Como a pandemia afeta as eleições?

Como a pandemia afeta as eleições?

Eleições são momentos cruciais para as democracias. É por meio delas que escolhemos nossos representantes, consentimos em sermos governados e garantimos a legitimidade dos governos. 

A ocorrência de desastres naturais apresenta um dilema: como e quando realizar eleições nessas situações? Por um lado, o adiamento de eleições torna a ida às urnas mais segura. Por outro, as datas e procedimentos escolhidos podem afetar os resultados, e adiamentos podem levar a crises de legitimidade. 

Até a data de elaboração deste texto, 72 países e territórios haviam decidido adiar alguma eleição por causa da pandemia, de acordo com levantamento do Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA, em sua sigla em inglês). O mesmo levantamento mostra que 67 países e territórios realizaram eleições ao longo desse período. Essas disputas nos permitem antecipar o que esperar neste contexto.

Quais os impactos da realização de eleições durante a pandemia? 

Estudos discutiram ao menos dois aspectos: o comparecimento às urnas e o desempenho dos detentores de cargos.

Em geral, o comparecimento em eleições realizadas neste período foi menor do que a média nesses países ao longo de 12 anos (2008-2019), segundo outro estudo do IDEA. Porém, ao menos 12 casos foram exceções. 

O IDEA elenca três fatores relacionados ao aumento do comparecimento nessas exceções: (1) o fortalecimento de arranjos especiais de votação, como o voto por correio ou o voto antecipado; (2) o contexto político, com disputas mais apertadas ou cruciais para o destino de uma região; e (3) o momento em que a eleição ocorreu, já que locais pouco afetados pela Covid-19 durante as eleições tiveram bom comparecimento (como na Eslováquia e em Togo).

No Brasil, há risco de redução no comparecimento. A Justiça Eleitoral pretende mitigar este problema e reduzir o risco aos eleitores implementando uma série de medidas, como a ampliação do horário de votação, horário preferencial para idosos, equipamentos de proteção para mesários e disponibilização de álcool em gel para eleitores. Contudo, tais medidas ficam aquém de alguns arranjos especiais descritos no relatório, que exigiriam transformações profundas no processo eleitoral brasileiro. 

Além disso, apesar da possibilidade do contexto político afetar eleições em algumas cidades, a disputa de 2020 não dá sinais de que isso seja generalizado (vale a ressalva de que, no Brasil, eleições locais têm um comparecimento maior do que as gerais). 

Quanto ao momento da eleição, apesar de passarmos por uma redução no número diário de casos e mortes pela Covid-19, a situação da pandemia ainda é grave. Pesquisas do Ibope em 13 municípios mostram que, levando em conta a situação da pandemia e as medidas de prevenção, entre 69% e 79% dos eleitores dizem que irão às urnas com certeza (número abaixo do comparecimento nacional em 2016, que foi de 82,4%), enquanto entre 15% e 24% afirmam ter dúvidas sobre seu comparecimento. 

As eleições em outros países e as pesquisas citadas ainda mostram que a queda não deve ser igual em todos os segmentos do eleitorado, o que pode influenciar no resultado de algumas disputas.

Figura: Percentual de eleitores que “com certeza comparecerá para votar”

E quanto aos resultados? 

Meses atrás, analistas identificaram um aumento substantivo na avaliação de líderes mundiais, atribuindo-o ao efeito de união nacional, no qual a população se une em torno de seus líderes num momento de crise. Damien Bol e coautores mostraram que um lockdown estava associado a aumento de intenção de voto para o partido do Primeiro-Ministro na Europa Ocidental, atribuindo-o a este efeito. 

Porém, ele não é sempre encontrado. Em estudo sobre as eleições locais na Baviera (Alemanha), Arndt Leininger e Max Schaub argumentam que a relação positiva entre o número de casos de Covid-19 e o voto no partido governante não refletia esse efeito, pois somente os candidatos da CSU (principal partido na região) se beneficiaram, enquanto outros partidos mandatários perderam votos.

Roberto Ramos e Carlos Sanz ainda chamam atenção para a duração deste efeito. Ao estudarem queimadas naturais na Espanha, o efeito positivo delas em votações de partidos da situação se restringiu aos meses mais próximos à eleição. Por aqui, já convivemos com a pandemia há vários meses. Apesar da melhora na avaliação de prefeitos e governadores no início deste período, há dúvidas se ele persiste e terá consequências nas urnas. 

