”. Depois, segue fazendo associações aos negócios da família de João Moreira Salles na extração de nióbio, cineasta que também fez doação para aquela candidatura, e apresenta posicionamento de Bolsonaro a favor da ampliação da exploração do minério, como se isso fosse prejudicar os Salles. A tese sustentada é que isso juntaria PSOL e Moreira Salles por dinheiro contra o presidente.

Na segunda parte do vídeo, o assunto é a fala do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que classificou como qualificado o indicado de Bolsonaro ao Supremo. O posicionamento é apresentado como uma pecepção de “oportunidade” para piorar o que o youtuber aponta ser “um racha enorme na base conservadora por causa dessa escolha”, pois parte dela esperava alguém “claramente conservador e de direita, e esse é o motivo da nossa decepção”. Nesses casos, o que há é a abordagem distorcida de informações baseadas na realidade, mas manipuladas, com recursos ao exagero e à descontextualização.

O outro vídeo associado às eleições classificado como com “alta probabilidade” de ser desinformativo chama-se “Quem são os partidos da esquerda – cuidado”. Um apresentador expõe áudio atribuído ao pastor Silas Malafaia em que alerta “aos cristãos” sobre portaria do governo Bolsonaro sobre aborto e diz que ela impediria apenas a realização de interrupções não previstas em lei, o que não é verdade.
O youtuber menciona ação de partidos de esquerda no Supremo contra a portaria e pergunta: “é nesses partidos que você vai votar?”. Aborto, ideologia de gênero, família, Deus. A cantilena já conhecida é apresentada. E conclui: “se você é a favor da família, se você tem Deus no coração e na sua família, é obrigação orientar as pessoas em quem tem que votar e em quem não tem que votar”. Mais uma vez, há combinação de mentira, descontextualização e exagero, a partir de referência ao real, o que mostra a complexidade da desinformação e a multiplicidade de estratégias utilizadas para convencer e influenciar o público.

Estudos têm apontado que o YouTube favorece canais de extrema-direita por meio de seus algoritmos, recomendando-os porque conteúdos extremados, exagerados ou apelativos geram engajamento e mantêm a audiência conectada e produzindo dados. No período das eleições de 2018, reportagem do The Intercept Brasil revelou que dos dez canais que mais cresceram na plataforma metade era dedicada a promover Bolsonaro e outros extremistas de direita. Se está claro que velhas fake news estão sendo reutilizadas, importaria saber se a programação dos algoritmos também. Dada a opacidade das plataformas, essa informação dificilmente vira à tona ao longo do pleito.

É como se estivéssemos todos sob o impacto do complexo de Cassandra: avisos sobre os riscos da desinformação foram feitos, mas tomados como falsos e desacreditados. Enquanto isso, aquilo que é possivelmente ou mesmo sabidamente falso ganha as telas com ares de verdade. Resta saber se 2020 requentará 2018 também nas urnas.

Crivella requenta “kit gay” e mostra o papel de políticos na desinformação

Muita gente pensa que a desinformação ocorre apenas no “submundo” da internet. Mas não é bem assim. No primeiro debate entre candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro, promovido pela Band na quinta-feira, 1, ficou explícito o recurso a esse tipo de estratagema, mesmo diante das câmeras e do possível escrutínio público.

Prefeito e candidato à reeleição, Marcelo Crivella (Republicanos) requentou informação falsa sobre “kit gay” ao afirmar que: “Se o PSOL ganhar a eleição, nossas crianças vão ter uma coisa que tinha em casa, orientação sexual. Vai ter kit gay na escola e e vão induzir a liberação das drogas”.

Certamente seguindo o script combinado previamente, a fala surgiu em confronto com a candidata do PSOL, Renata Souza. Antes da discussão entre os dois, Clarissa Garotinho (PROS) havia questionado Crivella sobre a gestão das contas da prefeitura.

Crivella, na sequência, teve a oportunidade de começar e perguntou a Renata sobre sua opinião acerca da “ideologia de gênero” e prevenção às drogas. Renata optou por enfatizar, na resposta, críticas à condução do prefeito no controle da pandemia. Na tréplica, ele tirou do bolso a velha “fake news”, em uma tentativa de colocar o debate no campo em que sua torcida gosta de vê-lo jogando.

Eleitores de Bolsonaro acreditaram na existência do “kit gay”

Direto do armário de 2018, o “kit gay” voltou à tona, mostrando que as táticas não foram renovadas. O “kit” foi o segundo boato que mais ganhou lastro no Facebook e no Twitter naquele pleito, segundo levantamento da Aos Fatos, que registrou mais de 400 mil compartilhamentos com esse teor.