Sobre o Brasil, George Avelino lançou duas hipóteses sobre fatores que devem favorecer prefeitos que buscam a reeleição: o maior destaque deles ao longo deste período, com resultados concretos para a população; e as restrições a campanhas presenciais, especialmente em municípios pequenos onde as interações face-a-face são mais importantes. 

Em análise neste Observatório, a partir das pesquisas de intenção de voto em algumas capitais, o professor Leonardo Avritzer identifica uma relação entre a chance de reeleição e o desempenho do prefeito no combate ao coronavírus.

De fato, trabalhos bem avaliados durante a pandemia devem ajudar mandatários neste ano, especialmente porque, mais uma vez, a saúde foi apontada como o principal problema dos municípios em pesquisas do Ibope em várias capitais brasileiras.

* Lucas Gelape é doutorando em Ciência Política pela USP e mestre pela UFMG. Foi pesquisador visitante (doutorado sanduíche) na Universidade Harvard.

Combater a pandemia dá votos?

Combater a pandemia dá votos?

Desde as eleições de 2016, é possível observar um padrão de voto por parte do eleitor brasileiro, tanto em eleições municipais quanto em eleições estaduais. Como resultado de uma crítica ao establishment político e aos partidos, esse eleitor passou a se preocupar muito mais com a aparência física dos candidatos e com certo discurso anticorrupção e não se atentou muito à capacidade que os vereadores, deputados, prefeitos e até mesmo governadores eleitos teriam de formular e implantar políticas.

Uma pergunta importante para a eleição de 2020 é se esse padrão irá ou não mudar em virtude da pandemia do novo coronavírus. Afinal vimos tanto experiências de forte empenho no combate à pandemia quanto prefeitos e governadores que se eximiram de adotar medidas contundentes e não foram capazes de controlá-la.

Belo Horizonte e Florianópolis: aparentemente imbatíveis

Temos motivos para assumir que o padrão irá se alterar a partir de 2020. Ainda que não em todos os lugares. Alguns exemplos já podem ser percebidos, como o caso do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), e do prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (DEM).

Alexandre Kalil foi um dos prefeitos a implementar as políticas mais radicais contra o coronavírus, tornando Belo Horizonte a primeira cidade a adotar medidas de isolamento social, em 17 de março, como também uma das poucas a retornar ao isolamento em virtude do aumento da taxa de contaminação após a abertura do comércio.

Até hoje, a capital mineira não reabriu completamente seus restaurantes e escolas. O prefeito de BH, mesmo com implementação de políticas tão incisivas de combate à pandemia, disparou na frente de outros candidatos na corrida eleitoral pela reeleição. De acordo com a pesquisa IBOPE do dia 02 de outubro Kalil possui 56% das intenções de voto.

Situação semelhante ocorre em Florianópolis, onde o atual prefeito tem 44% de votos e seu desempenho contra a pandemia vem sendo bem avaliado pela população. No entanto, uma pergunta ainda se coloca: os casos dos prefeitos de Belo Horizonte e de Florianópolis são casos isolados ou seria um novo padrão a ser observado nas eleições deste ano?

Combate a pandemia parece ser relevante, mas não sozinho

Comparando a atuação de alguns prefeitos a partir de três critérios, a saber, a política em relação à reabertura do comércio, em relação a restaurantes e escolas e seus posicionamentos públicos, podemos avaliar a reação à pandemia entre intensa, média, baixa e muito baixa. Na tabela abaixo, observa-se também a intenção de voto.

Tabela 1: intenção de voto e reação à pandemia

Os casos marcados em verde-escuro apontam para aqueles prefeitos que tiveram atitudes incisivas no combate à pandemia. Os dois mencionados anteriormente, Alexandre Kalil (Belo Horizonte) e Gean Loureiro (Florianópolis), são praticamente imbatíveis, segundo os números atuais. Dados os impactos e a relevância do tema sanitário na conjuntura, isso indica certo alinhamento da população às atitudes dos prefeitos.

As certezas, no entanto, acabam aí. Por um lado, o caso de Bruno Covas já levanta algumas dúvidas sobre essa correlação. O prefeito paulistano, que em 2016 foi vice de João Dória, agora está como candidato pelo PSDB e em segundo lugar na pesquisa, perdendo apenas para Russomano (Republicanos) que tem 26% dos votos. Ainda que esteja perdendo para um candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, figura que teve uma atuação na pandemia contrária ao que aqui consideramos como exemplar, o prefeito tem chances de reeleição dado o histórico de perda de fôlego de Russomano.

Por outro lado, há dúvidas se a péssima intenção de votos em relação ao prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) deve-se unicamente a sua atuação frente à pandemia. Provavelmente não, já que ele acumulava um desempenho muito ruim em um conjunto de áreas de sua administração antes mesmo do início da pandemia.

Resta explicar, portanto, os casos intermediários. Prefeitos que antes da pandemia eram frágeis e tiveram atitudes médias – apontando para mais de uma direção em termos de medidas intensas e de pouca atenção à severidade da crise – parecem ter os maiores problemas em relação a corrida eleitoral.

Esse é o caso principalmente do atual prefeito de Porto Alegre e candidato à reeleição, Nelson Marchezan Júnior. Corre contra ele um processo na Câmara dos Vereadores por desviar recursos de combate à Covid-19 para outras áreas. Recife teve um momento muito ruim no início da pandemia mas se recuperou bem ao passo que Porto Alegre tem um desempenho ruim que se manteve, especialmente se comparado às duas outras capitais da região Sul.

Vale a pena também apontar a baixíssima taxa de reeleição no estado do Rio Grande do Sul e que deve também afetar Marchezan, um candidato que se beneficiou da onda de boa aparência somada ao discurso anticorrupção em 2016, mas que parece não conseguir se reeleger apenas com base neste binômio.

Por último, temos um caso que não se enquadra completamente em nossa tipologia, que é Cuiabá. Por um lado, o desempenho frente à Covid–19 do prefeito Emanuel Pinheiro parece ser muito ruim, mas, por outro lado, ele tem alta intenção de votos. O caso de Cuiabá mostra que a pandemia é relevante, mas não foi e não será capaz de ser o único item nas agendas das eleições deste ano. Continuarão existindo pautas e lideranças regionais. Porém, aqueles prefeitos que conseguiram associar um bom desempenho anterior com um bom desempenho na gestão da pandemia parecem ter maiores chances de reeleição.

Pra campanha ficar Odara…

Pra campanha ficar Odara…

Esta semana viralizou nas redes sociais um vídeo de Caetano Veloso, e não era com ele cantando. O compositor, falando para a câmera de Paula Lavigne, criticava decisão da Justiça Eleitoral gaúcha que proibia Manuela d’Ávila, do PCdoB de Porto Alegre, de divulgar a live que o cantor realizaria para arrecadar fundos para a campanha da candidata. A decisão gerava dúvidas se o evento poderia ou não ser realizado. Munido da legislação eleitoral, Caetano afirmava que faria o show, quase um “deixa eu cantar”.

A decisão é provisória, mas o embate não deverá ser o único desse tipo. Isso porque se tornou cada vez mais comum no Brasil a transposição para a Justiça Eleitoral das disputas entre os candidatos, em uma modalidade de judicialização das eleições que atinge as campanhas eleitorais.

As eleições tornaram-se um campo fértil para intervenção de juízes e promotores e isso se deve ao fato de que se combina, no Brasil, um quadro institucional que oferece inúmeros pontos de acesso ao Poder Judiciário. Para o caso da Justiça Eleitoral, há previsão legal de variados instrumentos jurídicos que estão à disposição dos cidadãos, mas, sobretudo, podem ser mobilizados estrategicamente pelas candidaturas. Como consequência, quase todos os aspectos do processo eleitoral podem ser questionados judicialmente.

Ainda que este modelo de governança eleitoral tenha sido pensado para garantir a legitimidade das eleições, em um ambiente de generalizada desconfiança e visão profundamente negativa da política e dos políticos, o resultado pode não ser o desejável.