Confirmando o impacto, pesquisa IDEIA Big Data/Avaaz mostrou que 84% dos eleitores de Bolsonaro acreditaram na existência do “kit gay”. Sua criação foi atribuída a Fernando Haddad (PT) por Bolsonaro, inclusive durante entrevista como candidato no Jornal Nacional. Na importante bancada, com um exemplar à mão, o hoje presidente afirmou que o livro Aparelho Sexual e Cia tinha sido distribuído em escolas públicas pelo Ministério da Educação sob o comando de Haddad.

O suposto “kit gay”, além de bastante conhecido e desmentido, chegou a ser objeto de liminar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que requereu a remoção de 36 conteúdos relacionados a ele por Bolsonaro e seus apoiadores. O relator do caso, ministro Carlos Horbach, destaca em sua decisão que “a difusão da informação equivocada de que o livro em questão teria sido distribuído pelo MEC, no referido projeto, no PNLD ou no PNBE, gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político, o que recomenda a remoção dos conteúdos com tal teor”.

Uma semana depois dessa medida, Bolsonaro voltou a veicular conteúdos sobre o mesmo tema, em inserções na rádio e na TV, ignorando o entendimento da Justiça.

Quais medidas cabem às falas de Crivella?

Na atual eleição, consta na legislação que é considerado crime previsto no Código Eleitoral (Lei 4.737, de 1965) divulgar denúncias caluniosas contra candidatos em eleições, conforme alteração legislativa aprovada pelo Congresso em 2019. A candidata Renata Souza já informou que vai acionar a justiça para que o candidato seja responsabilizado.

Mas o debate sobre o tema não é apenas da esfera jurídica. É do próprio fazer político que se trata. Do uso de desinformação de forma escancarada, banalizada, sem que a sociedade reaja criticamente à altura. Um uso que se faz de forma intencional e estratégica, como apontamos em artigo anterior neste Observatório das Eleições. Que ocorre sem que tenhamos sequer nitidez sobre a extensão do impacto de conteúdos desinformativos ou possibilidade de alcançar os mesmos receptores para que conheçam outras versões dos fatos.

Políticos e disseminação de fake news

O caso, infelizmente, não é isolado. Lançado nesta semana, estudo da Universidade de Cornell indica forte papel de Donald Trump na disseminação de notícias falsas sobre o coronavírus. Pesquisadores mapearam 38 milhões de reportagens publicadas entre 1º de janeiro e 26 de maio e constaram que, em mais de 522 mil artigos, houve desinformação. Em quase 38% destes casos, a discussão partiu de Trump, por isso considerado no estudo o maior impulsionador da “infodemia”.

Nos conteúdos, foram promovidas “curas milagrosas” não comprovadas para a Covid-19 ou esta foi apresentada como “farsa do Partido Democrata” com o objetivo de atacar o atual presidente, que testou positivo para o coronavírus.

O interessante do estudo é que ele comprova que a desinformação não está apenas associada às mídias digitais, tendo espaço na mídia tradicional e também na online, o que o caso Crivella também deixa ver. Além disso, destaca o papel central de agentes políticos em sua promoção.

Bastante recorrente, esse tipo de vinculação é percebida pela população. De acordo com o Digital News Report 2020, estudo feito a partir da parceria entre Reuters Institute e Universidade de Oxford, os políticos domésticos são vistos como os principais responsáveis por informações falsas e enganosas online (40%). Depois estão ativistas (14%), jornalistas (13%), pessoas comuns (13%), e governos estrangeiros (10%). Estados Unidos, Brasil, Filipinas e África do Sul são os países com mais registros de culpabilização de políticos.

O levantamento, que ouviu mais de 80 mil pessoas em 40 países, a partir questionário online aplicado entre o fim janeiro e o início de fevereiro, também mostra que mais da metade (56%) dos entrevistados, repetindo o que havia sido diagnosticado em 2019, permanece preocupado com o que é real e falso na internet quando recebe uma notícia. A preocupação tende a ser maior em países do Sul global. O Brasil lidera a lista (84%), seguido de Quênia (76%), e África do Sul (72%).

Essa situação deve lançar luz sobre o problema e direcionar nossas buscas por respostas para os agentes que promovem desinformação intencionalmente e que se valem de sua projeção como figuras públicas e mesmo autoridades para influenciar a população e subverter o debate democrático.