Limitações dificultam a arrecadação para quem não pode doar para si mesmo

Entre as principais ferramentas de controle judicial da influência do poder econômico ou abuso de poder nas eleições, destaca-se a representação eleitoral. Esta serve para apurar e punir infrações às normas eleitorais que possam desequilibrar a disputa, incluídas aí as irregularidades referentes à propaganda eleitoral e doações e contribuições para campanhas. A discussão em torno da live de Caetano Veloso envolve, justamente, estes campos.

Equiparado a um showmício pela justiça, o que se pretendia, segundo seus organizadores, era promover um evento de arrecadação para as campanhas de Manuela e, também, de Boulos, respectivamente às prefeituras de Porto Alegre e São Paulo. A peculiaridade se restringe ao fato de que, no lugar de um teatro, a performance de Caetano aconteceria no universo virtual. A iniciativa, no entanto, tornou-se objeto de disputa, o que coloca em questão a conveniência de uma justiça que escrutina e tutela não apenas as virtudes do voto, mas também das doações dos cidadãos.

A questão se torna urgente diante de um quadro em que progressivamente se limitam as campanhas eleitorais e se alteram as regras de obtenção de recursos para que os candidatos possam divulgar suas ideias e projetos para suas cidades. Se houver limites tão rigorosos para arrecadação, quem poderá disputar eleições? Segundo matéria na imprensa, autofinanciamento já é a segunda maior fonte de recursos para os candidatos, perdendo apenas para o dinheiro vindo dos próprios partidos. Somente os ricos serão competitivos?

Profissionalização das assessorias jurídicas de campanha

Ao mesmo tempo em que avança o fenômeno da judicialização das eleições, observa-se a crescente profissionalização das assessorias jurídicas das campanhas. Bancas de advogados solapam a informalidade que marcava no passado recente a atuação errática das candidaturas perante a Justiça Eleitoral.

São expressivos os dados do TSE sobre litigância nas eleições de 2018. Embora os registros de candidaturas e as prestações de conta ainda sejam os mais contestados judicialmente, perfazendo aproximadamente 78% das ações propostas perante os TREs, as representações são a terceira classe processual mais mobilizada. E das 3.849 reclamações propostas, aproximadamente 82% questionam irregularidades em propagandas. Esse é um indicativo de quais são os principais instrumentos por meio dos quais as assessorias judicializam as campanhas, tendo por objeto preferencial justamente a propaganda eleitoral.

Nenhuma candidatura que se pretenda competitiva prescinde, atualmente, de planejamento jurídico estratégico, o que não envolve apenas aspectos defensivos. As candidaturas e campanhas dos adversários são escrutinadas em cada etapa do processo eleitoral. Não surpreende, portanto, que tenha sido um dos adversários de Manuela d’Ávila a atiçar a Justiça Eleitoral. Cada vez mais, advogadas e advogados dividem os holofotes com marqueteiros no universo das campanhas eleitorais. Diante deste quadro é que a acossada Justiça Eleitoral precisa exercer suas virtudes passivas – talvez mais do que nunca.

PT em números: uma análise de 2000 a 2016

PT em números: uma análise de 2000 a 2016

Existem muitas maneiras de medir o desempenho dos partidos brasileiros em uma eleição municipal. A mais óbvia é observar o número de prefeitos e vereadores eleitos. Algumas vezes, a escolha recai sobre um segmento específico de cidades: as capitais, as cem com maior população, os municípios onde há segundo turno. Basta contar quantas cadeiras um partido obteve numa eleição e comparar com a anterior para termos um quadro geral a respeito do sucesso ou fracasso de uma legenda.

Há dois problemas com essa métrica. O primeiro é que muitas vezes o partido não apresenta candidato próprio a prefeito e participa de uma coligação, apoiando um nome de outra legenda. Nesse caso, seus votos acabam não sendo computados na avaliação.

O segundo é que a eleição de vereadores nem sempre é uma boa métrica do desempenho eleitoral. Muitas vezes um partido é bem votado e não elege um vereador; em outras, o partido mesmo com uma votação reduzida consegue eleger um dos seus candidatos (a coligação permitia que isso acontecesse).

Minha sugestão é que o melhor indicador para avaliar o sucesso dos partidos em eleições municipais é observar o percentual de votos que eles obtiveram para a Câmara Municipal. Se um partido tem um diretório em um município é bem provável que ele apresente pelo menos um candidato a vereador. Desse modo, a proporção de votos nas cidades em que o partido disputou serviria como um bom indicador de sua “força”.

Avalio aqui o desempenho do Partido dos Trabalhadores (PT), o mais organizado partido brasileiro em todas as eleições realizadas desde 2000 – ano em que a urna eletrônica foi utilizada pela primeira vez em todos os municípios. Em artigos subsequentes analisarei a performance de outras legendas.

Desempenho do PT de 2000 a 2016

Entre os analistas políticos, há um consenso de que o PT foi o grande derrotado nas últimas eleições municipais (2016). O partido perdeu vereadores e prefeitos, como mostrou Oswaldo E. do Amaral no artigo E agora, PT?. A eleição aconteceu no ano em que a presidente Dilma Rousseff foi afastada e as investigações da Lava-Jato estavam no ápice.

No meio da campanha eleitoral daquele ano, eu encontrei um candidato do PT a prefeito de uma importante cidade brasileira que relatou: “Está difícil ser candidato pelo PT. Tem muito candidato a vereador tirando o símbolo do partido do material de campanha”.

O gráfico 1 mostra a votação média obtida pelos candidatos do PT nas cinco eleições realizadas desde 2000. As cidades foram agregadas em cinco faixas, de acordo com o tamanho da população. É importante assinalar que apenas as cidades em que o partido concorreu são consideradas no cálculo.

O gráfico revela que aconteceu uma inflexão na história eleitoral do PT na disputa de 2016. Nas três faixas de menor população, o partido interrompeu o processo de crescimento contínuo de sua votação. O declínio mais expressivo, porém, aconteceu nas maiores cidades. Nos municípios com população entre 150 mil e 500 mil habitantes, onde o partido tinha obtido cerca de 10% nas três eleições anteriores, ele caiu para a faixa de 4% em 2016. Nas megacidades (população acima de 500 mil habitantes) a votação do PT vinha declinando levemente, mas teve uma queda brusca em 2016 (cerca de 5 pontos percentuais).

Para mostrar em mais detalhes a evolução da votação do PT nos grandes centros urbanos, mostro apenas os resultados das 19 cidades mais populosas, as que têm acima de 800 mil habitantes (ver na imagem abaixo). Em todas elas o partido encolheu sua votação em 2016, comparativamente à 2012. Chama a atenção o declínio constante em três cidades que eram símbolos da força do partido em 2000: Belém, São Paulo e Porto Alegre.

Nas eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro venceu em um número expressivo de megacidades. Em boa parte delas, o PT já vinha reduzindo sua votação na disputa presidencial desde 2006. Os dados apresentados nos dois gráficos acima mostram, porém, que as dificuldades do partido nessas cidades talvez sejam mais estruturais do que a derrota para Bolsonaro tenha sugerido.

Pensando no futuro: a retomada do protagonismo do PT na disputa presidencial passa em larga medida pela reconquista das grandes cidades brasileiras. Por isso, as eleições de 2020 terão um papel tão importante para o partido.

O que podemos esperar da propaganda eleitoral durante uma pandemia?

O que podemos esperar da propaganda eleitoral durante uma pandemia?

A pandemia do COVID-19 trouxe impactos para diversos setores da sociedade, afetando, também, as eleições de 2020. Além da mudança das datas, a Justiça Eleitoral adotou uma série de protocolos sanitários para garantir uma eleição segura.

Contudo, uma eleição não é uma escolha protocolar em que o cidadão simplesmente cumpre uma obrigação legal. É um momento fulcral em nossa democracia, visto que é a oportunidade de escolha dos rumos da política, no caso de 2020, municipal. Para que o eleitor seja capaz de fazer uma escolha consciente das lideranças políticas que o representarão, ele precisa informar-se e é nesse momento que podemos refletir sobre a importância da propaganda eleitoral para a democracia.

Muito além de ser um direito das candidaturas, a propaganda eleitoral é um direito dos cidadãos, porque, além de ter acesso às propostas políticas dos candidatos, o eleitor tem contato com a crítica política dos principais concorrentes ao pleito.

Apesar de sua importância, os movimentos recentes de “mini-reforma eleitoral”, com o objetivo de reduzir os custos das campanhas, passaram a diminuir cada vez mais as possibilidades de propaganda. Nesse sentido, tivemos nos últimos anos: (i) a redução do tempo de propaganda eleitoral de 90 para 45 dias; (ii) a vedação à veiculação de propaganda em outdoors, cavaletes, bandeiras fixas, muros e fachadas; (iii) a não veiculação de propaganda em rede das candidaturas à vereança no horário eleitoral gratuito; (iv) o impedimento de veiculação em carro de som ou minitrios em eventos que não sejam carreatas ou congêneres; entre outros.

Tendo em vista as restrições à realização de “campanhas tradicionais”, aos poucos as propagandas passaram a migrar cada vez mais para o ambiente virtual. As campanhas passaram a ver as redes sociais como um ambiente propício, em razão do seu baixo custo e alcance do eleitorado, mesmo se pensarmos nas limitações causadas pelos algoritmos e a criação de “bolhas”. Cabe ressaltar que tal fenômeno tende a se intensificar com o advento da pandemia, em que várias campanhas devem migrar para o ambiente virtual.

Tendo em vista esse “novo” cenário, a legislação eleitoral, aos poucos, começou a regulamentar a propaganda na internet. Foram permitidas (i) a arrecadação de recursos em sites; (ii) o incentivo ao financiamento coletivo através de plataformas de crowdfunding; (iii) o impulsionamento pago de conteúdo; e (iv) a veiculação de propaganda em sites¸ redes sociais e blogs de candidatos.

Mas as experiências recentes com a propaganda na internet demonstraram problemas não aventados anteriormente pela legislação eleitoral. De um lado, temos a desinformação, comumente denominada como fake news. Através de uma coleta massiva de dados e da utilização dos algoritmos de maneira estratégica, algumas candidaturas foram acusadas de promoverem uma campanha ordenada de desinformação em massa, repassando mensagens e notícias falsas sobre outras candidaturas.

Por outro lado, o mecanismo legal normalmente utilizado pelas candidaturas para enfrentar a disseminação de desinformação é a remoção do conteúdo, estratégia muito criticada por especialistas pelo potencial da desinformação ser confundido com o direito à crítica ou opinião.

Dessa forma, em “eleições pandêmicas” encontramos dois desafios para realização da propaganda eleitoral.

Nas “campanhas de rua”, além das inúmeras vedações mencionadas acima, as candidaturas deverão preocupar-se com as condições sanitárias de seus apoiadores. Cabe ressaltar que a Emenda Constitucional 107/20, responsável pelo adiamento do pleito, não estabeleceu nenhuma vedação para realização de propaganda eleitoral durante o período da pandemia. Pelo contrário, a norma permitiu uma flexibilização da realização de publicidade institucional de órgãos públicos municipais com o objetivo de promover atos e campanhas destinados ao enfrentamento da pandemia, o que, em outros tempos, poderia ser considerada uma conduta vedada, nos termos do art. 73 da Lei, 9.504/97.

Além disso, a EC impediu que norma municipal limitasse a realização de propaganda eleitoral, salvo se houver decisão fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional. A intenção desse dispositivo foi de limitar o abuso do poder político, visto que candidatos à reeleição poderiam tentar impedir a campanha eleitoral de seus adversários através de norma municipal.

Já nas “campanhas virtuais” o desafio é tentar minimizar os efeitos da desinformação, sem que o eleitor tenha cerceado seu direito de expressar-se livremente. Para tanto, a própria Resolução 23.610/2019, que regulamenta a propaganda eleitoral na internet deixa claro o respeito à liberdade de expressão.

Dessa forma, além das naturais adversidades de uma eleição durante a pandemia, a Justiça Eleitoral vai encontrar um enorme desafio em fiscalizar a propaganda eleitoral, seja nas campanhas de rua ou nas virtuais.

* Felipe Gallo da Franca é mestre em Direito Político pela UFMG e membro da Comissão de Direito Municipal da OAB-MG.

As coligações e o enxugamento do quadro partidário

As coligações e o enxugamento do quadro partidário

Os dirigentes partidários brasileiros sempre tiveram que fazer uma escolha difícil antes das eleições com relação aos seus candidatos a cargos proporcionais (vereadores e deputados): apresentar uma lista somente com nomes que pertencem ao partido ou coligar-se com outras legendas? A decisão envolvia uma série de aspectos: o potencial eleitoral do partido, a barganha pelo tempo de televisão nas eleições para o Executivo e as negociações a respeito de um eventual apoio a um futuro governo.

A partir desse ano, o dilema dos dirigentes chega ao fim, já que entra em vigor a proibição de coligação nas eleições proporcionais. Essa mudança provavelmente produzirá um forte impacto no sistema partidário brasileiro. Mas qual a razão para que uma singela alteração da legislação possa afetar significativamente a representação dos partidos?

Antes de responder, vale a pena lembrar de duas mudanças feitas recentemente no sistema eleitoral que passaram desapercebidas por muitas pessoas que acompanham a política. A primeira, que já vigorou nas eleições de 2016 e 2018, é a exigência de que um candidato obtenha pelo menos 10% do quociente eleitoral para ser eleito (o quociente eleitoral é o resultado da divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras em disputa). Por exemplo: se em uma eleição o quociente eleitoral é de 20 mil votos, um candidato precisa obter pelo menos 2 mil votos. Um partido que, por conta do quociente partidário (resultado da divisão do total de votos do partido pelo quociente eleitoral) consegue uma cadeira, perde essa posição se o candidato que a ocuparia tem uma votação menor que estes 10% do quociente eleitoral (digamos 1.800 votos).

Isso aconteceu com o PSL em São Paulo nas eleições de 2018. O partido perdeu sete cadeiras na disputa para a Câmara dos Deputados por conta da regra dos 10%. O quociente eleitoral no estado foi de 301.460 votos; para ser apto, um deputado necessitava obter 10% desse valor (30.146 votos). Sete candidatos do PSL, que teriam sido eleitos pela regra anterior, obtiveram menos votos do que esse patamar.

A segunda mudança importante no sistema eleitoral brasileiro entrou em vigor 2018, quando o quociente eleitoral deixou de funcionar como cláusula de barreira para os partidos. Até então, se um partido não atingisse o quociente ele estava fora da distribuição das cadeiras (daí a ideia de cláusula de barreira). A nova mudança, portanto, acabou beneficiando os pequenos partidos.

A severidade da cláusula de exclusão, sobretudo em cidades e estados que elegem um número reduzido de parlamentares, era o pavor de muitos políticos. Numa cidade com nove vereadores, por exemplo, a cláusula de barreira é de 11,1% dos votos. Por isso, era tão comum a prática da coligação; ao juntarem seus votos os partidos aumentavam a probabilidade de ultrapassar o quociente eleitoral. Em pequenas cidades, era muito frequente que os diversos partidos se agregassem em apenas duas ou três coligações para concorrer à Câmara Municipal.

O fim das coligações (mesmo com o fim do quociente eleitoral como cláusula de barreira) afetará os pequenos partidos que a utilizavam com o intuito de ultrapassar o quociente eleitoral; por vezes coligando-se entre si, outras vezes buscando a aliança com um partido grande que conseguia ultrapassar o quociente com certa segurança.

Nas eleições municipais de 2020 observaremos uma queda drástica do número de partidos representados nas Câmaras Municipais. Cerca de de 95% das cidades brasileiras elegem até 10 vereadores (o mínimo são nove). Nessas cidades, por conta do fim das coligações, a tendência é que apenas dois ou três partidos consigam eleger vereadores, deixando de fora da representação um número expressivo de legendas existentes no município.

Após o fim das eleições de 2020 devemos assistir a um inevitável processo de incorporação e fusão dos partidos. Serão milhares de candidatos e muitos partidos pequenos que devem dar-se conta que os estímulos oferecidos na “Era da hiper-fragmentação partidária” acabaram. Alguns partidos já concorrerão em 2020 sem os recursos do Fundo Eleitoral e sem poder fazer propaganda no horário eleitoral gratuito. Todos os partidos perderam a via mais fácil para chegar ao Legislativo (coligação). Tudo leva a crer que, paulatinamente, estejamos caminhando para uma nova fase: “A Era da fragmentação partidária moderada”.